quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Quando a Lava Jato atenta contra o Estado brasileiro e sua soberania


O que causa enorme controvérsia é a aparente cooperação dos procuradores brasileiros com a justiça norte-americana, fornecendo provas contra a Petrobras.





Além das mudanças de rumo no tocante ao nível de investimento e estratégia de longo prazo da Petrobras, a Lava Jato desencadeou uma série de processos contra a estatal na justiça norte-americana. Se aqui o entendimento é de que houve um saque à empresa promovido por um cartel de empreiteiras, nos EUA alguns setores concebem que a própria Petrobras tem responsabilidade pelo ocorrido, devendo ressarcir acionistas e responder por infração à legislação de valores mobiliários local.

Tais processos, no entanto, já eram esperados, tendo em vista o oportunismo dos agentes de mercado, que os transformam em estratégia para auferir lucros, sendo a justiça em si algo marginal. O que causa enorme controvérsia nessa questão é a aparente cooperação dos procuradores brasileiros com a justiça norte-americana, fornecendo provas contra a Petrobras, o que abre uma série de questionamentos em relação a soberania e interesse nacional brasileiros.

Na opinião do entrevistado André Araújo, que é advogado da área internacional com escritório em Washington, ex-Conselheiro da CEMIG e ex-Presidente da EMPLASA, a cooperação com as autoridades norte-americanas configura um ataque ao interesse essencial do Estado brasileiro, constituindo “interferência” e “intromissão” em nosso sistema de poder. Araújo destaca que os prejuízos à Petrobras podem superar os US$ 5 bilhões, lembrando ainda que enfraquecer a estatal “atende a interesses geopolíticos dos EUA”.

Confira:

De que forma estão se desenrolando os processos contra a Petrobras nos EUA? O que os acionistas alegam para processar a estatal brasileira?

A. Araújo: Há três conjuntos de processos: O da Comissão de Valores Mobiliários (SEC), do Departamento de Justiça e dos acionistas minoritários, chamadas “ações coletivas”, que tem a porta aberta para novos acionistas irem aderindo. As duas primeiras são ações públicas e a última é ação privada, mas que vai usar a “alavanca” das ações públicas.

É verdade que existem procuradores brasileiros colaborando com a justiça norte-americana contra a Petrobras? Se sim, isso é legal?

A. Araújo: Parece evidente que sim. A base legal seria o Acordo de Assistência Judiciaria Brasil-EUA de 2001, aprovado pelo Decreto 3.810 assinando pelo Presidente FHC. Mas o Acordo tem uma exceção pela qual a colaboração não cabe, é o Art.3º – Item 1 – Letra b) quando a colaboração vai contra o INTERESSE ESSENCIAL do Estado contratante. A Petrobras é controlada pelo Estado brasileiro que nela tem um interesse essencial, então o Estado não pode ajudar outro Estado a processar a sua empresa, porque isso atinge o interesse essencial do Estado-parte, nesse caso o acordo em questão não poderia operar.

De modo geral, os Acordos de Assistência Judiciaria tem como objetivo a persecução criminal de delinquentes que operam internacionalmente, esses acordos NÃO foram, de modo algum, pensados para entrar na área politica de cada um dos Estados contratantes, não cabe a outros Estados se intrometerem na área politica de outros países e os eventos em torno da Lava Jato são essencialmente de natureza politica. Acordos de Assistência não são desenhados para esse tipo de caso sensível nas relações de poder dentro de um Pais.

Corrupção política tem efeitos imediatos sobre as relações de poder internas de um País e nunca se poderia cogitar de envolver outros países nessa luta porque esta interferência significa clara intromissão no sistema de poder do Estado contratante. Não consta, por exemplo, que o México, vizinho de cerca dos EUA, tenha alguma vez cogitado pedir apoio do Departamento de Justiça para combater a corrupção política dentro do México, que é histórica.

Existe algum acordo de cooperação entre os EUA e o Brasil? Seria possível requisitar dados comprometedores relativos a empresas norte-americanas ao judiciário de lá?

A. Araújo: Existe o já indicado Acordo de 2001, nunca soube que o Brasil tenha requerido assistência do Departamento de Justiça em casos como o do contrabando da CISCO, do vazamento de petróleo da CHEVRON ou dos pilotos do Legacy.

Se houvesse esse pedido por parte do Brasil não sei se seria atendido, examinariam o caso com extremo cuidado se fosse o caso de atingir uma empresa americana. O acordo não foi pensado para isso, foi desenhado, por exemplo, para pegar um estelionatário brasileiro que fugiu para Miami.

Que levaria um policial, procurador ou juiz brasileiro a cooperar com autoridades norte-americanas? Em que bases se dão estas relações?

A. Araújo: Pela visão focada exclusivamente nas suas funções, que eles transformam em missão. Então para fazer justiça vale procurar ajuda de outro Estado, sem pensar que essa ajuda tem um preço e que esse preço pode atingir outros interesses do Brasil. Nesse caso da Petrobras, NUNCA deveriam pedir ajuda dos EUA porque essa ajuda coloca o Departamento de Justiça dentro do processo no Brasil e foi a partir dessa ““puxada para dentro do processo” que o Departamento de Justiça iniciou seu próprio processo contra a Petrobras, o que pode custar CARÍSSIMO ao Brasil. O Brasil foi a Washington procurar sarna para se coçar, sem o processo de Curitiba não haveria o processo de Washington.

Até que ponto esta influência estrangeira trabalha? É possível dizer que os EUA usam desta visando uma determinada agenda geopolítica?


A. Araújo: Não acredito que haja um plano estratégico previamente elaborado. O Departamento de Justiça funciona como o Ministério Público aqui, são profissionais do mesmo perfil, com o mesmo senso de missão. Não acredito que eles vejam outros interesses dos EUA, mas involuntariamente esse processo pode fragilizar a Petrobras, e dentro da politica geral americana, desde a criação da PEMEX em 1938, os Estados Unidos são ideologicamente contra petrolíferas estatais em qualquer Pais, portanto, nesse contexto, enfraquecer a Petrobras atende a interesses geopolíticos dos EUA a longo prazo.


Existiriam meios para os Estados se protegerem destas manobras? Que se pode fazer quanto a isso?


A. Araújo: Os Estados NÃO devem usar com frequência e de forma leviana esses Acordos de Assistência e estes DEVEM sempre ser monitorados pelo Ministério da Justiça para que não se use a toda hora. A vinda de Promotores estrangeiros ao Brasil deveria ser autorizada com cautela e rigor, não pode ser uma coisa tão liberada como parece ser e resta a saber se o Ministério da Justiça, que é a AUTORIDADE CENTRAL dentro do Acordo, está ciente dessas viagens e se as autorizou, pelo que sei, ninguém consultou o Ministério da Justiça para anfitrionar colegas americanos em Curitiba.

Na minha opinião esse Acordo JAMAIS poderia ser invocado no caso da Lava Jato, que é um grande caso politico antes de ser judiciário, a ser resolvido exclusivamente dentro do Pais sem recorrer a autoridades estrangeiras que uma vez envolvidas vão ver seus próprios interesses, como já aconteceu nesse caso, e o que parecia um caso de colaboração desinteressada vira uma bomba para o Brasil.

Quanto a Petrobras. Que estratégia a empresa adotou para se defender nas cortes norte-americanas? A perspectiva é de vitória ou podemos esperar prejuízos?

A. Araújo: Pelo que sei o que foi feito até agora é contratar dois escritórios de advogacia americanos para investigações internas, contratados por quase R$ 200 milhões. Não soube da contratação de escritórios para defesa na ação FCPA do Departamento de Justiça, na SEC e nas ações coletivas, e nem da contratação de escritórios de lobby para defesa politica da Petrobras em Washington. Quer dizer, não digo que não foram contratados advogados nos EUA, digo que não sei se foram.

Qual o potencial de prejuízo desses processos, que valores estão envolvidos? Qual seria a melhor estratégia de defesa levando em conta as peculiaridades da justiça norte-americana?

A. Araújo: O potencial de prejuízo dos processos varia de US$ 1,6 bilhão, primeiro número que saiu na imprensa americana como multa do DofJ para a Petrobras, até US$3 bilhões, para esse mesmo processo. Os demais processos especialmente das class actions, que são ações coletivas de minoritários, fala-se US$1 bilhão a US$2,5 bilhões, mas se tratam de estimativas ainda muito vagas.

Quanto ao processo de defesa acho, no meu modo de ver, muito conformista às pretensões do sistema americano, na minha opinião a linha de defesa deve ser mais contundente e não tão conformista como parece ser a linha da Petrobras, o Brasil não é apenas uma companhia, tem o peso do Estado que não está sendo usado. Em um processo internacional há outros vetores de País a País que não se usam em processos apenas internos nos EUA, os tipos de advogados que estão sendo contratados são adeptos do sistema americano e operam sem contestá-lo. A pretensão da lei americana de aplicar jurisdição da FCPA a empresas brasileiras – que não tem qualquer negócio nos EUA – como já disseram que pretendem fazer, é disconforme ao direito internacional e nenhum Pais aceita tal projeção extraterritorial de jurisdição. Tal pretensão é completamente politica e eles não ousam se aventurar contra empresas russas e chinesas, mas vão pretender contra empresas brasileiras, como está no despacho da Reuters de agosto passado.

No geral acho a defesa brasileira extremamente conformista e muito tímida. Minha linha de argumentação é que a Petrobras é vítima e não autora, portanto não pode ser ré da FCPA. A pergunta que faço frente a este quadro é: Porque não há processos contra a SANANGOL, empresa que vende todo o petróleo produzido em Angola aos EUA, e de onde saíram megafortunas roubadas que inclusive estão na lista da FORBES?

Via 
Rennan Martins - Desenvolvimentistas na Carta Maior

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Os odiadores de ontem, os odiadores de hoje



Eva Perón vivia seus últimos dias de vida. Tinha apenas trinta e três anos de idade. Sofria pela metástase de um câncer que surgira em seu útero.

O drama de Evita tocava milhões de argentinos e argentinas que faziam vigília por sua recuperação.
Em 1952, a elite argentina comemorou o câncer e a morte da mulher que combateu seus privilégios e simbolizou um governo em favor dos “cabecitas negras”.





Mas não todos tinham compaixão por sua doença. A admiração por Eva, que se convertia em uma espécie de ideologia política própria, sem nenhuma estruturação litúrgica, porém decididamente muito ligada à identidade de classe possível na Argentina dos anos 50, era considerada pelas elites como coisa menor. Dizia-se (e se diz ainda), que era algo como “coisa de empregada doméstica”.

Nem a dor, nem a morte que se avizinhava. Nenhum drama inibiu quem colocava o ódio político e o ressentimento social acima de todas as coisas.

“Viva o Câncer!”. Esta foi a frase que apareceu escrita no muro de sua residência, pouco antes de sua morte. Havia muita gente regozijando por seu padecimento. Festejando sua morte.

Não era pra menos. Pra quem levava a noção de hierarquia social como algo naturalizado e parte integrante de si mesmo, a figura de Evita era absolutamente insuportável.

Eva nascera fruto de uma relação extraconjugal de seus pais. Nunca foi totalmente reconhecida. No velório de seu pai, havia sido impedida de prestar seu último adeus. Quando se mudou para Buenos Aires, Evita passou a ser uma atriz de rádio. As radionovelas explodiam no país inteiro. O rádio passava a ser o principal veículo para integração do país e também para a comunicação com as massas de trabalhadores.

O rádio era solene. Não era minimalista como nos nossos dias. Era um aparelho grande a ser colocado no meio da sala. As famílias se reuniam em volta dele. Perón, como nenhum político de seu tempo soube tirar proveito desta nova ferramenta de comunicação. Da mesma forma, como ninguém até então, soube enxergar o trabalhador operário como um ator político relevante a ser mobilizado para a construção do trabalhismo na Argentina. Em bairros e cidades mais afastadas, o rádio era pendurado nos postes para que os mais pobres também pudessem ouví-lo.

Eva Duarte, como qualquer atriz de rádio ou de teatro não ocupava um lugar social muito distante das prostitutas.

Iniciou uma relação amorosa com Perón. Um homem mais velho e poderoso. Por virtude e por fortuna, Perón se converteu em presidente da Argentina, chegando ao poder nos braços do povo. “Cabecitas Negras” eram chamados seus eleitores. Viviam nos subúrbios de Buenos Aires, mas sequer podiam frequentar os luxuosos espaços da região central. Muitos passaram a conhecer o centro nas manifestações políticas do peronismo. Era um escândalo. A massa de descamisados e de pés descalços. Nadavam nos chafarizes, tomavam mate nas praças antes exclusivas dos grandes cavalheiros.

Evita, agora primeira-dama, passou a frequentar os salões da oligarquia argentina. Jamais foi aceita. Os interesses sazonais das elites econômica e política, obrigava os grandes negociantes a aturarem aquela “bastarda”.

Não eram raras as vezes em que, após a chegada de Evita, as damas da sociedade se retiravam de recintos como o famoso Teatro Colón. Chefes religiosos se recusavam a reconhecer sob a ótica da Santa Igreja a união de Juan Domingo e Eva.

O poder modifica a todos. É uma experiência definitiva. Alguns se afogam em meio a vaidades tolas. Sentem-se entorpecidos pelo luxo e pela adulação de gente falsa e mentirosa. Não são poucos aqueles que esquecem suas raízes. Que mudam de classe. O mundo está repleto de gente que com o poder perde a capacidade de olhar para si e próprio e também condição de enxergar o mundo a sua volta. Concentram-se apenas em pertencer e conservar o status adquirido.

Mas Evita não foi assim! Eva tinha uma personalidade controversa, mas soube como poucos na história fazer o bem. Falava como uma mulher do povo. Cometia erros gramaticais que eram jocosamente ridicularizados por alguns. Enfrentava a oligarquia. Fez o que pode para ajudar os necessitados. Recebia a todos em seu gabinete. Dava desde presentes de natal até máquina de costura, brinquedos, tratamento dentário e hospitalar. Fazia o que era possível. Não era uma primeira-dama tradicional. Mesmo com a saúde muito frágil, na frente de todos seus assessores perplexos beijava os leprosos e outros doentes na boca.

Por Rafael Castilho