Pelo menos em duas ocasiões a Brigada Militar gaúcha (BM) já afirmou que orientou os policiais militares que participaram da Ação de Reintegração de Posse da Fazenda Southall, em São Gabriel, a não utilizarem munição letal em seus armamentos.
Segundo João Carlos Trindade, comandante-geral da BM, "a orientação que foi dada ontem era para que apenas armas com munição não-letal fossem usadas".
Conforme o encarregado da operação, coronel Lauro Binsfeld, afastado do cargo de subcomandante da BM ontem pela manhã, "a orientação era para que não fossem utilizadas balas de chumbo nas armas de fogo".
Acinte maior do que esse, só o modo como Binsfeld encerrou sua justificativa.
Embora os policiais tenham sido orientados a não utilizar balas de chumbo nas armas de fogo, "imprevistos acontecem", finalizou o cúmplice do assassinato de Elton Brum da Silva.
Qualquer pessoa que conheça o mínimo de hierarquia militar sabe que jamais esse tipo de "imprevisto" acontece. Nenhum policial militar carrega sua arma com munição letal se for orientado a assim não proceder, só tendo direito de municiá-lo de acordo com as orientações recebidas. E o termo "direito", nesse caso, deve ser lido como "ordem", e não como poder absoluto dos contrários - carregá-la com munição letal ou não lhe carregar com munição letal.
Ou seja, nenhum soldado que receba esse tipo de ordem a desobedece, simples assim.
O que o alto comando da Brigada Militar gaúcha está tentando fazer, em conluio com o governo do estado, seu cúmplice nesse assassinato covarde, é construir uma versão que ao menos moralmente os desresponsabilize.
O alto comando da BM está construindo sua versão apagando informações do passado. A generalista tese de que todos foram orientados a usar munição não-letal e de que "imprevistos acontecem" quer fazer crer, agora, que é possível que um soldado, no passado, tenha desobedecido ordens e municiado sua arma com munição letal.
Que soldado, La Vieja pergunta, oficial ou não, assumiria tal responsabilidade sozinho, e de encontro a ordens superiores? Que soldado, por livre e espontânea vontade, assumiria por sua conta e risco os riscos inerentes ao ato de portar uma arma municiada com chumbo, sabendo que descumpria ordens?
É mentira. Jamais um soldado, oficial ou não, desobedeceria as ordens do comandante da operação. Todos sabemos que, na prática, isso não ocorre em ambientes hierárquicos como a Brigada Militar.
O objetivo dessa estratégia é desresponsabilizar a cadeia de comando e atribuir a culpa a um ato irresponsável - a um imprevisto, nos dizeres de Binsfeld - de um agente isolado.
Mentira, mais uma vez. Toda a cadeia de comando da operação sabe que ao menos uma arma foi carregada com munição letal. Se não sabe, no mínimo foi negligente ao não acionar nenhum mecanismo capaz de evitar esse tipo de imprevisto, pois, como se sabe, foi admitido publicamente pelo próprio comandante da operação que fatos como esse acontecem. Não se admitiu sequer sua possibilidade, mas sim que acontecem. Logo, se acontecem, era obrigação moral ter tomado providências para o evitar. Do contrário, estamos nas mãos de policiais militares que deixam nossas vidas ao acaso.
E, se foi negligente, também é responsável.
Só assim, desresponsabilizando a cadeia de comando, simultaneamente se transmite a falsa ideia de que (i) o comando da operação não teve nada a ver com o homicídio e de que (ii) só há um responsável por ele, e isso porque "imprevistos acontecem".
Muitos dedos apertaram esse gatilho. Pelo menos ao lado daquele dedo covarde que assassinou Elton Brum da Silva pelas costas estão (i) o do comandante da operação, Lauro Binsfeld, (ii) o do juiz militar e ex-comandante geral da BM, Paulo Roberto Mendes, e (iii) o da governadora Yeda Crusius (PSDB).
Binsfeld não pode ser desresponsabilizado porque, mesmo que tenha orientado seus comandados a não utilizarem munição letal, é muito bem pago pela sociedade gaúcha para evitar que imprevistos aconteçam, ainda mais que sabe que de fato acontecem, como admitiu. Não é razoável supor que, após esse tipo de ordem, não haja nenhum mecanismo de controle e de verificação do modo como os armamentos foram carregados. Se se dá uma ordem para que munição não letal seja utilizada em determinada operação, então nenhum soldado, oficial ou não, sequer deveria ter acesso a munições letais após ouvi-la. Houve, no mínimo, negligência de sua parte. Como responsável imediato pela operação - e, por conseguinte, pelo seu sucesso ou fracasso -, não pode se furtar das consequências dos riscos que assumiu ao ter sido conivente com a indisciplina.
Paulo Roberto Mendes, enquanto comandante-geral da BM gaúcha, não aderiu ao Manual de Diretrizes Nacionais para Execução de Mandados Judiciais de Manutenção e Reintegração de Posse Coletiva, assinado em abril do ano passado entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e forças policiais estaduais, sob o argumento de que a BM gaúcha já atendia "aos pré-requisitos da Organização das Nações Unidas (ONU) para retirada de manifestantes de áreas invadidas". O referido manual restringe o uso de armas de fogo em operações como a que vitimou Elton Brum da Silva.
Yeda Crusius também apertou esse gatilho porque, como comandante máximo da BM gaúcha, deveria ter determinado a adesão ao referido manual. A "societas delinquentium" que se associou a fim de deliberadamente perpetrar, "continuadamente, sob diversas formas e com a máxima lucratividade possível", condutas ímprobas, também puxou esse gatilho porque jamais poderia ter alçado a comandante maior da BM gaúcha um sujeito comprometido com os interesses da elite latifundiária guasca. O dedo do novo jeito de governar também apertou esse gatilho porque adotou a violência como método de diálogo com os movimentos sociais desde seu primeiro dia de governo.
O que se esperar, porém, de quem denota absoluto desprezo pela coisa pública e ausência de limites sobre o certo e o errado?.
Resta saber se o oficial que portava a espingarda de onde partiu o tiro que tirou a vida de Elton Brum da Silva será capacho o suficiente a ponto de assumir tal responsabilidade sozinho. O alto comando da BM gaúcha já deu início, desde o momento em que montou sua primeira versão, à sua imolação pública, de modo a desresponsabilizar a cadeia de comando sob a qual se abriga tão vil e covarde ato. Aliás, sequer se descarta a possibilidade de que "o governo e o comando da BM possam estar tentando ganhar tempo para encobrir as provas e proteger o oficial, encontrando algum soldado que assuma o crime".
Não devemos, no entanto, inebriarmo-nos a ponto de erguer brindes a esse holocausto. Toda a cadeia de comando, da Brigada Militar ao novo jeito de governar, anunciada e profissionalmente assassinaram Elton Brum da Silva pelas costas.
O texto é do Marcelo Duarte (filósofo) do Blog La Vieja Bruja
(A charge é de Carlos Latuff)
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Abaixo publico uma carta de desagravo ao Coronel Lauro Binsfield, assinada pelas "pessoas de bem" da fronteira tartufa e guasca. Publicada hoje no panfleto da Tamandaré. Tapem o nariz e leiam...
DESAGRAVO A LAURO BINSFELD
No momento em que o Governo do Estado afasta, de maneira peremptória e talvez equivocada sob o ponto de vista estratégico, o sub-comandante geral da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, Coronel QOEM Lauro Binsfeld, a Associação Comercial e Industrial de Livramento-ACIL, Câmara de Dirigentes Lojistas-CDL, Sindilojas, vêm a público manifestar à comunidade deste Estado sua solidariedade ao Cel. Binsfeld no momento que ele recebe em seus ombros toda a carga da pressão política que permeia o conflito pela posse da terra no País.Entendendo, as entidades signatárias, que o incidente ocorrido no episódio do cumprimento de decisão judicial que determinou a desocupação da propriedade da Família Southal, em São Gabriel, deva ser efetivamente apurado com critério legal e método específico do trabalho policial, somam-se ao grande número de gaúchos que temem o risco do descontrole total na relação MST x Estado (sociedade) por conta da total desmoralização das Instituições, principalmente quando no evidente exercício do papel que a elas são determinados. Sem a mínima apuração que indique o envolvimento direto do Cel. Binsfeld no episódio, ainda que ele no comando da operação (mais uma, entre as tantas que comandou com êxito neste Estado e inclusive na própria Southal, tão visada pelo MST como instrumento de pressão política), entendem que deveria antes ser dado o rito natural de investigação, invés de simplesmente apontar-se o dedo para um profissional, correndo-se inclusive o risco de macular toda uma carreira até hoje merecedora de todos os méritos e reconhecimento público.As entidades signatárias reconhecem sim - como de resto sabidamente reconhecem todos os cidadãos conscientes deste Rio Grande do Sul - a competência e experiência profissional que sempre caracterizaram as relações do Cel. Binsfeld com o MST, e da mesma forma sua convivência cidadã com a sociedade da qual faz parte, atuando sempre de forma digna, respeitável e fraterna com a comunidade. Não aceitam, num outro ângulo, a pecha de irresponsabilidade profissional e sequer um relaxamento no comando por parte do Cel. Binsfeld. Ainda que erro tenha ocorrido - obviamente não impossível, uma vez que envolvendo seres humanos em momento de grave tensão emocional -, deveria ser adotada toda a metodologia investigatória, nos âmbitos policiais e jurídicos adequados, sem aceitar que a pressão político-ideológica se antepusesse à coerência e ao respeito ao papel da Instituição, certamente correndo o risco de dar a uma das partes envolvidas mais força do que julga ou merece ter na aplicação dessa pressão sobre a Sociedade como um todo.Por isso, e por conhecer a atuação profissional e a postura social do Cel. Lauro Binsfeld, as entidades signatárias manifestam sua solidariedade e sua confiança de que, no cumprimento do dever e na busca da garantia do direito, tem o Cel. Binsfeld o apoio da totalidade do povo gaúcho consciente e interessado na construção de um País mais digno, mais justo e principalmente caracterizado pela Paz e Fraternidade.Sant´Ana do Livramento, 22 de agosto de 2009.
Gostaria de deixar alguns questionamentos para os tartufos:
ResponderExcluir1- Alguém se recorda dos absurdos e abusos cometidos contra as mulheres da via campesina que estavam feridas e trancafiadas por horas dentro de um onibus?
2- Com que autoridade esses Senhores descritos nesse desagravo respondem por todos os cidadãos gauchos?
3- Estariam esses "homens de bem" lançando um desagravo nesse tom se por acaso um Estanceiro fosse morto?
Que barbaridade o desagravo!!!
ResponderExcluirEssas eleições para 2010 serão pavorosas! Se o Min. da Justiça vencer no Estado, o que os fascistas irão aprontar???
Graves, muito graves esses acontecimentos.
Abraço, Gilmar!