sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A opinião pública como gado


O documentado condomínio entre o PSDB, cartéis e a prática sistêmica de sobrepreço nas licitações do metrô paulista era do conhecimento da mídia desde 2009.

A régua seletiva da emissão conservadora vive mais uma quadra de exibição pedagógica.

Vísceras, troncos e membros do grupo proprietário do Hotel Saint Peter, em Brasília, no qual trabalhará o ex-ministro José Dirceu, por apreciáveis R$ 20 mil, diga-se – se fossem R$ 5 mil ou R$ 10 mil as suspeitas seriam menores?-- estão sendo trazidos a público em cortes sugestivos.

Chegam desossados e moídos.

Salgados e pré-cozidos, basta engolir, sendo facilmente digeríveis em sua linearidade.

Sem guarnição, recomenda o chef.

Assim costuma ser, em geral, com as informações que formam o cardápio de fatos ou acusações relacionados ao PT.

Uma farofa seca de areia com arame farpado.

E assim será com o exercício do regime semiaberto facultado ao ex-ministro.

A lente da suspeição equivale desde já a um segundo julgamento.

Com as mesmas características do primeiro.

Recorde-se o jornalismo associado ao crime organizado que não hesitou em invadir o quarto de hotel do ex-ministro, em Brasília, para instalar aparelhos de escuta, espionar gente e conversas no afã de adicionar chibatadas ao pelourinho da AP 470.

O cenário esquadrejado em menos de uma semana –o emprego foi contratado na última 6ª feira— diz que não será diferente agora.

O dono do hotel é filiado a partido da base do governo (PTN), revela a Folha. Tem negócios na área da comunicação. Uma de suas emissoras, a Top TV, com sede em Francisco Morato (SP), conquistou recentemente o direito de transferir a antena para a Avenida Paulista.

Suspeita.

A Anatel informa que não, a licença foi antecedida de audiência pública. Sim, mas a Folha desta 5ª feira argui tecnicalidades, cogita riscos de interferência em outros canais etc

Não só.

Dono também de rádios, o empregador de Dirceu operou irregularmente uma antena instalada em terraço do Saint Peter, diz o jornal ainda sem mencionar o andar.

Deve ser o 13º.

A mesma Folha investiga ainda encontros do empresário --membro de partido da base aliada-- com o ministro Paulo Bernardo. Da Comunicação. A esposa do ministro é pré-candidata ao governo do Paraná..

Vai por aí a coisa.

Alguém com o domínio de suas faculdades mentais imaginaria que o ex-ministro José Dirceu, um talismã eleitoral lixiviado há mais de cinco anos no cinzel conservador, obteria um emprego em qualquer latitude do planeta sem a ajuda de aliados ou amigos?

O ponto a reter é outro.

Avulta dessa blitzkrieg uma desconcertante contrapartida de omissão: quando se trata de cercar pratos compostos de personagens e enredos até mais explosivos, extração diversa, impera a inapetência investigativa.

O braço financeiro da confiança de José Serra, Mauro Ricardo, seria um desses casos de inconcebível omissão se as suas credenciais circulassem na órbita do PT?

A isso se denomina jornalismo de rabo preso com o leitor?

Tido como personalidade arestosa, algo soberba, Mauro Ricardo reúne predicados e rastros que o credenciariam a ser um ‘prato cheio’ do jornalismo investigativo.

O economista acompanha Serra desde quando o tucano foi ministro do Planejamento (1995/96); seguiu-o na pasta da Saúde (1998/2002), sendo seu homem na Funasa, de cujos funcionários demitidos Serra ganharia então o sonoro apelido de ‘Presidengue’, na desastrosa derrota presidencial de 2002.

Nem por isso Mauro Ricardo perdeu a confiança do chefe, sendo requisitado por Serra quando este assumiu a prefeitura de São Paulo, em 2004/2006, ademais de acompanha-lo, a seguir, no governo do Estado.

Quando o tucano foi derrotado pela 2ª vez nas eleições presidenciais de 2010, Mauro Ricardo voltou ao controle do caixa da prefeitura, sob a gestão Kassab.

Esse, o trajeto da caneta que mandou arquivar as investigações contra aquilo que se revelaria depois a maior lambança da história da administração pública brasileira: o desvio de R$ 500 milhões do ISS de São Paulo, drenados ao longo do ciclo Serra/Kassab por uma máfia de fiscais sob a jurisdição de Mauro Ricardo.

O que mais se sabe sobre esse centurião?

Muito pouco.

Seus vínculos, eventuais negócios ou sócios, círculos de relacionamento e histórias da parceria carnal com o candidato de estimação da mídia conservadora nunca mobilizaram esforço investigativo equivalente ao requisitado na descoberta de uma antena irregular num terraço do Hotel Saint Peter, em Brasília.

Evidencia-se a régua seletiva.

Que faculta ao tucano Aécio –e assemelhados- exercitar xiliques de indignação ante as evidências de uma fusão estrutural entre o tucanato de SP, cartéis multinacionais e a prática sistêmica de sobrepreço nas compras do metrô paulista - desde o governo Covas.

Dados minuciosos do longevo, profícuo matrimônio, são conhecidos e circulam nos bastidores da mídia, de forma documentada, desde 2009.

Quem confessa é o jornal Folha de SP desta 5ª feira.

Repita-se, o repórter Mario Cesar Carvalho admite, na página 11, da edição de 28/11/2003 do jornal, que se sabia desde 2009 da denúncia liberada agora pelo ‘Estadão’ –cujo limbo financeiro pode explicar a tentativa de expandir o universo leitor com algum farelo de isenção.

Por que em 2009 esse paiol não mereceu um empenho investigativo ao menos equivalente ao que se destina aos futuros empregadores de José Dirceu?

O calendário político da Folha responde.

Em 2010 havia eleições presidenciais; o jornal preferiu investir na ficha falsa da Dilma a seguir os trilhos do caixa 2 tucano em SP.

No seu conjunto, a mídia tocava o concerto do ‘mensalão petista’. Dissonâncias não eram, nem são bem-vindas.

Transita-se, portanto, em algo além do simples desequilíbrio editorial.

Temas ou versões conflitantes com a demonização petista mereceram, ao longo de todos esses anos, o destino que lhes reserva a prática dos elegantes manuais de redação: ouvir o outro lado, sem nunca permitir que erga a cabeça acima da linha da irrelevância.

Assim foi, assim é.

Só agora – picados e salgados os alvos em praça pública-- o pressuroso STF lembrou-se de acionar o Banco do Brasil para cobrar o suposto assalto aos ‘cofres públicos’ da AP 470.

Pedra angular das toneladas de saliva com as quais se untou os autos do maior julgamento-palanque da história brasileira, só agora, encerrado o banquete, cogita-se do prato principal de R$ 70 milhões esquecido na cozinha?

O esquecimento serviu a uma lógica.

Até segunda ordem, perícia rigorosa providenciada pelo BB ofereceu uma radiografia minuciosa de recibos e provas materiais dando conta do uso efetivo do dinheiro nas finalidades de patrocínio e publicidade contratadas.

O documento capaz de trincar a abóboda da grande narrativa conservadora, nunca mereceu espaço à altura de seus decibéis no libreto dominante.

Ao mesmo tempo, o que a Folha admite agora, como se isso mitigasse o escândalo do metrô (‘Papéis que acusam o PSDB circulam há mais de quatro anos’) corrobora a percepção de que estamos diante de uma linha de coerência superlativa.

Ela traz a marca de ferro do que de pior pode ostentar quem se evoca a prerrogativa da informação isenta.

‘Cumplicidade’ diz o baixo relevo inscrito nas páginas e na pele daqueles que ironicamente, destinaram à opinião pública, durante todos estes anos, o livre discernimento que se dispensa ao gado na seringa do abate.

Por Saul Leblon, Editorial

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A lista de privilégios dos petistas presos



A começar, a prisão foi decretada em uma data toda especial. A última vez que tanta gente foi presa em um 15 de novembro foi em 1889.

É grande e escandalosa a lista de privilégios a que José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares estão usufruindo em sua estada no Planalto Central.

A começar, a prisão foi decretada em uma data toda especial. A última vez que tanta gente foi presa em um 15 de novembro foi na própria Proclamação, em 1889. Os presidiários eram, em sua maioria, da Família Real, os Orleans e Bragança. Ou seja, a data não é para qualquer um.

Eles (os petistas, não os Orleans e Bragança) tiveram o privilégio de serem presosantes do fim do processo, o que também não é pra qualquer um.

Os três, como poucos, foram presos sem a expedição da carta de sentença, o que constitui uma ilegalidade.

A lei determina que o preso deve cumprir a pena em seu estado de origem, a não ser excepcional e justificadamente. Mas eles tiveram o privilégio de serem levados a Brasília, de jatinho, por ordem não de um juiz qualquer, mas de Sua Excelência Excelsa e Magnânima, o presidente do Supremo. A falta de um motivo declarado para essa operação espetaculosa gerou a estranheza de ministros do próprio STF, tamanho o... privilégio.

Condenados ao regime semiaberto, foram levados a um privilegiado estabelecimento prisional de regime fechado.

O fato provocou a hesitação do diretor do Complexo Penitenciário da Papuda em recebê-los. O impasse garantiu aos condenados o privilégio de ficarem mais de quatro horas dentro de um ônibus, aguardando uma decisão.

Para abreviar a demora e poupá-los do cansaço, eles tiveram o privilégio de passar o final de semana naquele mesmo aprazível estabelecimento, contrariando o regime semiaberto. Uma comentarista de TV, sem ruborizar, externou sua opinião de que isso não poderia ser considerado prisão, e sim “custódia”. Valeu pela tentativa.

Juristas como Dalmo Dallari, Hélio Bicudo, Ives Gandra Martins e Reginaldo Oscar de Castro consideram que a situação a que José Genoíno foi submetido fere as leis brasileiras e é uma clara violação aos tratados internacionais. Realmente, não é qualquer um que tem o privilégio de ter juristas desse naipe preocupados com suas condições. Não importa quais sejam as condições; o que vale é o privilégio de receber tais comentários.

Segundo o Instituto Médico Legal, Genoíno precisa de "cuidados específicos medicamentosos e gerais, controle periódico por exames de sangue, dieta hipossódica, hipograxa e adequada aos medicamentos utilizados, bem como avaliação médica cardiológica especializada regular". Por fazer uso regular de anticoagulante oral, deve ser submetido a exames de sangue periódicos para verificar sua coagulação sanguínea. É mesmo muita mordomia. Estão querendo fazer o Estado de babá.

Mas o cúmulo do privilégio quem teve não foi nenhum dos presos, e sim o senhor Henrique Pizzolatto, que garantiu o requinte de ter sua situação relatada pela comentarista de assuntos da Santa Sé, Ilze Scamparini. Graças a ela, veio a revelação de que a pronúncia correta dos zês de Pizzolato é a mesma da palavra pizza (tipo “pitzolato”). A primeira matéria foi feita pela repórter tendo justamente uma “pizzeria” ao fundo. De quem terá sido a tão sofisticada ideia? De todo modo, pelo didatismo, “grazie”!

Antonio Lassance na Carta Maior

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O contrato antissocial


Antes da crise, em 2007, A Espanha era superavitária em 1,9%. O Brasil tem hoje um resultado fiscal semelhante ao da Espanha então.
por: Saul Leblon



Deve haver algo de profundamente errado com um sistema tributário em que a perspectiva de pagar um piso salarial de modestos R$ 1.860 reais ao magistério, em 2014, dispara as sirenes do colapso sistêmico nas prefeituras e governos estaduais.
Pelo menos é o que diz o colunismo especializado na pauta: ‘de amanhã Brasil não passa’.

O estranho torna-se paradoxal quando se verifica que o mesmo jogral que cobra educação de qualidade, incita ao arrocho e buzina por cortes de impostos o que, em última instancia, rebateria em uma redução estrutural nas transferências municipais.

O descasamento entre uma fórmula de reajuste do magistério que embute ganhos reais e a evolução nominal das receitas explica, em parte, a tensão nas contas locais.

Mas nada disso dissipa a incoerência do objeto de desejo oferecido pelos pré-candidatos do conservadorismo para 2014.
Nas tertúlias com o dinheiro grosso, eles acenam a miragem de um Brasil com produtividade chinesa, civilidade suíça, superávit ‘cheio’ e receita fiscal correspondente a de Burkina Faso, onde o índice de alfabetização não ameaça a barreira dos 25%.

Ademais, a crítica fiscal que anda de mãos dadas com o boicote à constituinte da reforma política, como é o caso, deve ser encarado no mínimo como esperta.

Preservar um sistema arredio à formação das maiorias políticas dá as elites a salvaguarda institucional contra as reformas progressistas e progressivas que o país reclama.

A tributária entre elas.

Sem ampliar a base tributável sobra o quê?

A purga da austeridade; o confinamento da pauta do equilíbrio no campo do arrocho.

Em tese, o sistema tributário deveria ser o oposto disso.

Uma espécie de caixa de compensação do capitalismo, caberia a ele alimentar os fundos públicos com os recursos necessários à equalização das ditas oportunidades republicanas.

O que se depreende do discurso eleitoral do conservadorismo, no entanto, é o propósito de estreitar ainda mais a margem de manobra do Brasil nessa frente.

O modelo só roda na cabeça de quem acredita nas virtudes do Estado mínimo e na eficiência dos mercados autorreguláveis.

Sendo mais complexa que isso, como é, a sociedade trava.

E esse ‘deu pau’ é um acontecimento recorrente na história da América Latina.

A incapacidade dos Estados nacionais realizarem a transferência líquida de fatias da riqueza das elites para os mencionados fundos públicos está na origem desses colapsos.

Eles se transformam em ruptura política, quando a essa rigidez interna se superpõe uma transição desfavorável de ciclo econômico internacional.

A margem de manobra recente, assegurada pela alta liquidez global, está prestes a se esgotar.

Qual será a direção da nova ruptura?

A julgar pela fragilidade fiscal predominante na região não deveria haver dúvida.

A carga tributária média na América Latina e Caribe é inferior a 20% do PIB.

A da União Européia atinge 40%; no Brasil está em torno de 37%.

Não só.

Mais de 50% da arrecadação regional é baseada em impostos indiretos, pagos de forma linear por toda população, com efeito redistributivo nulo ou regressivo.

Na União Europeia, acontece o oposto: mais de 40% da arrecadação provêm de impostos diretos; os 60% restantes dividem-se em fontes indiretas e contribuições à segurança social.

Um país como o Brasil, com 200 milhões de habitantes e enormes carências estruturais, não poderia se contentar com uma carga equivalente a de sociedades dotadas de infraestrutura já madura.

O sistema brasileiro, no entanto, destaca-se pelo pior: é um paradigma da regressividade desaconselhada por qualquer compendio fiscal.

Enquanto o imposto sobre o consumo representa aqui mais de 15% do total arrecadado, a taxação sobre o lucro líquido é dez vezes menor: não chega a 1,5% da receita.

A blindagem em torno dessa matriz benevolente com o capital é, todavia, irredutível.

Por exemplo: o Brasil é um das maiores exportadores de minérios do mundo.

Mas os royalties pagos por toda a indústria mineral brasileira no ano passado somaram minguados R$ 2 bilhões.

O governo quer dobrar a alíquota que passaria de 2% sobre o lucro líquido para 4% sobre o valor bruto.

Ainda assim, algo modesto diante do padrão mundial.

Mas não obtém maioria para ser aprovado no legislativo.

E não se trata de um ponto fora da curva.

O prefeito Fernando Haddad reforçou a progressividade na coleta do IPTU em São Paulo.

O PSDB acaba de entrar na Justiça com uma ação direta de inconstitucionalidade contra o que caracteriza como sendo um imposto ‘de caráter confiscatório’.

Regressividade é isso.

Uma engrenagem política e fiscal feita para recolher proporcionalmente mais dos pobres e proteger os ricos.

Esse contrato antissocial contamina todo o tecido econômico brasileiro, mas os presidenciáveis de estimação do conservadorismo ainda acham pouco.

Quando Marina Silva se confessa a nova namoradinha do tripé, o que ela está dizendo?

Está se oferecendo para lubrificar a natureza antissocial do contrato, devolvendo ainda mais, em espécie, aos endinheirados.

‘Superávit fiscal cheio’ é o nome da mensagem cifrada, vendida como sinônimo de prudência ao eleitor leigo.

Na real, trata-se de um reforço na regressividade fiscal brasileira.

Ela já remete o equivalente a 5,7% do PIB de volta aos cofres da plutocracia, na forma de juros da dívida pública pagos anualmente.

Uma subversão do princípio da solidariedade fiscal pela primazia rentista.

Na educação o Brasil investe menos que isso: 5,3% do PIB; na saúde, 3,9%; em transporte, 1,2%, em políticas assistenciais; 1,8%; em investimentos de infraestrutura, 1% (governo federal).

Quando o jogral que nunca desafina fala em reduzir impostos e cortar ‘a gastança’, o que se preconiza é alargar e não reduzir esse hiato.

Ou seja, injetar vapor na caldeira da supremacia rentista.
Sem espaço político para taxar endinheirados e o seu patrimônio, governos são compelidos cada vez mais a compensar a anemia tributária com endividamento público.

Emprestam e pagam juros por aquilo que deveriam arrecadar. As consequências explodem em exemplos pedagógicos. Caso recente, a Espanha.

Depois de dois anos e seis milhões de desempregados de uma política ortodoxa devastadora, o déficit fiscal do país está em 7,1% do PIB.

Antes da crise, em 2007, o Estado espanhol era superavitário em 1,9% .

O Brasil tem hoje um resultado fiscal semelhante ao da Espanha pré-crise.

Mas o conservadorismo diz que é a bancarrota e quer que o país adote a política econômica que levou a Espanha a um déficit de 7% do PIB.

Por quê?

Bem, hoje, a banca e os rentistas tem o governo espanhol na palma das mãos.

Agora é emprestar e vigiar. Talvez seja esse o objetivo do terrorismo editorial que coloca na boca das agências de risco ameaças que nem elas consideram pertinentes ao Brasil.

O programa acenado nos salões elegantes por Marina, Campos, Aécio e assemelhados é reforçar esse panóptico que vigia os cofres da União, para evitar fugas que comprometam a ‘meta cheia do primário’.

Não importa que os ‘desvios’ destinem-se a financiar desonerações contracíclicas.

Só este ano, o Estado renunciou a R$ 64 bi em impostos para preservar o consumo e o investimento no ambiente pantanoso da crise mundial.

Nada disso conta.
A agenda fiscal brasileira foi sequestrada pelo rentismo. Há muito tempo. Essa captura constrange e restringe o espaço de debate do passo seguinte do desenvolvimento.

A equação fiscal condensa uma correlação de forças, que hoje reflete a supremacia das finanças desreguladas em escala planetária.

Inverter o jogo não se resume, assim, a inverter valores nas rubricas de receita/despesa.

Está em jogo a capacidade da frente progressista brasileira de reunir força e consentimento para contrapor ao projeto conservador um novo contrato social de desenvolvimento.
Não é fácil. Mas é para isso que serve eleição. É para isso deveriam servir as campanhas eleitorais. 

Editorial da Carta Maior

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O julgamento da AP 470 e o "novo" Estado de repressão






Chicana não, ministro; chiqueiro. Controle da ordem não, ministro; repressão fascista.

No judiciário, no legislativo, e no executivo, o mundo observa julgamentos, criação de leis, e ações de estado que causam espanto a um mundo que optou pelo liberalismo e democracia.
O judiciário brasileiro foi transformado pelos seus próprios ministros em pocilga principalmente neste julgamento chamado de mensalão, e rinha de exaltados galos de briga, quando com a clava na mão em cada sessão o senhor presidente do STF tenta intimidar os seus colegas.

Na academia já se considera o que está acontecendo como o “julgamento exemplar” sobre o que não deve fazer um juiz ao apreciar as provas, flexibilizar a interpretação de leis, doutrina e decisões usuais, e adequar a fixação da pena ao clamor popular.

Apenas onze juízes conseguiram transformar o julgamento em balaio de gatos, onde não conseguem se entender sequer sobre conceitos primários, e alguns ainda pretendem dar ao STF um ar de rinha de galos de briga.

O que vem ocorrendo demonstra a animosidade entre os seus membros, a falta de seriedade de um colendo tribunal e o desrespeito às leis, doutrina e jurisprudência.

Como diz o jurista Pedro Serrano prevendo o que poderia acontecer no dia de ontem:

“Caso aceito por nossa Corte o pedido, a nosso ver, estará se deixando de observar um dos mais relevantes preceitos do Estado de Direito e da vida civilizada, o de que só se cumpra a decisão condenatória após o seu trânsito em julgado, ou seja, após o julgamento do último recurso adequado.

Tal decisão, por maior respaldo que conte da maioria social, estará contrariando princípios constitucionais da maior importância bem como normas internacionais, protetivas dos direitos humanos.”

Esse julgamento demonstra o Estado virando a sua mão forte contra o cidadão, ferindo o que de mais basilar se espera de uma sociedade chamada liberal e colocando em risco a própria democracia no seu sentido de equilíbrio e igualdade.

É a volta do chamado Estado leviatã, anti-cidadão, arbitrário e casuístico.

Tal constatação se dá nos emblemáticos casos da bisbilhotagem internacional, no aumento da repressão das polícias pelo mundo exemplificadas nas manifestações e a criação de leis draconianas para a repressão de qualquer situação que confronte ou mesmo que apenas questione os atos ou omissões dos governantes.

É a falência dos Estados que ao não atenderem e responderem satisfatoriamente aos anseios democráticos que foram prometidos e não cumpridos partem para o confronto com a própria sociedade para a volta de uma "ordem" imposta, historicamente conhecida em regimes totalitários.

Sobre esta nova forma de relação entre Estado e cidadão, Nilo Batista, em recente e lúcida entrevista aborda, com maestria, esse quadro que beira a paranoia em que se aposta na repressão, ao invés de naturais canais democráticos de diálogo.

Imperdível:


segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Energia, desenvolvimento e sustentabilidade








* Adão Villaverde

A energia em toda sua amplitude tem uma forte relação com a capacidade e a visão de desenvolvimento de um país. No Brasil, a energia tem sido pauta central do governo federal, prioritariamente a partir de 2003 quando se estabelece um novo modelo de negociação da energia gerada.

É sobre esta nova égide do pensamento e planejamento futuro que devemos nos debruçar para refletir sobre a complexidade do tema e do significado deste novo paradigma.

A sinalização deste “novo modelo” ficou clara quando, em 2004, o Governo Lula faz a opção de vender a energia pela menor tarifa. Sepultam-se aí os ágios que empresas do setor pagavam pela energia e se capitalizavam através de tarifas que excediam as próprias regras do mercado.

O “novo modelo” é sustentado por importantes decisões de governo, que passam pela universalização do acesso à energia e ao subsidio para as camadas de mais baixa renda da população brasileira. Este já é um dos maiores programas de inclusão implantados no Brasil, que foi batizado “Luz Para Todos”.

O BNDES tem papel fundamental nesta transição para o novo modelo, pois passou a financiar a expansão do setor elétrico, deixando de ser avalista das privatizações que ocorreram no sistema Telebrás, sendo um instrumento de indução do desenvolvimento.Esta mudança de conceito no BNDES permitiu fortes investimentos no setor, conferindo-lhe robustez nas linhas de transmissão de energia, amplificadas ainda por investimentos dos governos Federal e Estadual a exemplo do que ocorreu no Rio Grande do Sul em 2001, que livrou o povo gaúcho do “Apagão”, sofrido pelo resto do país. Aliás, nunca mais houve “Apagões”, nem no Rio Grande e tampouco no Brasil. Destaque-se que o último investimento de porte na CEEE data do governo Olívio Dutra no ano 2000 e retomados agora com Tarso Genro.

Faz-se imperativo resgistrar ainda, a criação da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), que permite ao Governo Federal e todo o setor elétrico, fazer pesquisa e planejamento de longo prazo no Sistema Elétrico Nacional.

Neste cronograma e depois de várias discussões, lutas e mobilizações, no final de 2012 veio o “Novo Marco Regulatório” para o Setor Elétrico, proposta que antecipou a renovação das concessões deste serviço público na área de Geração e Transmissão de energia elétrica. Esta alocação será feita sob o regime de cotas da energia oriunda das usinas renovadas, em que pese o custo para empresas públicas do setor elétrico. Esta medida permitiu que a tarifa na conta do consumidor fosse reduzida em média 20%. Entretanto, destaco como de suma importância e vital para a sanidade do setor, a separação das áreas de Geração/Transmissão da área de Distribuição da energia, visto que proíbe a mesma empresa que gera e transmite fazer a distribuição. É a lógica da moralidade e seriedade do setor. Lembrando que os leilões ou renovações do setor de Distribuição de energia ocorrem até o final deste ano de 2013 e que as renovações antecipadas no ano passado terão vigência até o ano de 2043.

Obviamente que nem tudo está resolvido. Os desafios serão uma constante diante do projeto de país em contínuo desenvolvimento, como é o Brasil hoje, pujante e vigoroso. Estes desafios transitam pelo necessário planejamento de longo prazo que é contemplado pela EPE (Empresa de Pesquisa Energética), por contínuos investimentos na Geração, Transmissão e obviamente pela distribuição da energia.

Temos ainda a importante fonte de geração de energia oriunda do carvão mineral, que apesar de polêmica, é riqueza existente que o Brasil e o Rio Grande detêm. Para tanto, faz-se necessário incluir as novas tecnologias de eliminação do enxofre, níquel e outros metais, o que significa que não podemos nos furtar deste debate. Ele é imperioso, necessário e inadiável. Devemos tratar este tema com o rigor, a responsabilidade e visão estratégica, sempre lembrando que as grandes potências mundiais têm no carvão uma componente importante da sua matriz geradora de energia.

De outro lado, vale ressaltar, não apenas da geração de energia na forma tradicional. Some-se a isso os investimentos feitos em energias de biomassa e eólica, de caráter limpo. Nesta última por exemplo, vem se colocando cada vez de forma mais atrativa e com custos menores de geração e transmissão. No RS por exemplo, está em construção a “Free Way” dos ventos, uma super linha de Transmissão com mais de 500 km de extensão e investimento de quase R$ 700 milhões que estará pronta em agosto de 2014, linha que vai da região metropolitana de Porto Alegre ao extremo sul do Estado.

Pensemos numa visão visão estratégica de energia para o desenvolvimento, sejamos vigilantes e planejadores dela. Fundamentalmente porque o Brasil é uma potência mundial que deve optar por um modelo economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente sustentável.

*Adão Villaverde é professor, engenheiro e deputado estadual PT/RS.

domingo, 10 de novembro de 2013

2008: o ano que a mídia esqueceu


Quando a tempestade neoliberal despencou, em 2007/2008, o Brasil resistiu ao naufrágio com boias que exigiram gastos fiscais da ordem de R$ 400 bilhões.

por: Saul Leblon 




As notícias contraditórias que chegam dos EUA, em recuperação, e da Europa, sob a ameaça de uma deflação que obrigou o BC a derrubar o juro na sua mínima histórica, evidenciam a profundidade de uma desordem financeira que não cederá tão cedo, nem tão facilmente.

A consciência dessa longa travessia é um dado fundamental para a ação política em nosso tempo.

É imprescindível abrir o olhar ao horizonte mais largo das determinações ofuscadas pelo alarido imediatista da mídia conservadora.

A agenda do arrocho fiscal e monetário bate seu bumbo outra vez.

Com objetivos explícitos e implícitos.

De um lado, determinar a natureza das respostas à dura transição de ciclo de desenvolvimento vivida pelo país.

De outro, encurralar a sucessão de 2014 em um ambiente contaminado pela represália iminente das agências de risco e dos investidores à ‘derrocada fiscal’.

É o palanque pronto para aqueles que prometem fazer mais e melhor, restaurando o ‘tripé’, recita a cristã-nova do apocalipse, Marina Silva.

Mudam as moscas. Resgata-se o enredo de 2002.

Nesta 6ª feira, na Folha, colunistas já apregoam a necessidade de se voltar aos bons preceitos da Carta aos Brasileiros, bem como aos mandamentos do Consenso de Washington.

‘Não é que não deu certo; não foi bem aplicado’.

Tudo se passa como se setembro de 2008 nunca tivesse existido no calendário do país e do planeta.

O movimento de expansão do capital financeiro, cuja supremacia determina a dinâmica da economia em nosso tempo, e o faz com a imposição de dramáticos constrangimentos à soberania das nações e às escolhas do desenvolvimento, antecede e explica a crise que o conservadorismo apagou.

Não há economicismo nessa constatação.

A política contribuiu de maneira inestimável para o modo como essa lógica se impôs, a velocidade com que ela se consolidou, a virulência de sua hegemonia e a agonia sem data para terminar de seu poder prevalecente.

A espoleta da maior crise do capitalismo desde 1929 foi o recuo desastroso do controle da Democracia sobre o poder do Dinheiro.

Seu vetor: o desmonte das travas regulatórias impostas ao sistema financeiro no pós-guerra.

De novo: a regressão não foi obra do acaso.

Recuos e derrotas acumulados pela esquerda mundial desde os anos 70, sobretudo a colonização de seu arcabouço pelos interditos neoliberais, alargaram os vertedouros ao espraiamento de uma dominância financeira que se tornou ubíqua em todas as esferas da vida.

A queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989, sancionou-a no imaginário social como uma segunda natureza.

Era o fim da história, diziam os áulicos.

Não era, mostrou setembro de 2008.

Mas a sociedade que cedeu a soberania ao suposto poder autorregulador dos mercados comprometera fortemente a sua capacidade política de gerar antídotos ao algoz.

A atrofia ideológica dos partidos progressistas, por exemplo.

Com ela corroeu-se a principal fonte de restauração do interesse público sobre a supremacia do dinheiro.

A combustão não foi espontânea.

Um jornalismo rudimentar no conteúdo, ressalvadas as exceções de praxe, mas agressivo na abordagem, capturou o discernimento histórico com uma camada de verniz naval de legitimidade incontrastável.

Durou décadas.

Deformou toda uma geração de jornalistas e de lideranças políticas.

Irradiou descrédito e desinteresse na política e no debate do desenvolvimento.

A economia tornou-se um templo sagrado, dotado de leis próprias, revestido de esférica coerência endógena, avesso ao ruído das ruas, das urnas e das aspirações por cidadania plena.

Alguma dúvida sobre o ventre de origem da revolta black bloc?

A crise mundial açoitou impiedosamente a sabedoria excretada nessa endogamia religiosa entre o circuito do dinheiro especulativo e o noticiário conservador.
Para dizê-lo de forma educada, a pauta dos mercados autorregulados revelou-se uma fraude.

Gigantesca.

Seus pressupostos, os valores por ela veiculados adernam junto com o seu objeto há cinco anos.

Muito pouco, todavia, seria colocado em seu lugar.

Persiste na democracia um vácuo de representação e escrutínio que renova ao mercado a prerrogativa de pautar o país.

É imperioso resgatar as folhas arrancadas do calendário.

Em setembro de 2008, após um ciclo de fastígio da liquidez e do financiamento barato, a ponto de sancionar os famosos créditos ninjas, que bancavam aquisições de imóveis para cidadãos sem renda, sem emprego e sem garantias, deu-se o sabido.

O dominó começou a quebrar pelas sub-primes, lastreadas na evanescente solvibilidade dos mencionados ninjas.

Graças à sofisticação atingida pela engenharia rentista, esse estoque tóxico fora fatiado e reempacotado em ‘produtos financeiros’ negociados em escala global.

O artifício destinado a ‘diluir os riscos’ acentuaria a sua natureza sistêmica, transformando-se em um dos canais de irradiação da crise que alcançaria todas as praças do mundo.

Inclusive essa que no presente momento está sob o ataque das manchetes terminais da atilada mídia conservadora.

Disposta a tudo para acuar o governo, ela fustiga o demônio do descontrole fiscal para obriga-lo a aceitar a talagada do veneno que há cinco anos entubou o mundo na UTI gastrofinanceira.

Os bons modos corporativos desaconselham.

Mas é forçoso dizê-lo nos dias que correm.

Aqueles que hoje ministram extrema-unção diária ao país --‘se não for hoje, de amanhã o Brasil não passa’-- são os mesmos sacerdotes da santa inquisição neoliberal que, durante décadas, transformaram o jornalismo econômico numa obsequiosa prestação de serviço ao dinheiro graúdo.

Vigiar e punir quem ousasse afrontar os interesses dos mercados financeiros e das agências de risco internacionais era ( é ) a sua pauta de estimação.

Para isso são regiamente retribuídos.

E fazem jus ao diferencial.


O primeiro impulso do jogral midiático quando a tempestade se instaurou, em 2007/2008, foi instar o Brasil a aderir ao afogamento coletivo. 

De preferencia com os pés amarrados a uma bola de chumbo de juros altos; as mãos decepadas pelos cortes de um virulento arrocho fiscal.

O BC brasileiro, dirigido pelo comodoro Henrique Meirelles, aquiesceu de bom grado.

Na noite de 10 de setembro de 2008, quando a água invadia os mercados urbi et orbi, o país era informado de que a operosa autoridade monetária, a mão firme no leme, subira a taxa de juro, já um colosso de 13%, para graúdos 13,75%.

Arrancou aplausos do jornalismo tupiniquim, o mesmo que agora pede bis.

Cinco dias depois quebrava o Lehman Brothers.

Na época, o quarto maior banco dos EUA.

O buraco de US$ 3,9 bi na instituição de 159 anos marcaria simbolicamente a temporada de esfarelamento das verdades graníticas com as quais a emissão conservadora tutelava o país até então.

Após o desastroso ato pró-cíclico do BC, o governo Lula soube aproveitar a margem de manobra ampliada pela desmoralização plutocrática e inverteu a ênfase.

Em vez de trazer a crise mundial para dentro do Brasil, como pedia a mídia isenta, ergueu diques para afrontá-la na porta.

Um vigoroso acervo de medidas de extração contracíclica foi acionado.

Ampliou-se o crédito ao consumo, programas sociais foram expandidos, desonerações favoreceram o investimento produtivo, fomentou-se um gigantesco plano de habitação, articulou-se uma fornada de urgentes inversões em infraestrutura e logística social.

Enquanto o mundo se liquefazia na maré do desemprego, o país continuou a crescer e a expandir seu mercado de trabalho.
Calcula-se que entre subsídios, renúncia fiscal e incentivo ao investimento, ademais de ações sociais, a resistência ao naufrágio tenha acumulado gastos da ordem de R$ 400 bilhões.

É em torno dessa conta que se afina a partitura da tragédia fiscal iminente, anunciada agora pelo jornalismo econômico.

Esponja-se na fronteira do acerto de contas.

Os que incitavam o governo a jogar o país ao mar em 2008, retrucam que o custo de não tê-lo afogado na hora certa acarretou custos insustentáveis.

Tucanos, de sabedoria econômica comprovada pelos resultados diante de outras crises, endossam o clamor pela eutanásia.

FHC: “Os governos petistas puseram em marcha uma estratégia de alto rendimento econômico e político imediato, mas com pernas curtas e efeitos colaterais negativos a prazo mais longo. O futuro chegou...” (Estadão;03-11-2013)
Recomenda-se vivamente beber a cota do dilúvio desdenhada irresponsavelmente em 2008.

A politização do debate econômico –que o governo não fez a tempo, abrindo os canais para tanto, e o PT vocaliza de modo delicado-- é o primeiro passo para livrar a agenda da crise desse garrote infernal.

A persistir a hesitação, a hegemonia falida ditará as regras à superação da própria falência, coisa que nem o código de falência do capitalismo permite.

O resultado, aí sim, jogará o Brasil no abismo contornado há cinco anos.

Não há, nunca houve, solução sem custo para os desequilíbrios intrínsecos a um processo de desenvolvimento.

Desenvolvimento exige projeto, força e consentimento.

À democracia compete libertar a economia da fraudulenta camisa-de-força 'técnica' que circunscreve as alternativas aos limites intocáveis dos interesses dominantes. 
Desmoralizada pelos mercados, a política ficará refém dos black blocs de máscara e aqueles, muito mais perigosos, de gravata de seda.

As escolhas a fazer não são singelas.

O país precisa do investimento público e privado para adequar uma infraestrutura planejada para a 1/3 da população ao mercado de massa nascido nos últimos anos.

Estamos falando de proporções épicas: em vidas humanas e recursos financeiros.

Nada que se harmonize do dia para a noite.

O crucial é erguer as linhas de passagem, pactuar seus custos, os ganhos e prazos.

A persistir a livre mobilidade dos capitais, do lado externo, e a captura dos fundos públicos para os juros da dívida, no plano doméstico, a travessia fica vulnerável à chantagem rentista.

Sobra uma pinguela estreita e oscilante.

Não cabe o Brasil.

Um ano de juro da dívida equivale a 71 anos de merenda escolar diária para 47 milhões de crianças e adolescentes da rede pública brasileira.

É só uma ilustração. Mas também é a síntese das proporções em jogo na arquitetura que será preciso escolher.

A crise desnudou o fatalismo econômico que estruturou a narrativa dominante nas últimas décadas.

Mas alguém precisa dizer que o rei está nu.

E, sobretudo, erguer mirantes de pluralidade para que o país possa enxerga-lo como tal. E a partir daí reescrever a sua própria história.

domingo, 3 de novembro de 2013

Os problemas da oposição



Dilma Rousseff também tem os seus, mas aqueles de seus adversários na corrida presidencial continuam maiores.


A 11 meses da eleição presidencial, as oposições enfrentam problemas. Não apenas elas, pois a presidenta Dilma Rousseff também tem os seus, mas aqueles dos adversários são claramente mais complicados.

As dificuldades dos diversos possíveis candidatos oposicionistas começam pela indefinição a respeito da própria candidatura. Nos vários partidos que pensam disputar a eleição contra Dilma há nomes de mais ou de menos.

Nas duas principais legendas é evidente o conflito entre os postulantes à cabeça de chapa. No PSDB, Aécio Neves e José Serra estão em rota de colisão cada vez mais acelerada. A qualquer hora vão trombar, com mortos, feridos e um rastro de destroços pelo caminho. 

No PSB, Marina Silva comporta-se como a convidada bem trapalhona na festa de Eduardo Campos. Desde a sua filiação ao partido, o governador de Pernambuco amarga uma dor de cabeça após a outra.

Enquanto os tucanos se bicam e os socialistas encenam o jogo da “aliança programática”, pequenas legendas entram na dança das candidaturas próprias. Nenhuma sabe se será para valer, mas algumas têm até nomes provisórios para oferecer. Outras estão à cata de um.

No PPS, há quem fantasie o lançamento da vereadora Soninha Francine, para desagrado de seu presidente, Roberto Freire, que parece vê-la como substituta insuficiente de Marina Silva que tanto desejava. No PSC, o pastor Everaldo discursa como presidenciável. Não é impossível surgirem outras candidaturas semelhantes.

O estímulo a essas microcandidaturas vem de cima, do PSDB e do PSB. São parte da estratégia imaginada por Aécio Neves e Eduardo Campos para tentar dificultar o caminho de Dilma Rousseff, multiplicando o número de oponentes que ela terá de enfrentar, por menores que sejam.

Não são, portanto, candidaturas espontâneas. Nem sequer pretendem representar uma parcela, mesmo pequena, da sociedade. Nascem apenas como linha auxiliar de um combate que as transcende.

Os partidos ideológicos não agem assim, sejam os de extrema-esquerda, sejam os de agenda específica. Eles participam de eleições sem expectativa realista de vitória, na busca por marcar posição e levantar bandeiras. PPS, PSC e congêneres não têm ideologia para defender.

Nessas e em outras movimentações há algo que não conhecíamos em nossa história política pós-ditadura: a constituição de uma espécie de “frente ampla” oposicionista, sem agenda propositiva e cuja finalidade se define pela negação, por buscar a derrota do “lulopetismo”. Aécio e Campos aparecem em fotos nas quais trocam sorrisos, enquanto fabricam nanicos para correr por fora, na tentativa de trazer alguns votos para o balaio comum. Desde 1989, é a primeira vez que se esboça algo assim.

A oposição extrapartidária, especialmente a brigada midiática, mostra-se encantada com a entente cordiale armada para 2014 e a encoraja a todo instante. Se depender dela, a paz reinará na seara oposicionista, de preferência enquanto o governismo se fraciona e guerreia.

Dá-se o caso, contudo, de essa possibilidade só existir no sonho de alguns. No mundo real, nem há paz dentro dos partidos da oposição, nem haverá entre eles na hora em que a disputa eleitoral se intensificar. Para Aécio e Campos, ou qualquer composição de nomes de seus partidos, o sabor de uma hipotética derrota petista não anularia o gosto amargo da vitória do outro. Ambos apostam em conseguir mais votos e querem somente se aproveitar do aliado ocasional. 

No fundo, tudo isso apenas reflete o aspecto central do oposicionismo brasileiro de hoje: sua falta de identidade e rosto natural. O contrário do que havia em 2002, quando o governismo foi derrotado por uma candidatura de oposição inteiramente natural, a de Lula pelo PT.

Aécio? Serra? Campos? Marina? Soninha? O pastor Everaldo? Mais alguém? Em frente ampla? Cada um por si? Tantas interrogações indicam: por razões distintas, está tudo no ar no campo oposicionista.

O mau desempenho dos nomes da oposição nas pesquisas atuais e a vantagem de Dilma, é fato, não significam que a presidenta só terá bons ventos pela frente. Parece claro, porém, que as dificuldades de seus oponentes serão maiores.

Nem precisamos lembrar que a presidenta possui um amplo estoque de boas notícias e propostas para apresentar ao eleitorado. Quanto à oposição, até agora não mostrou saber o que quer, a não ser assumir o poder.

O artigo é do Marcos Coimbra


sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O que é, como e para que ser de esquerda (I)



O que vou escrever visa complementar o que nosso companheiro Emir Sader expôs no seu blog, nesta página, sobre o que é ser de esquerda.

É uma questão complexa, que metodologicamente dividi em três capítulos: (I) O que é ser de esquerda, o que envolve questões conceituais; (II) como ser de esquerda, o que implica considerações sobre tática e estratégia; (III) para que ser de esquerda, o que sugere a discussão sobre meios, fins, e contra-fins, isto é, aquilo que é necessário rejeitar para ser de esquerda.

Comecemos pelo começo, isto é, as questões conceituais.

A primeira coisa a fazer para ser de esquerda é, portanto, postular que existe uma esquerda. A ideia pode parecer tautológica, mas não é. Porque é isto que está em questão. Para existir uma esquerda, é necessário que exista uma direita. E a direita se auto-nega sistematicamente: se aquela é a questão, este é o nó da questão: a esquerda tem diante de si um inimigo que elude (ilude) constantemente sua existência.

Para a direita, negar a existência da esquerda é uma afirmação tática para encobrir, acobertar, a sua própria existência. Estaremos diante da tática do lobo na pele do cordeiro? Em parte. Porque em parte não se trata disto, mas se trata de uma questão ontológica: como a direita não quer mais se apresentar como um partido, ou uma seção (secção também) da sociedade, só lhe resta se apresentar como abarcando o significado – os signifcantes (mídia) de toda a sociedade. Ou seja, estamos diante do paradoxo de que, para afirmar ou manter ou defender a sua pretensão à hegemonia na praxis e do pensamento, temos uma corrente social que deve negar sua existência e apresentar-se como aquilo que ela não é: a expressão de valores universais.

A esquerda precisa, portanto, concentrar-se na sua própria maneira de ser, e de se apresentar, diante e depois das crises por que passou, com a derrota ou o fracasso dos regimes que eram ou se apresentavam como seus. O primeiro passo para ser de esquerda, portanto, é refluir sobre seus próprios passos, e pensar o que aconteceu, para que os erros, os equívocos, as fantasmagorias do passado não voltem a cegar a visão do horizonte. Isto não garante que não venham a sobrevir novos erros, equívocos, novas fantasmagorias, Trata-se apenas de pensar que não sejam os mesmos.

Então vamos ao principal deles. Postulando que haja uma esquerda, é necessário logo a seguir negar esta tese, ou melhor, realocar o peso das palavras. Trata-se de afirmar que existe uma esquerda, onde esta palavra é um substantivo e aquela um artigo indefinido. Não se trata de afirmar que exista uma esquerda, onde aquela palavra é um numeral e esta um mero adjetivo da unidade. Ou seja, postular que há uma esquerda significa postular que existem esquerdas, que ela é plural, e que nenhuma das correntes que nela convivem é a dona da verdade absoluta e que, portanto, nada justifica que umas e outras andem enfiando as próprias picaretas nas cabeças de outras e umas, até porque isto significa facilitar a ascensão dos picaretas em seu próprio seio.

Em termos de metodologia e conceituação, isto significa trocar o debate em que muitas vezes a esquerda se envolveu sobre se a democracia é uma valor universal ou não, por outra formulação. O debate sobre democracia como valor universal se prendeu, em geral, à ideia da afirmação/negação de um tipo de democracia – a representativa de inspiração liberal – como sendo a democracia por excelência.

A prática não é bem assim, está demonstrado. Existe a democracia participativa – de que os orçamentos que levam este nome são um exemplo recente – e existe também a democracia direta, a das ruas, das praças, das manifestações, que tem seu espaço e seu próprio protocolo, complicado às vezes por irrupções de violência – seja da repressão ou dos que querem se valer da oportunidade para promover quebra-quebras pseudamente anarquistas.

A questão é a de se buscar a construção da democracia como um valor permanente, isto é, a ser buscado em cada instância de um movimento e do conjunto dos movimentos da sociedade. Vamos reconhecer: não pensávamos assim, na maioria, décadas atrás. Para muitos a democracia e suas formalidades – fosse na aura representativa, na esfera participativa ou na linearidade das praças e ruas ocupadas – eram apenas passos táticos até que se atingisse o estágio da ditadura do proletariado, confundida com a ditadura das vanguardas do proletariado, concepção que facilitou o caminho para a emergência da ditadura das burocracias, que já nada tinham a ver com o proletariado.

É claro que há situações-limite e mesmo fora de qualquer limite. Não dá para comparar a situação de uma lua na clandestinidade, por exemplo, com esta que vivemos hoje em que há um respeito, mesmo que limitado, por princípios eleitorais, de representatividade, de participação e até mesmo de ação direta, com todas as ressalvas que haja. Dentro do reconhecimento das diferenças, o que importa, para uma práxis de esquerda, é a afirmação do direito à diferença. A começar, portanto, por suas diferenças.

É difícil? É.

Mas não é impossível. A prática o tem demonstrado. Voltaremos ao assunto, na semana que vem.

A reflexão é do Flávio Aguiar, colunista da Carta Maior