domingo, 15 de março de 2009

Sobre focos


Considerando-se que o líder espiritual e chefe de Estado da Igreja Católica Apostólica Romana é um contumaz acobertador de pedófilos, o que mais me impressionou no episódio de excomunhão pernambucano não foi o fato de lideranças católicas considerarem algumas palavras sem sentido mais importantes do que uma vida humana, mas sim o fato das pessoas ainda se preocuparem com o que a Igreja pensa sobre os fatos do mundo. A única coisa que isso diz sobre nossa espiritualidade é que ela precisa confessar-se com urgência.Porém, uma vez que a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deve estar preocupadíssima com o destino dos fetos abortados, já que Joseph Ratzinger recentemente acabou com o limbo - local à margem do Paraíso onde ficavam as almas de crianças, bebês e fetos que morreram sem o batismo, mais os homens de bem que viveram antes da vinda de Jesus - por decreto, alcanço minha solidariedade a esses magnânimos teólogos. Não é nada fácil, simultaneamente, estar em contato com Ele e lidar com uma doutrina que tem os pés na realidade mundana.Como se vê, Ele deu a Ratzinger tanto o poder de, em nome da humanidade, perdoar os crimes de seus pares quanto o de acabar, por decreto, com suas prováveis criações.Bem, mas se Deus existe e criou x e x tem um estatuto ontológico, então nenhum decreto humano seria capaz de acabar com tal estatuto. Se isso fosse possível, ou bem x só teria existido nos pensamentos mundanos, ou bem Deus não teria sido muito sábio, pois embora onipotente - já que poderia ter criado o homem de tal modo que fosse esse capaz de revogar por decreto uma sua criação -, não teria dado grande mostra de sabedoria ao criar algo que, depois, precisasse ser extinto, ainda mais pelo homem, um ser que ouve funk. A menos, claro, que ele quisesse que isso se desse assim, pois estamos tratando de um ser onipotente, como se disse. Como se sabe, mesmo por linhas tortas Ele escreve certo, pois Perfeito.Bem, como não podemos penetrar nos desígnios divinos - o que não autoriza especulações sobre a sabedoria ou não de Seus atos - e não temos acesso epistêmico a todas Suas criações, ao menos nos consola saber que é bastante provável que os fetos abortados "tenham sido confiadas à misericórdia de Deus", como reza agora a boa doutrina.Mas, do que é mesmo que estávamos falando? Ah, sim, de uma menina de nove anos estuprada continuamente desde os 6 por um membro de sua família e grávida de 4 meses. Nada, enfim, que mereça qualquer atenção.
Marcelo Duarte, via la vieja bruja
(No retrato, a obra "A descida ao limbo", de Andrea Mantegna, 1431/1506)

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