Quem acompanha este espaço sabe que em janeiro de 2011, quando Dilma Rousseff recebeu a faixa presidencial de Luiz Inácio Lula da Silva, escrevi que sua prioridade absoluta deveria ser restaurar a CPMF, o imposto do cheque capaz de assegurar um remédio duradouro para o financiamento da saúde pública.
A notícia de que, em 2015, Dilma Rousseff planeja recuperar uma nova versão do imposto do cheque merece aplauso. Estamos falando de uma garantia prevista no artigo 196 da Constituição, que diz:
"A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação."
A rápida reação negativa de empresários e dos grandes meios de comunicação não deve ser vista como surpresa. Pode mostrar que não se fez um esforço prévio de explicação, negociação e convencimento – o que nunca é bom. Mas convém reconhecer que estamos diante de um conflito – comum em toda democracia – em que as diferenças estão claras há muito tempo.
Em 2007, a FIESP organizou uma campanha milionária para garantir a extinção da CPMF pelo Congresso. Conseguiu evitar a prorrogação ao impedir que o governo conseguisse reunir os últimos quatro votos que faltavam para formar a maioria necessária de dois terços.
Em 2013, quando Dilma criou o Mais Médicos, uma resposta emergencial ao colapso da saúde nos pontos mais pobres do país, montou-se um ambiente de sabotagem geral. Hoje, com todos os seus limites, o programa é um sucesso reconhecido – ainda que a saúde pública, em geral, aguarde imensas melhorias, como nós sabemos.
A reação à restauração da CPMF indica que a proposta pode transformar-se numa luta política relevante – e é bom estar preparado para ela.
Orquestrada pela turma do impostômetro, que expressa os interesses de quem se coloca acima das necessidades e direitos da maioria da população, a crítica à CPMF é socialmente desprezível e vergonhosa como argumento político.
Falando do ponto de vista da verdade tributária. Vivemos num país onde os cidadãos mais pobres estão condenados a arcar com a maior carga tributária. Numa injustiça conhecida, mas convenientemente esquecida, milionários e miseráveis pagam o mesmo imposto quando vão à feira ou entram na loja para adquirir um eletrodoméstico.
Nesta situação, a proposta que alimentou o imposto do cheque representa uma mudança necessária. Cobra uma taxa ínfima sobre a movimentação bancária de cada cidadão. Na prática, quem tem mais paga mais – o que ajuda a entender a estridência do coral de seus adversários.
Basta ler a imprensa especializada para confirmar que a recessão não chegou ao setor de saúde privada – e quem sabe isso nem venha a acontecer, já que vive um período de grande prosperidade.
Isso porque os seres humanos, estes animais chamados de racionais, não tem a menor disposição de colocar a própria vida em risco. Cada centavo que falta à saúde pública acaba sendo substituído por recursos extraídos do bolso de cada família.
O combate ao imposto do cheque é acima de tudo uma luta ideológica, dogmática e sectária, de quem deseja afirmar a superioridade da iniciativa privada mesmo num terreno onde acumula fracassos visíveis.
É um modelo que funciona – mal – nos Estados Unidos, que têm o mais caro e menos eficiente sistema de saúde entre os países com o mesmo grau de desenvolvimento.
Está condenado a funcionar de forma trágica em países com o perfil sócio-econômico do Brasil, onde os planos de saúde vendem aquilo que não podem entregar, até porque exploram um mercado de baixa renda disponível – e ocupam os primeiros lugares na lista de queixas de consumidores.
A ideia de partilhar o saldo da nova CPMF com estados e municípios pode ser politicamente engenhosa. A maioria dos governos estaduais e prefeituras encontra-se com o caixa quebrado, sem perspectiva de recuperação a curto prazo. O imposto do cheque pode estimular governadores e prefeitos a trabalhar o Congresso pela sua aprovação.
Também é necessário assegurar que os novos recursos -- a entrar em vigor no ano que vem -- estarão reservados, em sua maior parte, para reforçar o caixa da saúde pública e não para sustentar um orçamento cada vez mais empenhado a pagar taxas de juros altíssimas.
Paulo Moreira Leite, via 247
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