sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Jornalismo B completa 4 anos


No dia 1º de outubro de 2007 nascia o Jornalismo B. Quatro anos depois são mais de quinhentos mil acessos ao blog, quase 6 mil followers no Twitter e 28 edições do Jornalismo B Impresso. Tudo isso já é muito, mas ainda é pouco. O fortalecimento da mídia independente é o objetivo fundamental, e o espaço para uma mídia democrática no Brasil ainda é muito pequeno para acharmos que vamos bem.
O Jornalismo B é um desses espaços, construído diariamente por todos que lêem e comentam no blog, divulgam os posts, acompanham e assinam o Jornalismo B Impresso e colaboram das mais diversas formas na construção do conteúdo. O Jornalismo B Impresso, com quase um ano e meio circulando, vem ocupando terreno importante. Enquanto o blog visa desconstruir o discurso da grande mídia, das elites, o jornal reconstrói esse discurso a partir de uma perspectiva à esquerda, democrática, popular.
Para quem pensa o mundo a partir dessa linha, assinar o Jornalismo B Impresso é uma forma de ver suas ideias difundidas, divulgadas, expandidas. Assinar o Jornalismo B Impresso é participar dessa luta e ajudar a fortalecer a mídia independente. Com esse entendimento e como forma de reconhecimento da importância dos assinantes para o Jornalismo B, o mês de aniversário do blog será mês de promoção.
Todas as pessoas que assinarem o jornal no mês de outubro concorrerão ao livro João do Rio: um dândi na Cafelândia, uma seleção de textos de um dos grandes jornalistas e escritores brasileiros. Para quem já assina, não há problema: renovar a assinatura em outubro também dá direito a concorrer. Dessa forma, reforçamos o trabalho conjunto com os leitores que nos acompanham e apoiam. A promoção é mais um resultado da parceria com a livraria Letras e Cia, parceira do Jornalismo B há bastante tempo.

Porque hoje é sexta, e chove

A inflação sobe, mas cai, entendeu?

Há um mês, quando saiu o IGP-M de agosto, as manchetes foram iguais: “sobe a inflação do aluguel”.
O noticiário pouca ou nenhuma menção fazia ao fato de que a variação acumulada, que vale tanto para o reajuste do aluguel quanto para a avaliação da situação da economia caíra, outra vez, de 8,35% para 8%.
Este mês, a história se repete.
O IGP-M de setembro deste ano (+0,65%) substitui, na série anual, o de 2010 (+1,15%), o que leva o acumulado em 12 meses a cair agora de 8% para 7,46%.
E, como outubro e novembro tiveram, ano passado, valores altos (1,01% e 1,45%, respectivamente), embora o próximo IGP-M vá absorver o restante do reajuste do dólar – é um índice mais sensível ao câmbio, a tendência é de baixa, para terminar o ano na faixa dos 6%.
Isso quer dizer pouco mais da metade do IGP-M acumulado em dezembro do ano passado, que foi de 11,32%.
Como isso não ajuda o clima de terrorismo econômico, não é explicado na maioria dos jornais.
Precisamos de um caos, não é?

Clique no gráfico pra ampliar

Leia mais no Tijolaço

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Fidelidade partidária


O PSD, que teve o seu registro autorizado ontem pela Justiça Eleitoral, nasce com cerca de 50 deputados e dois senadores. Já pode entrar com força no jogo de barganhas a que o Congresso se dedica com extrema assiduidade e eficiência. Afinal, entre seus integrantes estão parlamentares bem acostumados com essa prática.
O pessoal da direita acha que pode emplacar o voto distrital numa hipotética reforma eleitoral, para assim eleger milhares de coronéis pelo Brasil afora.
A turma da esquerda bota fé no financiamento público de campanha para frear a corrida desenfreada pelo caixa 2 em que se transformaram as eleições.
Cada um puxa a sardinha para o seu lado. E se esquece do principal ponto a ser debatido se quiserem fazer uma mudança para valer nas regras políticas - a fidelidade partidária.
Isso porque não é possível que as coisas continuem do jeito que estão, com a possibilidade de um partido nascer já com uma representação parlamentar maior do que vários outros estabelecidos há décadas, como o caso desse PSD.
Se quiserem mesmo que o país tenha uma legislação política/eleitoral que sirva para fortalecer a democracia é preciso dar um basta definitivo a esse troca-troca que os parlamentares ficam fazendo, levando os seus mandatos para quem pagar mais por eles.
Ora, ninguém pode obrigar um sujeito a ficar no lugar onde ele não se sente mais à vontade, ou que mudou seu modo de agir. Ele tem  todo o direito de ir embora, mas sem levar o mandato que conseguiu para outra agremiação. O certo é que vá embora e deixe o mandato para alguém do partido que está abandonando. E essa regra não pode ter exceção.
Ouço desde sempre que é preciso que o Brasil tenha partidos ideológicos e não fisiológicos como hoje. Mas como será isso possível se um tipo como o prefeito paulistano Gilberto Kassab, de absoluta inexpressidade, acabe, de uma hora para outra, virando uma liderança nacional só porque viu uma brecha na legislação que o permitiu sair da porcaria de partido em que estava para formar um novo?
Ora, convenhamos, não há mundo melhor para os oportunistas que apostam na política como o investimento mais lucrativo do que deixar tudo como está.
Ou mexer de modo que tudo continue como sempre foi.

Charla pescada nas imperdíveis Crônicas do Motta

Saiu o ranking da carga tributária 2010: Brasil em 31º

Compilei os dados da carga tributária de 183 países relativa a 2010. Muita gente precisa ver isto, principalmente comentaristas econômicos da velha mídia e os políticos da oposição.

A primeira tabela mostra a carga de impostos com relação ao Produto Interno Bruto (PIB), com dados da organização conservadora The Heritage Foundation. O Brasil ficou no 31º lugar em carga tributária. Existem 30 países com carga tributária maior que a do Brasil. Destes, 27 são países de grande desenvolvimento humano, europeus em geral.

Aí, confrontada com a realidade, a velha mídia vai dizer: "Ah, mas a população não vê o resultados dos impostos recolhidos". Para este  tipo de mentalidade, preparei a segunda tabela, com os países ordenados pela arrecadação per capita. O Brasil está em 52º lugar em arrecadação per capita, recolhendo 5 vezes menos que os países desenvolvidos.

Querem nível de vida escandinavo com arrecadação de emergente? É a pobreza, estúpido!

Aí vão dizer: "A situação estaria bem melhor se não fosse a corrupção!". Será? Um estudo da Fundação Getúlio Vargas mostrou que a corrupção impacta 2% (dois por cento) de nosso PIB. Na década, o TCU apanhou 7 bilhões de reais por ano em corrupção, mas a sonegação fiscal anual atinge 200 bilhões de reais, segundo pesquisa do Instituto de estudos tributários IBPT. Por que o movimento "Cansei 2.0" não vai às ruas contra a sonegação, que é 28 vezes pior que a corrupção? Espero que se indignem 28 vezes mais...

Essa neo-UDN
Extraído do Blog : O Homem que Calculava

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Pra refrescar memórias

A Globo é o escorpião da piada. Afunda junto, mas pica


O Chico Pinheiro começou o Bom (?) Dia Brasil com a elegia da catástrofe: bancos fechados, na pesquisa Focus, inflação é a hiper-inflação – clique aqui para ler “mercado quer juros mais altos e a Globo também”, o preço do cafezinho chega ao preço de uma Veuve Clicquot, os carros importados serão soterrados pelo IPI, o bondinho do Pão de Açúcar se chocou com o Cristo Redentor, a Miriam Leitão recebeu o Nobel de Economia etc etc etc.

Ela agora dá aulas, com telão e gráficos que fazem muito sucesso lá em Marechal.

Todo mundo entende.

Ela se inflama quando fala da meta da inflação: é acima da meta !!!

Parece o Fred batendo pênalti.

Ela assumiu oficialmente a função de consertar o Brasil e o mundo.

Preside o FMI, o Banco Central americano e Europeu.

Simultaneamente.

Ela é um jenio.

O Bom (?) Dia chutou o balde: assumiu o poder da oposição de forma irrevogável.

É como se fosse o horário eleitoral gratuito do PSDB.

Todo dia.

Quer dizer, não era o Renato Machado.

É mais em cima.

Aí, liga o Vasco, navegante de longo curso, desesperado,  depois de uma temporada em alto mar:

- O que é isso ? A Globo quer afundar o Brasil ?, ele pergunta.

- Quer !

- Mas, ela vai junto !

- Iria.

- Não, mas desse jeito, com a oposição mais furiosa, elas acabam afundando o Brasil.

- É o escorpião da piada. Afunda junto, mas pica.

- Isso é um suicídio.

- Só que o Brasil não afunda.

- E aí, como fica ?

- O Brasil fica e a Globo afunda.

Pano rápido.


Leia mais no Conversa Afiada

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Dólar sobe e bolsas caem. EUA e Europa têm que se mancar


Sarkozy e Obama: virem-se !
Os dramáticos movimentos dos mercados de câmbio e das bolsas nesta quinta-feira deixam claro que os governos centrais dos EUA e da Europa têm que se mexer.

Como disse a Presidenta Dilma Rousseff na ONU, EUA e Europa, além dos BRICs, têm que trabalhar juntos para evitar uma recessão que se torne irremediável.

Aparentemente, os movimentos de hoje e dos últimos dias indicam:

1. o Banco Central americano e nada é a mesma coisa;

2. o que os Bancos Centrais europeus e os Estados nacionais da Europa fizeram até agora não dá para o gasto;

3. como disse o Delfim, o problema dos EUA é de liquidez e, não, de solvência. Logo, em dúvida, a vovózinha japonesa compra dólar ou título do Tesouro americano,

4. a Europa e os EUA vivem acima de suas posses;

5. os bancos americanos jogaram fora – com a ajuda do povo americano – boa parte da sujeira que tinham dentro dos balanços;

6. ainda tem muita sujeira dentro dos bancos europeus;

7. depois da Itália, a França vai entrar na zona de tiro;

8. vai ter que ter muita grana e muito apetite político para evitar o aprofundamento da recessão;

9. uma parte dos motivos por que o dólar aqui se valoriza foi a decisão do Banco Central de cortar meio ponto na taxa Selic.

Os ricos vão ficar menos ricos – a Europa e os EUA.

Leia mais no Conversa Afiada

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Presidenta puxou as orelhas de Washington


Em resumo, a presidenta Dilma puxou as orelhas de Washington tanto quanto era possível sem causar uma crise diplomática. Ainda mais incisivo que o apoio explícito ao Estado Palestino e à sua admissão nas Nações Unidas – “lamento não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Palestina na ONU, é chegado o momento de a termos aqui representada” – foi a condenação explícita às guerras promovidas pelos Estados Unidos no Oriente Médio.
“O mundo sofre, hoje, as dolorosas conseqüências de intervenções que agravaram os conflitos, possibilitando a infiltração do terrorismo onde ele não existia; inaugurando novos ciclos de violência; multiplicando os números de vítimas civis. Muito se fala sobre a responsabilidade de proteger; pouco se fala sobre a responsabilidade ao proteger”. O plural se refere tanto a Bush júnior no Iraque, quanto Barack Obama na Líbia, igualmente irresponsáveis.
No que se refere à política econômica, os países ricos receberam broncas mais ou menos por igual: “Esta crise é séria demais para que seja administrada apenas por uns poucos países… Não é por falta de recursos financeiros que os líderes dos países desenvolvidos ainda não encontraram uma solução para a crise. É permitam-me dizer, por falta de recursos políticos e de clareza de ideias”. São os BRICS mandando o G-7 fazer a lição de casa.
A referência aos 18 anos das negociações sem resultados para a reforma do Conselho de Segurança foi outra discreta lambada nos países do Norte. Mas não exageremos sua importância, como fazem análises superficiais que, sem terem conhecimento do contexto, interpretam cada tomada de posição do Brasil como se esse fosse o objetivo máximo, ou único, de sua política externa.
No conjunto, a fala reafirmou a essência da política externa dos anos de Lula e Celso Amorim , talvez até de forma um pouco mais incisiva. Pode-se notar também menos ênfase no combate à pobreza (sem deixar de mencioná-la) e um discurso mais explícito em relação aos direitos humanos, mas do ponto de vista de “presidenta de um país emergente” e, como disse no fechamento, de “mulher que sofreu tortura no cárcere”. Condenou “as repressões brutais”, mas sem endossar as “intervenções que agravaram os conflitos” e “sem retirar dos cidadãos a condução do processo
O discurso de Barack Obama, que a seguiu, foi comparativamente anódino e provinciano, dirigido mais ao eleitorado dos EUA e a Israel do que ao mundo, sem o menor receio de expor contradições óbvias para todo o resto do planeta, como condenar as “tiranias” enquanto se mantém solidamente alinhado a regimes repressivos como os da Arábia Saudita, Iêmen e Bahrein. “Foi enterrada a ideia de que a mudança só virá com violência”, afirmou, e isso enquanto move três guerras simultâneas. Teve seu momento mais hipócrita ao dizer que “celebramos a coragem de um Presidente da Colômbia que voluntariamente deixou o governo”, depois que Álvaro Uribe subornou parlamentares para tornar possível sua primeira reeleição e só desistiu da segunda quando a Corte Constitucional de seu país a declarou ilegal.
Obama, sem lembrar seu discurso de há um ano no qual disse esperar que a Palestina estivesse presente como integrante já nesta Assembleia, insistiu em que ela precisa negociar e pedir licença a Israel para buscar sua independência – como se os EUA tivessem pedido permissão aos ingleses.
Dilma, na sua vez, disse que “apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos”. Outro exemplo de como esta abertura da Assembleia Geral em 2011 expôs a fenda crescente entre os países emergentes em ascensão e o grupo dos países desenvolvidos que luta por preservar privilégios e relações de poder que já se tornaram anacrônicas, como se o mundo nada tivesse mudado desde 1948.

Artigo de Antonio Luiz M.C.Costa
Editor de internacional de CartaCapital e também escreve sobre ciência e ficção científica.

A maldição conservadora e a invenção do guasca

Antes de entrar no tema que quero comentar, chamo a atenção para o “Desfile Cívico-Militar do Vinte de Setembro” (conforme consta da programação dos seus organizadores, os dirigentes do MTG – Movimento Tradicionalista Gaúcho) que está se desenrolando hoje, precisamente 20 de setembro de 2011. 

Quero sublinhar a ênfase na expressão “cívico-militar” dado pelo MTG, em pleno século 21. Me explico. Ninguém desconhece a filiação positivista-comtiana dos republicanos brasileiros, na segunda metade do século 19. No Rio Grande do Sul, onde a República aconteceu depois de uma revolução cruenta que durou de 1893 a 1895, os positivistas foram mais radicais e, por isso, mais exitosos do que no resto do Brasil. Julio de Castilhos e os militantes do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR) modificaram completamente o cenário político e social do estado mais meridional do País. No RS não houve a chamada troca de placa: sai a Monarquia dos Bragança, entra a República constitucional. Aqui, houve a mais completa e absoluta troca da elite no poder. Saem os velhos estancieiros pecuaristas da Campanha, entra uma composição de classes formada por uma pequena burguesia urbana, uma classe média rural, profissionais liberais e colonos de origem europeia da região serrana.

Os positivistas sulinos, fiéis aos ensinamentos dogmáticos de Auguste Comte, propugnavam – como o mestre – pela superação das fases pregressas da Humanidade. À fase militar-feudal deve seguir-se a fase industrial da Humanidade. Ou seja, à fase militar corresponderia a insurreição farroupilha de 1835-45 contra o Império do Brasil, agora – com o advento republicano – estávamos, pois, na hora de criar condições para o desenvolvimento e o progresso material que se daria por um processo intensivo de industrialização manufatureira. 
    
Vejam, pois, que os tradicionalistas do século 21 continuam com os olhos fixos num passado praticamente feudal, marcadamente militarista, embora não tenhamos experimentado, de forma hegemônica e total, esse modo de produção pré-capitalista no Brasil.  

Um dos formuladores intelectuais do que chamamos de ordem delirante do atraso – o pensamento tradicionalista da estância – foi Ramiro Frota Barcellos. Na obra “Rio Grande, tradição e cultura” (1915), o cachoeirense é de uma clareza solar quanto aos propósitos enfermiços do tradicionalismo estancieiro: “O que agora se verifica, mercê do atual movimento tradicionalista, é a transposição simbólica dos remanescentes dos ‘grupos locais’, com suas estâncias e seus galpões para o coração das cidades. Transposição simbólica, mas que fará sobreviver, na mais singular aculturação de todos os tempos, o Rio Grande latifundiário e pecuarista”.

Qualquer semelhança com o enclave da bombacha e da fumaça que anualmente acampa, no mês de Setembro, no Parque da Harmonia, em plena área central de Porto Alegre, não é mera coincidência. A “mais singular aculturação de todos os tempos”, como premonitoriamente afirma Ramiro Barcellos. Neste caso, “aculturação” é sinônimo de regressismo e estagnação.

É sobre isso que eu quero comentar brevemente.

Quando estudantes em São Paulo, Júlio de Castilhos e Assis Brasil chegaram a fundar um chamado “Clube 20 de Setembro”, que promoveu estudos – com algumas publicações - sobre o movimento farroupilha da primeira metade do século 19. Curiosamente, Castilhos abandonou as pesquisas sobre a guerra civil que varreu o Rio Grande por dez longos anos. Assis, em 1882, publicou a obra “História da República Rio-Grandense”. Por algum motivo, carente de melhores investigações, tanto os positivistas do PRR, quanto os liberais sulinos não foram muito enfáticos no culto farrapo. Tal fenômeno veio a ocorrer somente depois da Segunda Guerra, em Porto Alegre, no meio estudantil secundarista urbano do Colégio Estadual Julio de Castilhos. Daí se difundiu como rastilho de pólvora sob a forma dos onipresentes Centro de Tradição Gaúcho – CTG, que são clubes de convivência social onde se cultua o passado sob a forma fixa da mitologia farrapa, tendo como matriz formal a estética e o ethos do latifúndio da pecuária extensiva de exportação – subordinado à cadeia mercantil dos interesses hegemônicos ingleses na América do Sul. Quando os tradicionalistas se ufanam do pretensioso espírito autônomo e emancipado do chamado 'gaúcho' tout court, se referem ao Império dos Bragança, mas esquecem a dependência econômica e subordinação negocial estrita com os interesses ingleses, via portos de escoamento no Prata (via Montevideo e Buenos Aires). 

[Das relevantes realizações modernizantes do castilhismo-borgismo foram a estatização e incremento do porto de Rio Grande, bem como a encampação das ferrovias controladas por capitais europeus, de forma a dotar o estado de infraestrutura e fomentar o desenvolvimento, sem depender do Rio ou do Prata.]   

A grande data a comemorar no Rio Grande do Sul, pelo lado do senso comum, é o 20 de Setembro, que marca o início da insurreição farroupilha (é um equívoco chamá-la de “revolução”, uma vez que os rebeldes foram derrotados pelo Império e não ocorreu nenhuma modificação política, social ou econômica na província sulina depois de 1º de março de 1845, na chamada Paz de Ponche Verde). No entanto, se houve revolução no sentido rigoroso e clássico do termo, esta ocorreu a partir da promulgação da Constituição Rio-Grandense, e da posse do governador (então, presidente do Estado) Julio de Castilhos, no dia 14 de julho de 1891. Meses depois, os conservadores e latifundiários alijados do poder, eternos aliados e sustentáculos da Monarquia, deram início à luta armada contra os jovens que governavam o Rio Grande (Castilhos tinha 30 anos quando assume a presidência do estado). A partir da revolução cruenta, se inicia um processo de grandes modificações e modernizações no RS. Em 1902, já com Borges de Medeiros no poder, depois da morte precoce de Castilhos, o estado passou a tributar com impostos progressivos as terras privadas, bem como reaver dos estancieiros as imensas glebas públicas apropriadas ilegalmente durante todo o século 19.
    
A hegemonia política do castilhismo-borgismo perdura até a década de 1930. Getúlio Vargas foi presidente do estado de 1928 a 1930, quando sai para o Catete, e já deixa um governo mais conciliador com os conservadores da Campanha.
É intrigante, pois, que a apropriação do imaginário social tenha se dado pelo lado dos conservadores, através do simbolismo inventado do 20 de Setembro, e não pelas forças burguesas, progressistas e renovadoras do Rio Grande do Sul, que seria pelo 14 de Julho.
                  
Eric Hobsbawn e Terence Ranger que estudaram o fenômeno da chamada “invenção das tradições” suspeitam que quando ocorrem mudanças sociais muito bruscas e profundas, produzindo novos padrões com os quais essas tradições são incompatíveis, inventam-se novas tradições e novos imaginários de identidade social e cultural. Para os dois autores britânicos, a teoria da modernização pode sim conceber que as mudanças operadas pela infraestrutura da sociedade demandem tradições inventadas no plano da superestrutura.

Neste sentido, a revolução burguesa positivista-castilhista de inspiração saint-simoniana, introdutora do Estado-Providência, mobilizou somente as instâncias da infraestrutura (base material e econômica), deixando uma vasta lacuna, um boqueirão ideológico, diríamos, na esfera da superestrutura. 

Assim, teria restado um formidável vácuo em distintos setores da vida social e no espírito dos indivíduos, como nas artes, no pensamento político, no Direito, na identidade, nas subjetividades individuais e de grupos, na cultura e no imaginário como um todo. O homem é, antes de tudo, um animal simbólico, e este domínio da razão e da cultura foi deixado vago, motivado, talvez, pelas duras urgências da vida real, mas também – suspeito eu – pelo próprio autoritarismo do poder estendido do castilhismo-borgismo.

O tradicionalismo seria, assim, um desagravo mítico-ideológico dos derrotados de 1893/95, os mesmos derrotados de Ponche Verde. Uma vingança de classe – a do latifúndio subalterno e associado – contra a modernização burguesa do positivismo pampeiro, seria isso? Uma maldição contra o futuro do Rio Grande? “Vocês estarão condenados a viver no passado, em meio à fumaça e o cheiro de esterco, festejando derrotas, e considerando heróico, cavalgando durezas e incomodidades, e considerando genuíno, fruindo uma arte primária e mambembe, e considerando autêntico, cultuando velhos ressentimentos e considerando lúcido, ignorando o rico mosaico cultural da província e considerando o tradicionalismo de matriz latifundiária como a síntese de tudo. Vocês são os gaúchos, velhos vagabundos redimidos, são os heróis de um passado que nunca existiu” – foi a sentença de fogo dos que trouxeram o tradicionalismo como vanguarda do atraso no pensamento guasca.              
Texto do sociólogo gaúcho, Cristóvão Feil, pescado do seu blog Diário Gauche

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Seminário Comunicaçã​o em Pauta


O Seminário Comunicação em Pauta - o que já mudou e o que ainda precisa mudar é promovido pela Secretaria de Comunicação e Inclusão Digital e será realizado nas 9 Regiões Funcionais de Planejamento em que o estado do Rio Grande do Sul foi dividido. As cidades de Santa Maria [RF8], Santa Rosa [RF7], Santa Cruz do Sul [RF2] e São Lourenço do Sul [RF5] já tiveram suas edições. Agora, é a vez da cidade de Osório [RF4].

Assuntos como marco regulatório das comunicações; convergência tecnológica; fortalecimento do sistema público de comunicação; marco civil da Internet; respeito à diversidade nos meios de comunicação; participação social; regionalização dos conteúdos televisivos, políticas de inclusão digital contarão com painelistas das respectivas áreas.
Participe, divulgue, venha debater sobre a comunicação social na sua região.

domingo, 18 de setembro de 2011

Governador Tarso Genro e o vermelho errado


O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), acende o fogo simbólico em comemoração à semana farroupilha que evoca a Guerra Civil Farrapa de 1835/1845 contra o Império da família Bragança. O governador usa, no entanto, um lenço colorado, representativo do partido maragato – os liberais conservadores que lutaram na revolução de 1893/95 contra as forças modernizadoras do Partido Republicano Rio-grandense, liderado pelo então governador Julio de Castilhos. O castilhismo republicano fez a revolução burguesa clássica no RS, rompendo completamente com as forças conservadoras e consolidando a ordem republicana na província sulina, ao contrário do resto do País, onde houve apenas a chamada troca de placa da monarquia para a república com a permanência dos conservadores no poder. O Brasil só vai se modernizar a partir da década de 1930, com a chegada de Getúlio Vargas ao poder, não por acaso um ex-aprendiz do castilhismo-chimango sul-rio-grandense. Os chimangos, assim chamados os militantes do PRR, usavam lenço branco.

Foto e texto surrupiado na surdina (sem ninguém saber), nunca saberão, entretanto deveriam, principalmente visitar e ler "obrigatóriamente" o Blog Diário Gauche

sábado, 17 de setembro de 2011

Os equívocos do voto distrital (Reforma Política)

Vamos imaginar que, por qualquer razão, a campanha que a direita brasileira move por meio de seus jornais e revistas em favor do voto distrital dê certo. E que, com a mesma irresponsabilidade com que tem sido propagandeado, o Congresso resolva aprová-lo.
As pessoas que foram convencidas pelos argumentos de políticos, jornalistas e intelectuais conservadores se sentiriam bem. Para elas, com o fim do voto proporcional, teríamos dado um grande passo para consertar as deficiências de nossa democracia.
Estariam enganadas.
Acreditaram que ele não tinha contraindicações e que era simples implantá-lo. Mas a verdade é que o voto distrital traz vários problemas e é difícil adaptá-lo à nossa cultura.
A primeira pergunta é quantitativa: quantos distritos haveria no Brasil? Alguns dizem que seriam 513, o número de deputados federais existentes. Mas, nas eleições para as Assembleias, qual seria o número? Os deputados estaduais são 1.059 (incluídos os distritais). Haveria municípios agrupados na eleição para a Câmara, mas separados na estadual?
Teríamos, também, de concordar com o tamanho dos distritos. No ano passado, éramos 135,8 milhões de eleitores. Se fossem 513 distritos, a média seria de perto de 265 mil eleitores em cada um.
Nos países com voto distrital, a praxe é fazer essa conta, aplicando o princípio de “cada cabeça, um voto”. Quando são federativos (como os Estados Unidos), procura-se, no entanto, corrigir a eventual falta de representação dos estados pequenos, assegurando que tenham ao menos um distrito.
Aplicando o princípio e supondo que ficaríamos com 513 distritos (pois seria pouco provável que a sociedade apoiasse o aumento do número de deputados), todos os estados teriam sua representação diminuída, à exceção de São Paulo (onde ela quase dobraria).
Há que pensar no que são distritos com 265 mil eleitores. Como imaginar que neles haveria a propalada proximidade entre representantes e representados? Alguém pensa, a sério, que deputados eleitos com base em territórios tão complexos e heterogêneos estariam “perto” dos eleitores? Que aumentaria a possibilidade de serem cobrados?
E onde começariam e terminariam os distritos recém-criados? O bairro tal ficaria junto de quais outros? A cidade A seria do distrito X ou Y? As microrregiões hoje reconhecidas administrativamente seriam mantidas?
Essas perguntas estão na base do que os norte-americanos chamam de apportionment: a necessidade de calcular e, periodicamente, recalcular o número de distritos dos estados e a combinação de localidades dentro deles, de forma a que reflitam as mudanças demográficas.
É um processo cheio de complicações e possibilidades de manipulação. A ponto de terem inventado uma palavra para designar a procura de vantagens individuais ou partidárias ao fazê-lo. O nome é gerrymandering e ocorre com frequência por lá.
Se, então, o Congresso aprovasse o voto distrital no Brasil, o que teríamos de imediato seriam novos problemas. Em vez de consertar nossos males, criaríamos outros.
Tudo valeria a pena se houvesse certeza da superioridade do voto distrital em relação ao proporcional. Nos aborreceríamos até chegar a ele, mas o resultado compensaria.
Não é, no entanto, o caso.
Por várias razões, o voto distrital está longe de ser uma solução. Nele, é possível que quase a metade de uma região, estado ou do País fique sem representação. E é certo que, para as minorias étnicas, religiosas, culturais, de gênero ou opinião, entre outras, seria quase impossível eleger deputados.
A disputa de votos baseados na territorialidade faz com que o conteúdo político das candidaturas fique em plano secundário. O que predomina é a discussão dos “problemas concretos” e de quem tem “mais capacidade” de resolvê-los. O típico eleito é (e se orgulha disso) um “despachante de luxo”, um parlamentar paroquial que vai para Brasília com a ideia de que só deve explicações à sua região. Isso já existe hoje, e se generalizaria e se intensificaria.
No voto distrital, os candidatos não precisam de seu partido para se eleger. Só sua votação conta. Sentem-se, portanto, donos exclusivos de “seus” votos. Estar filiado a determinado partido chega a ser irrelevante.
Complicado, sujeito a manipulações, o voto distrital é ruim na representação de minorias, leva à falta de ideologia na política e enfraquece os partidos.
Talvez sejam seus problemas que atraiam a direita. Ou, então, ela só quer mesmo é posar de quem tem a solução para o Brasil (mesmo que saiba que é conversa fiada).

Artigo escrito por Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense.
No site da Revista Carta Capital

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Imposto pago não é dinheiro roubado

Vende-se, por estas bandas, a ideia de que dinheiro de imposto
é dinheiro subtraído da sociedade. Um argumento tão repetido
 pela mídia (e pela oposição ao governo) que, para muitos,
se tornou uma verdade. Foto: Foto: Bruno Huberman
O Brasil é mesmo um país de contradições. Na manhã da terça-feira 13, um grupo de pessoas acompanhou a contagem do Impostômetro, o marcador gigante instalado pela Associação Comercial de São Paulo no centro da cidade para medir a arrecadação do governo. Neste ano, diz a entidade, atingimos a marca de 1 trilhão de reais 35 dias mais cedo do que em 2010. A cifra foi acompanhada por vaias do grupo de pessoas aglomerado diante do display. Não as culpo. Vende-se, por estas bandas, a ideia de que dinheiro de imposto é dinheiro subtraído da sociedade. Um argumento tão repetido pela mídia (e pela oposição ao governo) que, para muitos, se tornou uma verdade.
Virou quase lugar-comum dizer que o Brasil é um dos campeões mundiais em impostos, e comparar nosso pacote de serviços públicos com os oferecidos por países com carga tributária igual ou maior. Esses argumentos deixam de lado dois detalhes importantes: somos também destaque mundial em desigualdade social, e temos uma massa de desassistidos comparável apenas a países como China e Índia. Ou seja, sai caro, muito caro, para uma nação com tal perfil, oferecer, mesmo precariamente, uma estrutura de amparo universal.
Logo, uma alta arrecadação é algo a ser comemorado, e não lamentado. É sinal de que o governo eleito democraticamente dispõe de mais recursos para atender às necessidades da população que o elegeu. Como alguém em sã consciência pode reclamar da saúde e da educação públicas e querer ir às ruas protestar por menos impostos? Exigir das autoridades o melhor uso possível dos recursos do orçamento é um dever cívico em qualquer país, assim como cobrar o combate permanente à corrupção. Mas imaginar que um governo será capaz de, com menos dinheiro, sustentar a máquina estatal, fazer os investimentos necessários (para ontem) em infraestrutura e melhorar o pacote de serviços à população é simplesmente absurdo!
'A reforma tributária pela qual nossos formadores
de opinião deveriam se empenhar passa, necessariamente,
pela troca de impostos que recaem sobre o consumo'

Em um brilhante artigo publicado recentemente no Valor Econômico, o presidente do Ipea, Marcio Pochmann, mostrou que a desigualdade social, medida pelo índice Gini, caiu 9,5% entre 2003 e 2009. Sem os gastos em programas de transferência de renda realizados na última década, a melhora teria sido de apenas 1,5%. No mesmo texto, Pochmann levanta uma questão que tem méritos de sobra para tirar o sono dos brasileiros: por que os ricos pagam, proporcionalmente, tão menos impostos?
A reforma tributária pela qual nossos formadores de opinião deveriam se empenhar passa, necessariamente, pela troca de impostos que recaem sobre o consumo – e penalizam os consumidores indistintamente – por uma estrutura mais progressiva. É possível, sim, criar novas (e mais altas) alíquotas de IR para faixas de rendimento mais elevadas, elevar os encargos sobre itens supérfluos e de luxo, taxar grandes fortunas (a exemplo do que faz a Inglaterra e outros países desenvolvidos) e aparelhar melhor a equipe da Receita Federal até que ninguém consiga passar um fim de semana tranquilo em sua mansão no Guarujá sem a certeza de estar em dia com o Leão.
A estrutura social brasileira é perversa sobretudo porque dá àqueles que deixam a base da pirâmide a sensação de estar muito acima da maioria. Ainda que continue a anos-luz de distância do topo, parte da classe média é mortalmente tentada a comprar um discurso que interessa apenas a quem está lá em cima.
Não se iludam: um cofre público mais gordo revela que a economia está em crescimento, e que a inclusão social trouxe mais gente para dividir o fardo de sustentar o País. A alta na arrecadação também pode indicar avanços do Fisco no combate à sonegação – um mal tão danoso à sociedade quanto a corrupção. O combate à evasão tributária deveria ser festejado sobretudo por quem tem sua fatia descontada diretamente no salário, e não conta com recursos de “engenharia financeira” para pagar fugir às obrigações, nem remete recursos a paraísos fiscais…

Artigo escrito por
André Siqueira, subeditor de Economia de CartaCapital.
andresiqueira@cartacapital.com.br

terça-feira, 13 de setembro de 2011

Vale a pena mimar os ricos?

A maior ilusão da era atual é achar que a sociedade deve ser infinitamente grata aos ricos. Eles não devem nada à sociedade. A sociedade deve tudo a eles como “geradores de riqueza”, porque a sociedade em nada contribui para o seu sucesso. Os costumes e valores a contribuir para o resto da interação humana – reciprocidade, distribuição proporcional do sofrimento e da recompensa, responsabilidade e obrigação social – devem ser suspensas para eles. Se quisermos desfrutar dos benefícios de um capitalismo dinâmico devemos reconhecer que os ricos são diferentes – e não autodestrutivamente taxá-los. Os neoconservadores americanos e sua escolta republicana trabalharam incansavelmente por 50 anos para promover esse foco, que ofende não apenas os primeiros princípios da humanidade, mas aquilo que sabemos sobre o capitalismo.
Um capitalismo bem sucedido é um fenômeno extremamente difícil de criar e manter. Depende sim do espírito empresarial, mas também de ideias, instituições e processos abrangendo desde boas universidades para inovar organizações financeiras, que nem sempre aparecem espontaneamente pela operação de mercados livres. Algumas vezes, precisam ser projetadas pela ação pública. Grandes negócios e a nata rica florescem em sociedades fortes que equipam seus empresários para prosperar. A estrutura que suporta isso custa dinheiro, e os ricos devem contribuir proporcionalmente.

Protestos em Londres: enquanto os ricos pedem mimos, cidadãos
foram presos até por mensagens do Facebook. Foto: Leon Neal/AFP

Mas isso significa um “Big Government”, reclamam os americanos neoconservadores, para que essas propostas corriqueiras, de senso comum, se transformem em uma suposta diminuição da liberdade individual – culminando no movimento do Tea Party e na desordem da política dos EUA. Abençoada é uma sociedade fraca e um Estado estrangulado com numerosos  indivíduos ricos com taxas baixas. Exceto que no espaço de uma geração todos estarão mais pobres.
Na última semana, o Reino Unido teve seu próprio mini-momento Tea Party – uma carta extraordinária assinada por cerca de 20 economistas reivindicava excluir a política do debate sobre a taxa máxima de imposto de renda. O Reino Unido precisava de uma estratégia de crescimento, argumentaram, e o que estava retendo o investimento direto interno, a assunção de riscos e o zelo empresarial em geral era o aumento na taxa máxima de impostos para 50 centavos por uma libra, para aqueles que ganham mais de 150 mil libras por ano (cerca de 405 mil reais), um aumento que o governo de coalizão não havia revertido – mas deveria, argumentaram.
Isso foi um exagero, um engodo político. Obviamente, taxas de impostos punitivas e confiscatórias são um impedimento para o empreendimento, mas uma taxa máxima de imposto de 50% dificilmente se qualifica para tanto. Em vez disso, os analistas abraçam a noção de uma racionalidade econômica para poder identificar previsíveis e mensuráveis aumentos no esforço e zelo empresarial para cortes comparáveis em imposto de renda em uma relação linear.
Mas a motivação humana, especialmente para construtores de negócios e empresários, é infinitamente mais sutil. Eles são movidos por uma matriz de motivações. E, como todos, estão incorporados na família e amizades, enraizadas no local. Os poucos bons estudos que temos mostram, por exemplo, que diferenças significantes na taxa máxima de imposto de renda não fazem as pessoas migrarem pelos EUA – uma tarefa mais fácil que entrar ou sair do Reino Unido. Nem são as diferenças comparadas por um desempenho diferencial significativo de crescimento.
Igualmente, a afirmação de que os maiores pagadores de impostos contribuem com tanta receita que devem ser impedidos de se tornarem uma espécie em extinção é misturar maçãs e peras. O que tem levado aos aumentos em rendimentos do 1% dos maiores contribuintes é o monumental crescimento da desigualdade de renda nos últimos 25 anos – algo que não foi associado com desempenho econômico melhor.
Em vez disso, tem havido uma corrida armamentícia levando a um pagamento executivo cada vez maior, certamente trazendo certo viés de alta às taxas de rendimentos, mas deve ser dificilmente confundido como “incentivo” de taxas menores para os ricos. Mas os signatários foram descuidados a respeito dessa evidência– e de muitas outras evidências. Por exemplo, a afirmação deles de que outras grandes economias “voltaram para níveis de rendimentos pré-recessão”, enquanto o Reino Unido, tirando dinheiro dos ricos, não tinha alcançado o mesmo estágio, está errado. Todos os seis países ricos – EUA, Alemanha, Japão, França, Itália e Reino Unido – declararam rendimentos no segundo trimestre de 2011 abaixo dos respectivos ápices de 2008. Nenhum deles se recuperou completamente. Os EUA e a Alemanha se saíram menos mal – mas suas taxas máximas de imposto variam consideravelmente.  Uma correlação linear entre taxar os ricos e o crescimento não existe.
A carta, por todas as suas pretensões por “não ser sobre política econômica”, foi ao invés disso uma rendição à visão de mundo do Tea Party. A Pfizer não fechou recentemente sua operação em Sandwich, Kent, por causa da taxa de imposto de renda de 50%: em vez disso, massivamente preocupada com seu modelo de negócios, concentrou pesquisa nas partes do mundo onde julga que há uma forte ecologia apoiando a indústria farmacêutica. Igualmente, Telefônica, que instalou seus negócios digitais em Londres na última semana, veio para o Reino Unido atraída pela abertura e pelo ecossistema a apoiar sua operação digital. A taxa máxima de imposto não intimidou sua decisão.
Então por que 20 economistas arriscaram assim suas reputações? Parte da resposta é que os próprios economistas foram tão aprisionados pela direita neoconservadora que muitos de seus praticantes não conseguem mais pensar direito. E por qualquer variedade de razões pessoais ou políticas, há virilidade em se associar com o primitivo, uma visão do capitalismo caçador-colecionador. Para fazer melhor, para desafiar as atuais ortodoxias, requer originalidade e trabalho duro. É muito mais fácil assinar uma carta abaixo do padrão para o FT.
Não se discute que os ricos gostam de pagar impostos. Eles não gostam. Mas um número crescente, como o ex-chefe do M&S Stuart Rose, recomendam ao governo a não prestar atenção nos economistas. Eles reconhecem que os ricos também são parte da sociedade. Talvez a pior consequências da carta é que esta desvia a discussão do que realmente move o capitalismo dinâmico – o impulso revolucionário para inovar e o profunda investimento em suas instituições, o que auxilia ou encoraja esse esforço. Onde isso não está ocorrendo, precisa ser corrigido por um Estado empreendedor – um argumento que eu e dois colegas estabelecemos em um artigo “Fazendo do Reino Unido um Eixo de Inovação” para o recém formado Big Innovation Centre no site http://www.biginnovationcentre/.
A taxa máxima de imposto não poder estar sozinha no coração de uma estratégia de crescimento. O Reino Unido precisa de mais demanda, bancos mais fortes, um capitalismo melhor e estrutura institucional mais sólida para ajudar a capitalizar em cima de futuras ondas de possibilidades tecnológicas e científicas. Arrume tudo isso e o crescimento e o investimento seguirão. A geração de riqueza é muito mais do que mimar os ricos.
Também leia em Carta Capital

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Líbia enfim livre... será?


Pescado no Tudo em cima

Tributação dos ricos: a receita da justiça fiscal

Tributação dos ricos
Por Marcio Pochmann, no Valor Econômico

A trajetória do desenvolvimento contempla a existência de um sistema tributário progressivo. Ou seja, a presença de impostos, taxas e contribuições que atuam em proporção maior com a elevação da renda e riqueza. Assim, a justiça tributária se manifesta logo na arrecadação do fundo público e se mantém na medida em que o gasto governamental seja proporcionalmente maior com a redução da renda e riqueza. Para se conhecer a eficiência do Estado, basta saber a forma com que tributa a sociedade e redistribui o que arrecadou para a população.
Pela tradição do subdesenvolvimento, a capacidade do Estado tributar os pobres tem sido proporcionalmente maior que a renda e a propriedade dos ricos. O inverso se estabelece na redistribuição do fundo público constituído por impostos, taxas e contribuições, uma vez que os pobres ficam geralmente com a parte menor do que contribuíram e os ricos com a parcela maior. Isso tudo porque os segmentos privilegiados demonstram inegáveis condições de pressionar o Estado a seu favor, bem mais que os demais estratos sociais, sobretudo os mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Sobre isso, aliás, valeria aprofundar o debate acerca da eficiência do Estado.
Na virada do século XXI, o governo brasileiro demonstrou considerável interesse em elevar a qualidade do gasto social, o que permitiu melhorar o tratamento dos segmentos sociais mais vulneráveis e desorganizados politicamente. Por diversas modalidades de atuação das políticas públicas os segmentos de menor renda terminaram ampliando a absorção do fundo público. O impacto distributivo do Estado brasileiro se mostrou inegável, com queda no grau de desigualdade pessoal da renda de 9,5%, passando de 0,55, em 2003, para 0,50, em 2009 (índice de Gini, quanto mais próximo de 1 mais desigual a distribuição). Se desconsiderada a atuação do Estado sobre os rendimentos do conjunto da população, ou seja, a renda original sem incluir as políticas de transferências de renda, a redução no grau de desigualdade seria de apenas 1,7% (de 0,64, em 2003, para 0,63, em 2009).
Em síntese, constata-se uma positiva contribuição recente do Estado no tratamento da desigualdade da renda, especialmente pelo lado da redistribuição do fundo público arrecadado. Mas falta ainda, por outro lado, avançar na qualidade da arrecadação tributária, que permanece fortemente concentrada na parcela da população de baixa renda. Os ricos seguem demonstrando importante capacidade de driblar o conjunto dos tributos. Um bom exemplo disso pode ser observado na marcha da sonegação fiscal existente no Brasil. Inicialmente pela ausência de tributação nas aplicações financeiras de residentes nas operações realizadas no exterior, sobretudo nos chamados paraísos fiscais. Em 2009, por exemplo, somente os recursos aplicados em quatro dos 60 paraísos fiscais (Ilhas Cayman, Virgens Britânicas e Bahamas, mais Luxemburgo) existentes no mundo representaram mais de ¼ do total de recursos considerados investimentos diretos externos (IDE) pelo Banco Central. A intransparência e, por que não dizer, escassa regulação permite que esses recursos aplicados externamente possam retornar legalizados e com contida tributação. A ausência de uma taxação internacional faz prevalecer a sistemática de poderosos e ricos evadirem-se de suas contribuição ao fundo público.
Na sequência, podem ser identificadas diversas modalidades existentes no Brasil que facilitam a evasão fiscal. O contrabando nas fronteiras e o exercício da informalidade consagram funcionalidade à concorrência não-isonômica, ao mesmo tempo em que permitem que riqueza existente deixe de ser tributada. O resultado disso tem sido a concentração da renda e, sobretudo, da riqueza. Também nesse sentido segue inalterado o curso da tributação sobre as grandes fortunas no país, sem qualquer contribuição ao fundo público, devido à ausência de taxação específica conforme verificado nas economias desenvolvidas.
No caso ainda do favorecimento aos privilegiados e poderosos, cabe mencionar a baixa eficácia da tributação direta nas três esferas do federalismo brasileiro. Em relação ao imposto de renda da pessoa física, por exemplo, o Ipea estima que R$ 1 a cada R$ 3 deixa de ser arrecadado, ao passo que segmentos de maior renda podem financiar os seus gastos privados com educação, saúde, previdência e assistência social por meio de abatimentos na declaração anual. Só no financiamento da educação privada, o Estado brasileiro deixou de arrecadar R$ 5 bilhões daqueles que fizeram a declaração anual do Imposto de Renda em 2010.
Por fim, os tributos diretos sobre a propriedade rural (ITR) e urbana (IPTU) seguem inacreditavelmente regressivos, uma vez que sinais exteriores de riqueza concentrada manifestada por latifúndios e mansões em progressão sigam quase imunes à contribuição justa ao fundo público. Além disso, constata-se também que o imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) permanece sem incidir sobre aviões, helicópteros e lanchas.
O adequado enfrentamento da injustiça tributária atual impõe a elevação da eficiência do Estado, seja no formato da arrecadação do fundo público como na sua redistribuição. Isso implicaria abandonar o vergonhoso peso do Estado proporcionalmente maior sobre os segmentos de menor rendimento, que transferem todo o mês praticamente a metade do que recebem por força do esforço do seu trabalho. Já os ricos, que por força de suas propriedades obtêm rendas elevadas, quase nada contribuem com o fundo público no Brasil.


Leia outros textos de Outras Palavras
Pescado  no imperdível Escrevinhador

terça-feira, 6 de setembro de 2011

Ratzinger no Brasil em 2013

Em 2013 o Papa virá ao Brasil. Então, fica a dica para fazermos como espanholas e espanhóis, desenvolver um aplicativo de GPS que nos avise quando estivermos perto do Papa para fugir dele e continuarmos nossa luta por direitos que a Igreja Católica insiste em negar. Os direitos sexuais e reprodutivos são parte integral dos direitos humanos, garantir que as pessoas possam usufruir deles é indispensável para alcançar o bem-estar físico, mental e social. Por isso, é necessário que se respeite o direito das pessoas de decidir de forma livre e responsável sobre questões relacionadas a seus próprios corpos. Veja no vídeo como funciona o APPAPA, um aplicativo para celular que avisa quando você está a 500 metros do Papa, para evitar encontrá-lo e ouvir suas opiniões hipócritas e medievais sobre sexualidade e aborto.



Surrupiado do imperdível Blog ComTexto Livre

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

FHC e Cerra iam dar o Brasil à ALCA. Amorim e Lula não deixaram


Por insistência do Mauricio Dias, responsável pela imperdível seção “Rosa dos Ventos” na Carta Capital, o ansioso blogueiro leu algumas das aulas de Celso Amorim, em “Conversas com jovens diplomatas”, editado pela Benvirá.

Mauricio já chamou a atenção para a mudança que Amorim fez nas prioridades do Itamaraty: passou a tratar embaixadas na África com a prioridade de embaixadas em outros pontos do planeta.

Passou a faxina, digamos assim, em alguns vestígios do Itamaraty colonizado, da época da “Diplomacia da Dependência”.

Por falar em “Diplomacia da Dependência”, recomenda-se a conversa de Amorim de 24 de novembro de 2010, “Da maneira como estava concebida, a ALCA é História”, sobre “O Brasil e a ALCA”, na pág. 499 do livro.

Como se trata de um diplomata e, antes de tudo, um cavalheiro (características que, como sabe o Gilmar Dantas (*), não definem este blogueiro), o grande chanceler Celso Amorim não diz assim, na lata.

Mas, ficou claro para os jovens diplomatas que o Governo Cerra/Fernando Henrique montou a arapuca para o sucessor cair na rede da ALCA, vale dizer, cair na rede do interesse nacional americano.

O Governo do Farol de Alexandria deixou tudo pronto para o Brasil jogar o Mercosul na lata de lixo da História e cair nos braços de Titio Sam.

Qual o “atrativo” para aderir à ALCA, assim, de joelhos ?

Primeiro, explica Amorim, o princípio do “lock in”.

A política econômica e, por extensão, a política externa, ficariam locked, amarradas, presas, in, dentro do interesse nacional americano.

Como diz Amorim: “essas políticas econômicas estariam locked in – quer dizer, estariam congeladas, estabelecidas, gravadas na pedra”.

Mais ou menos como fez o México com o Tratado do Nafta, que assinou com o Canadá e os Estados Unidos no Governo Clinton (muy amigo do FHC).

O México abdicou de uma política econômica autônoma.

Os Estados Unidos caíram no precipício em 2008, o México foi junto e lá permanece – como mostra reportagem da Carta Capital desta semana, na pág. 72.

O outro princípio da “lógica” de Cerra/FHC era obter um “selo de qualidade” – se o Brasil era tão bonzinho que podia ser aceito na ALCA, isso significaria a certificação da “qualidade” de todas as suas ações.

Muitos países da América do Sul se encantaram com a sereia da ALCA.

Especialmente a Argentina do Carlos Menem, o FHC deles.

(Ou que será que o FHC é o nosso Menem ?)

O que tiveram que fazer o Nunca Dantes e o grande chanceler Celso Amorim ?

Primeiro, enfrentar o front interno.

Como se sabe, o Tony Palocci e o Nelson Johnbim conspiraram com o embaixador americano para reverter a política externa do Governo a que serviam.

Especialmente, rever o que chamavam de “anti-americanismo”, como Johnbim qualificou a diplomacia brasileira, na conversinha com o embaixador americano.

(Por falar em conversinha com o embaixador americano, não perca a última do “agente ‘dólar furado’”.)

Depois, foi preciso salvar o Mercosul.

Porque a batalha era tão simples quanto isso: Mercosul x ALCA.

O Brasil ao lado do Mercosul.

Os Estados Unidos (e o Cerra/FHC e o Menem) ao lado da ALCA.

Amorim e Lula insistiam que só tratariam da ALCA se, primeiro, se negociassem os direitos dos produtos agrícolas brasileiros.

E os americanos arrepiaram carreira, porque, pau a pau, a agricultura brasileira fecha a agricultura americana.

(O Amorim, é obvio, não emprega essa linguagem de botequim que caracteriza o ansioso blogueiro, não é isso, Ministro Gilmar ?)

O trabalho de Amorim e Nunca Dantes prosperou.

Aos poucos, o Mercosul se impôs ao interesse dos países da América do Sul.

E perceberam que o lock in era uma fria.

Era, como se vê agora (essa é uma observação minha, PHA), um dos últimos suspiros do Império.

A leitura da aula de Amorim dá nexo a um dos tópicos sinistros da campanha de Cerra em 2010.

Nela, o Padim Pade Cerra anunciou que ia fechar o Mercosul.

O que era a senha para dizer: vou cair nos braços da ALCA.

A propósito, amigo navegante.

Sabe quem trabalhava para a Chevron, aquela empresa petrolífera americana a quem o Cerra ia entregar, segundo o WikiLeaks, o pré-sal ?

A Condoleezza Rice, Secretária de Estado americano.

A Chevron chegou a dar o nome dela a um super-petroleiro.

(A Rice está para a Chevron assim como a Luiza Erundina para a Petrobrás, já que deu o nome a uma plataforma da Petrobrás.)

Pois é a essa turma que o Cerra e o FHC iam entregar o Brasil, amigo navegante.

E ainda querem …

Em tempo: cabe lembrar, amigo navegante, daquele vídeo que vai entrar para a História do Brasil: Clinton espinafra FHC em público e FHC não defende o Brasil nem a si próprio.

Não fosse o PiG (**), esses tucanos não passavam de Resende.


Paulo Henrique Amorim

Leia mais no Conversa Afiada

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Como o sistema financeiro mundial criou a dívida


O colapso econômico é iminente. Os países mais industrializados do mundo enfrentam uma grande crise da dívida provocada pela crise do crédito de 2008, após a crise das hipotecas imobiliárias e a queda do Lehman Brothers. Estas crises originadas por um colapso do crédito costumam ser muito mais prolongadas e profundas que as crises desencadeadas por um surto inflacionário. Grande parte do mundo enfrenta este tsunami da dívida à beira da bancarrota, como acontece com Grécia, Irlanda e Portugal. No entanto, podemos falar de bancarrota quando estes países possuem enormes riquezas em capital humano e recursos produtivos? De acordo com o atual sistema financeiro, sim. E é por isso que os serviços públicos estão sendo cortados e os bens públicos privatizados.

Ao contrário da crença popular, o dinheiro que circula pelo mundo não é criado pelos governos, mas sim pela banca privada em forma de empréstimos, que são a origem da dívida. Este sistema privado de criação de dinheiro tornou-se tão poderoso nos últimos dois séculos que passou a dominar os governos em nível mundial. No entanto, este sistema contém em si próprio a semente da sua destruição e é o que estamos a experimentar na crise atual: a destruição do sistema financeiro que temos conhecido, dado que não tem nenhum tipo de saída pelas vias convencionais. Dados os seus níveis colossais, trata-se de uma dívida impagável.

Para compreender isto, há que referir que o sistema financeiro tem funcionado sempre como um gigantesco esquema ponzi, onde os novos devedores permitem manter a velocidade do crédito. Se se produz um colapso dos novos devedores, o sistema fica sem a opção de conceder mais crédito e, à medida que esta opção se cristaliza com o tempo, o sistema inteiro entra em colapso e requer injeções de liquidez na esperança de que os fluxos voltem à normalidade. A habituação do dna coletivo à dependência do crédito produziu este retorno à normalidade durante várias décadas. Mas até o dna acusa fadiga e nesta co-dependência ao crédito recorda os sintomas da escravatura: é a escravatura da dívida.

A criação de dinheiro através do sistema de reserva fracionada
Os bancos centrais são os responsáveis pela oferta monetária primária, ou base monetária, conhecida também como dinheiro de alto poder expansivo. Este dinheiro de alto poder expansivo é o que chega aos bancos privados, que são quem o reproduz pela via do crédito. A reprodução do dinheiro original depende da taxa de encaixe, ou reservas mínimas requeridas, que produz o efeito inverso: quanto menor é a exigência de reservas, maior é a quantidade de dinheiro que a banca privada cria. Isto conhece-se como o multiplicador monetário e a sua fórmula, muito simples, é m=1/r, onde m é o multiplicador monetário e r o nível de reservas exigidas em percentagem.

Deste modo, perante um nível de reservas de 50% (r=0,5 na equação), o multiplicador monetário é 2, como era nas origens da banca inglesa no ano de 1630. Se o nível de reservas é de 20%, o multiplicador monetário é 5 e se as reservas exigidas são de 10%, o multiplicador é 10 (m=1/0,1), o que indica que está a multiplicar-se dez vezes a quantidade de dinheiro real oferecida pelo banco central.

Grande parte da desregulamentação financeira promovida desde os anos 80 consistiu em dar aos bancos a maior das liberdades para o montante das suas reservas. Deste modo, a clássica norma de reservas em torno de 10% ou 20% foi reduzida a níveis de 1%, e mesmo inferiores, como aconteceu com Citigroup, Goldman Sach. JP Morgan e Bank of America, que, nos momentos mais sérios, afirmavam ter uma taxa de encaixe de 0,5%, com o qual o multiplicador (m=1/0,005) permitia criar 200 milhões de dólares com um só milhão em depósito. E no período da bolha, as reservas chegaram a ser inferiores a 0,001%, o que indica que por cada milhão de dólares em depósito real, se criavam 1.000 milhões do nada.

Esta foi a galinha dos ovos de ouro para a banca. Uma galinha que era de todas as formas insustentável e que foi assassinada pela própria cobiça dos banqueiros que se aproximaram do crescimento exponencial do dinheiro até que este entrou em colapso, demonstrando que toda a ficção se asfixia na conjectura e nada é senão o que é. A solução que os bancos centrais ofereciam era muito simples: mal havia um aumento da inflação, elevavam a taxa de juro para assim encarecerem o crédito e bloquearem os potenciais novos empréstimos (cortando, desta forma, potenciais novos empréstimos) e incentivando, a taxas mais altas, o “aforro” seguro dos prestamistas.

Entende-se agora o abismo em que estamos e por que razão governos e bancos centrais correm a tapar esses enormes buracos que o dinheiro falsamente criado deixou? Entende-se por que razão a Fed e o BCE correm a resgatar o lixo dos ativos tóxicos criado neste tipo de operações? Se ainda há dúvidas, deixo aqui este vídeo (ver acima) que pode ajudar a compreender parte importante deste fenômeno. Este documento foi realizado em 2006 e contém sérias advertências que não foram ouvidas nem pelos governos nem pelas pessoas. Por algo será.

(*) Artigo publicado em El Blog Salmón, traduzido por Ana Bárbara Pedrosa para esquerda.net

Extraido do site da Carta Maior