sexta-feira, 25 de abril de 2014

Aprofundar a democracia, jamais retroceder




Às avessas do sentimento de repúdio da chamada descomemoração do golpe cívico militar de 1964 no Brasil, temos, sim, bons motivos para festejos neste mês de abril, mais precisamente no dia 25, aniversário de 40 anos da Revolução dos Cravos, em solo português.

O acontecimento que enterrou a ditadura salazarista de 41 anos em 1974 e ficou conhecido pela consigna da vitória das flores sobre tanques e fuzis, marcou também e especialmente o início de um processo de redemocratização que se espalhou por outros países sufocados pelo arbítrio e as práticas da censura, da tortura e da morte dos oponentes. A exemplo do que foi a rebelião cubana nos anos 60, embalando movimentos revolucionários inspirados no ícone nascente do Che Guevara, a revolta dos oficiais lusos
de baixa patente instigou mobilizações pela redemocratização, no mundo, na década seguinte.

Aqui, no Brasil, naquele ano tivemos a pioneira eleição sob o governo militar que sofreu a primeira grande fissura na urnas com a vitória do partido oposicionista MDB sobre a situacionista sigla Arena, no bipartidarismo torto imposto à nação, antecipando a propugna pela anistia obtida em 1979 e o fim oficial do regime em 1985.
A resistência e o enfrentamento à ditadura em nosso país, tanto por democratas e progressistas quanto por setores da esquerda, serviram de combustível para também acalentar os sonhos de toda uma geração de jovens militantes estudantis na época, dentre os quais nos encontrávamos. A revolução de 25 de abril de 1974 reforça a ideia de que aquele movimento não só teve o sentido de libertar seu povo, mas representou e segue representando um marco fundamental na história de Portugal e na trajetória
no mundo contemporâneo. A derrubada da ditadura salazarista teve um símbolo que se destacou pelo pendor pacífico sem precedentes, no qual os militares preferiram dialogar ao invés de usar as armas.

O nome Revolução dos Cravos remete à luta em que não foi dado um único tiro e os canos dos fuzis carregavam cravos vermelhos, distribuí-dos aos rebeldes pela população que festejava alegremente o fim da ditadura pelas ruas de Lisboa e outras cidades do país. Este movimento quase épico de libertação do povo português, eivado de razão e racionalidade, não deixou de imprimir sequelas de emoção e lucidez no dorso fosforescente e conformista de nossa época.

Que as mesmas esperanças e expectativas descortinadas com aquele movimento que ajudaram a reforçar a luta contra o regime de arbítrio também em nosso país possam servir de reflexão e motivação para que jamais se esqueça do horror e para nunca mais aconteçam barbáries similares em qualquer lugar do mundo.

Artigo de Adão Villaverde, engenheiro, professor e deputado estadual do PT-RS

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Lula não precisa ser candidato

A Folha reteve por 24 horas o dado capaz de relativizar esmagadoramente a queda de seis pontos nas intenções de votos na presidenta Dilma.



Por que o Datafolha não inclui em suas enquetes algumas perguntas destinadas a decifrar o modelo de desenvolvimento intrínseco à aspiração mudancista majoritária na sociedade brasileira, segundo o próprio Instituo?

Por que o Datafolha não pergunta claramente a esse clamor se ele inclui em seu escopo de mudanças um retorno às prioridades e políticas vigentes quando o país era governado pelo PSDB, com a agenda que o dispositivo midiático tenta restaurar com o lubrificante do alarmismo noticioso?

Não se trata de introduzir proselitismo nos questionários de sondagem. É mais transparente do que parece. E de pertinência jornalística tão óbvia que até espanta que ainda não tenha sido feito.

Por exemplo, por que o Datafolha não promove uma simulação que incluiria Fernando Henrique Cardoso e Lula como candidatos teóricos e assim avalia as preferências entre os modelos e ênfases de desenvolvimento que eles historicamente encarnam?

Por que o Datafolha não pergunta claramente ao leitor se prefere a Petrobras --e o pré-sal, que é disso que se trata, sejamos honestos-- em mãos brasileiras ou fatiada e privatizada?

Por que o Datafolha não investiga quais políticas e decisões estão associadas à preferência pelo petista que há 12 anos está sob bombardeio ininterrupto da mídia e, ainda assim, conserva 52% das intenções de voto num país seviciado pelo monopólio midiático?

Por que o jornal que é dono da pesquisa –em mais de um sentido-- não explicita em suas análises as relações (ostensivas) entre a resistência heroica do recall desfrutado por Lula; o desejo majoritário de mudança na sociedade e o vexaminoso arrastar dos pés-de-chumbo do conservadorismo, Aécio e Campos?

Por que a Folha reteve por 24 horas o dado capaz de relativizar esmagadoramente o impacto da queda de seis pontos que teria marcado as intenções de votos na presidenta Dilma –mas que ainda assim vence com folga (38%) seus dois principais oponentes juntos (26% de Aécio e Campos)?

O dado em questão não é singelo.

Só divulgado nesta noite de domingo –sem espaço na manchete e sequer registro na primeira página do diário dos Frias!-- ele tem caibre para dissolver em partículas quânticas tudo o que foi dito no final de semana sobre a derrocada do governo na eleição para 2014.

Qual seja, a opinião de Lula -- colheu o Datafolha-- é uma referência positiva de impacto avassalador sobre as urnas de outubro: seu peso ordena e hierarquiza a definição de voto de nada menos que 60% do eleitorado brasileiro.

Seis em cada dez eleitores tem em Lula uma baliza do que farão na cabine eleitoral.

Segundo o Datafolha, 37% deles votariam com certeza em um candidato indicado pelo petista; e 23% talvez referendassem essa mesma indicação.

Note-se que os estragos que isso deixa pelo caminho não são triviais e de registro adiável.

Se divulgados junto com a pesquisa das intenções de voto, esmagariam, repita-se, o esforço do tipo ‘vamos lá, pessoal’, que os comodoros do conservadorismo tentaram injetar na esquadra de velas esfarrapadas de Campos e Neves.

Vejamos: ao contrário do que acontece com o cabo eleitoral de Dilma, 41% dos eleitores rejeitariam esfericamente um nome apoiado por Marina Silva –Eduardo Campos encontra-se nessa alça de mira contagiosa, ou não?

Já a rejeição a um candidato apoiado por FC é de magníficos 57%.

Colosso. Sim, quase 2/3 do eleitorado, proporção só três pontos inferior à influência exercida por Lula, foge como o diabo da cruz da benção dada pelo ex-presidente tucano a um candidato; apenas 23% cogitariam sufragar um nome apoiado por ele.

Esse, o empolgante futuro reservado ao presidenciável Aécio Neves, ou será que a partir de agora ele imitará seus antecessores de dificuldades e esconderá o personagem que o imaginário brasileiro identifica ao saldo deixado pelo PSDB na economia e na política do país?

O fato é que a virada anti-petista, ou anti-governista, ou ainda anti-dilmista que o dispositivo midiático tenta vender –e o fez com notável sofreguidão neste final de semana, guarda constrangedoramente pouca aderência com a realidade.

Exceto se tomarmos por realidade as redações da emissão conservadora, a zona sul do Rio ou o perímetro compreendido entre os bairros de Higienópolis, Morumbi e Vila Olímpia, em São Paulo, a disputa é uma pouco mais difícil.

Não significa edulcorar os desafios e gargalos reais enfrentados pelo país.

Mas na esmagadora superfície habitada por 60% da população brasileira o jogo pesado da eleição de 2014 envolve outras referências que não apenas a crispação do noticiário anti-petista em torno desses problemas.

Por certo envolve entender quem é quem e o que propõe cada projeto em disputa na dura transição de ciclo econômico em curso – e nessa luta ideológica pela conquista e o esclarecimento de corações e mentes, o governo Dilma e o PT estão em débito com a sociedade.

Sobretudo, o que os dados mais recentes indicam é que a verdadeira disputa de projetos precisa de mais luz e mais desassombro por parte dos alvos midiáticos.

Os institutos de pesquisas, a exemplo do Datafolha, em grande medida avaliam o alcance do seu eco quase solitário.

Bombardeia-se a Petrobras para em seguida mensurar o estrago que os obuses causaram na resistência adversária. Idem, com o tomate, a standard & Poor’s, etc., etc., etc.

Ao largo das manchete do Brasil aos cacos, porém, seis em cada dez brasileiros aguardam o que tem a dizer aqueles que se tornaram uma referencia confiável pelo que fizeram para a construção da democracia social nos últimos anos.

É aí que Lula entra. E o PT deve cuidar para que entre não apenas rememorando o passado, do qual já é uma síntese histórica.

Mas que coloque essa credibilidade a serviço de uma indispensável repactuação política do futuro, contra o roteiro conservador do caos que lubrifica a rendição ao mercadismo.

Dizer que Dilma perdeu seis pontos e retardar a divulgação do que fariam 60% dos eleitores diante de um apelo de Lula, é uma evidência do temor que essa agenda e esse cabo eleitoral causam no palanque de patas moles que a mídia, sofregamente, carrega nas costas.

Editorial da Carta Maior, por Saul Leblon