Minha namorada é uma brasileira nascida em Mogilev, na Bielorrússia. Eu sou um brasileiro neto de portugueses nascidos numa pequena localidade próxima de Aveiro, em Portugal. Minha namorada chegou aqui com menos de 30 anos de idade, é altamente qualificada e logo conseguiu emprego. Depois, fez concurso para uma orquestra sinfônica, obtendo vaga. Meu avô, de formação menos sofisticada, chegou mais ou menos com a mesma idade e trabalhou como estivador em Porto Alegre. Depois, o velho Manuel abriu sua padaria, chamada Lisboa.
Nossos imigrantes adoram contar histórias fantasiosas de suas famílias. A maioria delas é absolutamente mentirosa. O pessoal veio para cá porque era pobre. Muitos passaram fome. Ninguém era nobre nem tinha ligações com a realeza. Somos quase todos imigrantes recentes. A maioria de nós, brasileiros, somos netos e bisnetos de famílias pobres europeias que estão aqui há menos de dois séculos. Se não somos descendentes de europeus, somos descendentes de escravos que chegaram antes dos primeiros por aqui.
Acho triste, acho revelador de pobreza de conhecimento de sua história familiar e do Brasil, quando alguém reclama dos haitianos, dos médicos cubanos e agora dos ganeses. Somos quase todos imigrantes. E recentes.
Além do mais, quando se torce o nariz — especialmente para os que chegam dos países citados acima — há racismo embutido. E há também o preconceito de classe. Afinal, haitianos, cubanos e ganeses são gente normalmente pobre. Assim como meus parentes, eles passavam fome no local onde nasceram ou moravam. Que coincidência, não? Se fossem brancos europeus, talvez fossem saudados como pessoas do primeiro mundo reconhecendo boas possibilidades em nosso país. Já li reportagens ufanando-se disso.
Há imigrantes que, como os haitianos, cubanos e meu avô, vieram simplesmente buscando oportunidades, mas há aqueles que vieram atender nossas necessidades de mão-de-obra. Seus fluxos migratórios atendem à demandas por força de trabalho no Brasil, onde determinadas ocupações já não são preenchidas apenas por brasileiros, como operários da construção civil, empregadas domésticas, costureiras, etc.
A imigração é um fenômeno mundial, assim como a exploração das fragilidades dos imigrantes. Assim, devem ser protegidos e auxiliados. O fato da maioria de nossos antepassados ter sido explorada quando aqui chegou é mais um motivo para tratarmos bem os que, agora, chegam em busca de sustento para construir nosso país. Esse papo crescente de ajudar os brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza, do está ruim sem vocês, pior com vocês, é de uma tolice vergonhosa. Ainda vindo de quem não suporta o Bolsa-Família…
Não penso que o velho Manuel tenha vindo para o Brasil a fim de roubar o emprego de algum brasileiro que chegou um pouco antes. Não gostaria de pensar que ele sofreu preconceito. Então, tratemos os ganeses como seres humanos que estão fazendo agora o que nossos ascendentes fizeram há pouco tempo, tá? Não é gente inferior, não. É gente necessitada, apenas.
Por Milton Ribeiro no Sul 21
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