A história que a grande imprensa contou sobre o Hotel Emiliano é um épico. O ex-garimpeiro Carlos Alberto Fernandes Filgueiras venceu na vida e, depois de uma parceria com o cantor Roberto Carlos, inaugurou um empreendimento que mudou o conceito de hotelaria no Brasil.
Pela narrativa oficial, Filgueiras seria um homem generoso, que ajudou o ministro Teori Zavascki a superar a dor do luto pela morte da esposa.
Um empreendedor bem sucedido e generoso, que levou o amigo no seu avião particular para um fim de semana prolongado em sua ilha particular em Paraty.
O que você não sabe – por que a grande mídia contou — é que o Hotel Emiliano havia sido penhorado pela Justiça por causa de uma fraude – fraude mesmo, conforme apontou um juiz – perpetrada pelas empresas de Filgueiras contra uma família que, em má hora, aceitou um projeto de incorporação.
As empresas Tuama, Winner, CTD e IN Imóveis, do Grupo Tuama, de Filgueiras, construíram um condomínio em uma grande área que pertencia ao casal Antônio Victor e Beatriz Batista de Carvalho em Moema, uma das regiões mais caras de São Paulo.
Pelo contrato, as empresas de Filgueiras fariam um prédio com apartamentos de alto padrão e entregariam seis unidades aos proprietários da área.
As empresas de Filgueiras mudaram o projeto original, sem consultar os proprietários do terreno, fizeram unidades menores, venderam todas e não entregaram nenhum apartamento aos donos da área.
O casal procurou o escritório do advogado Carlos Miguel Aidar, ex-presidente da OAB em São Paulo, e há mais de 20 anos teve início uma disputa judicial.
A fraude foi comprovada e, depois de julgados todos os recursos, alguns anos mais tarde, a Justiça autorizou a execução da dívida. “A dívida não era mais só de seis apartamentos e a renda que esses apartamentos iriam proporcionar, ao longo de vinte anos.
A indenização hoje, para apurar na ponta do lápis, passa de 100 milhões de reais”, diz Carlos Miguel Aidar. Mas o escritório de Carlos Miguel Aidar não encontrou nenhum bem que pudesse ser executado em nome das empresas.
O escritório não desistiu e descobriu que as empresas tinham um sócio em comum, Carlos Alberto Fernandes Filgueiras. “Sendo ele o dono do hotel Emiliano, das empresas da sociedade Emiliano, nós requeremos a desconstituição da personalidade jurídica e o juiz de primeira instância liberou a penhora do hotel, das cotas e do terreno”, conta Aidar.
Filgueiras recorreu e derrubou a penhora no Tribunal de Justiça de São Paulo, sob o argumento de que não estavam esgotados todos os meios de recebimento.
O escritório voltou a pesquisar os bens das empresas e encontrou apenas uma casinha em São Luiz do Maranhão, de valor insignificante diante da dívida milionária.
“Nós voltamos a requerer a desconstituição da personalidade jurídica, o juiz voltou a deferir a desconstituição, ele recorreu ao tribunal, só que desta vez o tribunal manteve a desconstituição”, recorda Aidar.
Mas Filgueiras, na tentativa de impedir a execução da penhora do Emiliano, recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Filgueiras mudou de advogado e colocou na causa Caio Rocha, que é filho do ex-ministro César Asfor Rocha, que foi presidente do STJ.
Na distribuição do processo, por uma incrível coincidência, o relator escolhido foi o ministro Raul Araújo, que é do Ceará, Estado de Asfor Rocha. O ex-presidente do STJ, pai do advogado contratado por Filgueiras, é considerado padrinho da indicação de Araújo ao STJ.
A ação já durava mais de vinte anos, os autores, Antonio Victor e dona Beatriz, já haviam falecido e os herdeiros é que tinham agora interesse (legítimo) na ação.
Era uma causa considerada ganha, de direito líquido e certo, mas o relator Raul Araújo, surpreendentemente, anulou a decisão do juiz de primeira instância.
O argumento do ministro foi que a desconstituição da personalidade jurídica já havia sido derrubada no Tribunal de Justiça de São Paulo uma vez (sim, uma vez, mas liberada no segundo julgamento.
Para Raul Araújo, era “coisa julgada”, no jargão jurídico. Os colegas acompanharam a decisão e, por 5 a 0, a penhora do Emiliano foi evitada.
Em razão disso, o processo em São Paulo foi arquivado e Filgueiras pôde seguir tranquilo como proprietário do Emiliano e expandindo os negócios, junto com a família.
Procurei os herdeiros do terreno. Um deles iria dar entrevista, mas, depois de uma reunião de família, desistiu, com medo. “É gente muito poderosa. Os familiares não querem que eu fale”, disse o parente.
Aidar não desistiu. Ele pediu o desarquivamento do processo. “Nós vamos continuar o processo, agora contra o espólio do Filgueiras, vamos tentar receber, seja junto aos seguros de vida, ao seguro do avião, enfim nós vamos nos cercar de todas as maneiras possíveis na tentativa de receber para os herdeiros daquele casal, Antônio Victor e dona Beatriz, que já são falecidos há muitos anos”.
Carlos Miguel Aidar tem consciência de não será uma tarefa fácil. “A gente sabe que ministros costumam se hospedar naquele hotel. O próprio ministro César Asfor Rocha ficava lá, ele e o Filgueiras iam almoçar muito naquele restaurante que fica ao lado, do Alex Atala. São pessoas facilmente encontráveis nesses locais”, afirma.
Aidar diz ainda que ficou muito surpreso quando soube que Teori Zavascki estava no avião de Filgueiras.
“O que causou muita estranheza nesta história toda, e talvez seja este o motivo da nossa conversa, foi ver o ministro Teori Zavascki, que eu reputo ter sido um grande jurista, um grande magistrado, embarcar num avião do Filgueiras. Isso para mim causou um desconforto, porque eu nunca imaginei que o ministro Teori fosse capaz de entrar no avião de um empresário, mas, enfim, entrou e a fatalidade acabou fazendo com que os dois acabassem morrendo – os dois mais uma moça e a mãe da moça que estava lá, além do comandante”.
Por Joaquim de Carvalho no DCM
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