Acossada por uma crise econômica gravíssima, a Europa busca reforçar a aliança histórica com os Estados Unidos, a fim de consolidar e ampliar a sua presença na América Latina e na África – mas isso parece improvável.
Todos os movimentos, diplomáticos e militares, nestes últimos meses, dão nitidez a essa percepção, expressa ainda de maneira discreta por alguns analistas internacionais. Trata-se, conforme a velha imagem, do abraço dos afogados.
Ainda agora, Zapatero, que assumiu o governo com grandes esperanças da esquerda, depois da desoladora atuação da direita, com Aznar, leva a Espanha a integrar o famoso escudo antimísseis dos Estados Unidos, permitindo aos ianques que, para isso, utilizem sua base naval em Rota, na Andaluzia. Essa base, construída em 1953, quando Washington estreitou relações com Franco, seu aliado na guerra fria, ocupa uma área estratégica no Atlântico, fora das águas do Mediterrâneo.
O passo humilhante de Zapatero não revela apenas submissão ideológica, mas erro político, mesmo dentro da consciência burguesa de nação. Como apontou, em seu editorial de hoje, sexta-feira, El País, trata-se de uma provocação à Rússia, que deve ser convencida a influir para que o Irã renuncie a seu projeto nuclear bélico. É claro que os russos, que não nasceram ontem, e conhecem a Europa Ocidental desde Ivã, o Terrível, sabem muito bem a que alvo apontam os foguetes norte-americanos. O fortalecimento de seus laços com o Irã e sua estratégia, a prazo maior, de restabelecer sua influência na Eurásia, com a esperada saída dos ianques do Iraque e do Afeganistão, orienta-lhe a postura. Seu veto à ameaça contra a Síria, ao lado da China, no Conselho de Segurança, é mais do que uma cortesia a Assad.
O quadro internacional, se é preocupante por um lado, com a rearticulação dos velhos imperialistas, é, da mesma forma, oportunidade para a consolidação institucional da União Sulamericana, como passo necessário a aliança mais vasta, que compreenda todos os países do continente ao sul da fronteira com os Estados Unidos. Enfim, é hora da definitiva independência de nossos povos, 200 anos depois da enganosa autonomia patrocinada pela Inglaterra e aprovada pelos europeus no Congresso de Viena.
O momento favorece, também, o retorno à esquerda, depois do desastrado recuo da União Soviética, com a traiçoeira capitulação de Gorbatchev. No mundo inteiro, e também no Brasil, houve o esmorecimento dos partidos de esquerda, com a deserção de conhecidos quadros intelectuais, e a permanência de diminutos núcleos de testemunho e resistência ideológica.
Na Europa, a social-democracia foi fazendo seu giro à direita, que atingiu também os partidos comunistas. O primeiro passo desses antigos partidos comunistas foi o abandono da denominação, como se o adjetivo, de origem tão generosa, se tornasse palavrão imoral. Enfim, parecia triunfante, ad-aeternum, o pensamento único, restaurador do fundamentalismo mercantil do século 17.
Passados trinta anos do reaganismo e vinte anos da Queda do Muro, o mundo desperta e, com ele, se restaura a silhueta de Marx. Teremos que voltar à consciência crítica e à filosofia da práxis, a fim de dar idéias ao movimento de massas que acaba de chegar aos Estados Unidos, e se acelere o processo histórico que, sendo necessário, passa a ser possível.
O Brasil, descontado o otimismo exagerado de alguns, terá de exercer resistência clara ao novo colonialismo, na consolidação da aliança continental, a partir dos mecanismos existentes, como o Mercosul, a Unasul, e o sistema de consultas militares entre os vizinhos. Devemos controlar, sem inibições, a atividade dos capitais estrangeiros. É conto da carochinha supor que o Banco Santander – que teve ontem sua nota rebaixada em diversas praças do mundo – esteja interessado no desenvolvimento autônomo do Brasil e em sua ação decisiva nas questões mundiais. O que os espanhóis pretendem é retornar ao domínio da América Latina, aproveitando-se da debilidade dos Estados Unidos. No âmago de sua arrogância, seus dirigentes acreditam que podem voltar aos séculos 16 e 17, ao tempo de Carlos V e de Filipe II, antes do desastre da Invencível Armada.
Convém recordar que a impetuosa invasão econômica da América Latina, com a compra de empresas nacionais, a partir das privatizações determinadas pelo Consenso de Washington e, no Brasil, pela submissão de Fernando Henrique, tem sido financiada com recursos da União Européia – que deveriam ter tido outro destino.
A nossa oportunidade é agora.
Artigo de
Mauro Santayana no site da
Carta Maior