domingo, 30 de junho de 2013

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Na Argentina, jornalistas debocham do "Jornalixo" da Globo

A esquerda não pode piscar

 
O Brasil ingressa num ciclo de turbulência do qual a democracia participativa poderá emergir como parteira de uma sociedade mais equilibrada e justa.

Mas a esquerda não pode piscar.

A disputa fratricida, hoje, é o coveiro das esperanças nacionais.

Nos anos 50, um pedaço das forças progressistas só foi perceber o seu lado no jogo quando o povo já incendiava os carros do jornal 'O Globo', em resposta ao tiro com o qual Getúlio encerrou a sua resistência e convocou a das massas.

Ontem, como agora, o enclausuramento ideológico, o acanhamento organizativo e a dispersão programática pavimentam o caminho da ameaça regressiva.

É a hora da verdade de toda uma geração.

Cabe-lhe sustentar um novo desenho progressista para o desenvolvimento do país.

Um notável volume de investimentos é requerido para adequar a logística social e a infraestrutura às dimensões de uma nação que incorporou milhões de pobres ao mercado de consumo nos últimos anos.

Agora lhes deve a cidadania.

O novo giro da engrenagem terá que ocorrer num momento paradoxal.

A recuperação norte-americana encoraja as apostas no fim da crise, mas complica a mecânica do crescimento na periferia do mundo, encarecendo o custo do capital.

Asfixiada antes pela valorização do Real, a indústria brasileira agora é o canal de transmissão da alta do dólar nos índices de preços, por conta das importações.

Dotado de uma base fabril atrofiada pelo irrealismo cambial, o país importa quase 25% das manufaturas que consome.

A sangria destrói empregos e desperdiça receitas que faltam ao gasto público, ademais de ameaçar as contas externas.

É só um vagalhão da tempestade perfeita que cobra respostas em várias frentes: prover infraestrutura, combater a inflação, resgatar a industrialização, dar progressividade ao sistema tributário, ajustar o câmbio, modular o consumo.

Tudo junto e com a mesma prioridade.

A urgência das ruas sacudiu essa equação que há menos de um mês tornava a economia cada vez mais permeável a uma transição excludente preconizada pelo conservadorismo.

Com o título sugestivo de, ‘Um Plano para Dilma’, coube ao editorial da Folha de 02/06, como já comentou Carta Maior, enunciá-la em detalhes.

O ‘plano’ consistia em impor ao governo o projeto derrotado em 2002, 2006 e 2010. A saber: arrocho fiscal e monetário; entrega do pré-sal às petroleiras internacionais; redução dos gastos sociais e dos ganhos reais de salários; renúncia ao Mercosul e adesão aos tratados de livre comércio.

Essa plataforma envelheceu miseravelmente nas últimas horas.

O interesse conservador que antes pretendia usar o governo para escalpelar as ruas, subtraindo-lhe conquistas e recursos na ordenação de um novo ciclo econômico, agora quer usar as ruas para desidratar o governo.

Mas oscila.

A bipolaridade reflete a ansiedade típica de quem sabe que joga a carta do tudo ou nada.

Não por acaso, o jornalismo a serviço do dinheiro já constata receoso: ‘o que a rua pede colide com o que o mercado pretende’.

Custa uns R$ 115 bi atender ao clamor das multidões por saúde, educação, transportes etc, adverte, apreensivo, o jornal Valor Econômico, nesta 5ª feira.

Curto e grosso: o espaço para um ajuste estritamente convencional se esgotou.

Quem dará coerência ao desenvolvimento brasileiro a partir de agora, perguntava Carta Maior há menos de um mês.

Antes turva, a resposta emerge límpida.

A nova coerência macroeconômica terá que ser buscada na correlação de forças redesenhada pelas grandes multidões que invadiram as ruas nas últimas semanas.

Emparedado pela lógica conservadora o governo Dilma passou a ter escolhas.

E o PT a chance de se reinventar, explicitando uma agenda mínima para o passo seguinte da história do país.

E para a sua também.

O bônus não autoriza o conjunto das forças progressistas a adotar a agenda da fragmentação suicida.

O focalismo cego às interações estruturais é confortável.

Mas leva ao impasse autodestrutivo.

A responsabilidade de interferir num processo histórico dessa magnitude pressupõe a adoção de balizas que impeçam o retrocesso e assegurem coerência das mudanças.

Sem alianças aglutinadoras, não acontecerá.

Não é pouco o que se tem a perder.

Vive-se, talvez, a chance de uma ruptura efetiva do país com a camisa de força do neoliberalismo.

A hegemonia neoliberal nos últimos 30 anos reforçou a guarda fronteiriça que separa os direitos civis da supremacia dos mercados sobre a economia e a sociedade.

Limites estritos à ação convergente do Estado (mínimo) foram erguidos em todo o mundo.

A liberdade dos capitais manteve nações, projetos, partidos e governos sob chantagem impiedosa.

Domínios insulares foram instalados no interior do aparato público.

O conjunto elevou a tensão política que explode periodicamente quando os mercados blindados enfrentam a democracia insatisfeita nas urnas.

Teoricamente, é nessa hora que o bancário e o banqueiro tem o mesmo peso no escrutínio do futuro.

Teoricamente.

Na prática, é a locomotiva dos grandes levantes populares que delimita a fronteira da democracia social em cada época.

A alavanca brasileira, neste caso, foram os levantes operários do ABC paulista dos anos 70/80 e a luta cívica contra a ditadura militar.

O ciclo subsequente de governos do PT caracterizou-se pela negociação permanente do divisor entre os dois domínios, o do dinheiro e o dos interesses gerais da sociedade.

Negociou-se ‘sem romper contratos’.

Com acertos, equívocos e hesitações fartamente listados.

Ainda assim, o saldo configura ‘um custo Brasil’ intolerável aos interesses acantonados no polo oposto do braço de ferro.

O impulso original esgotou-se.

Avançar nos limites da composição de forças que delimitou a ação progressista até aqui tornou-se cada dia mais penoso.

Faltava a locomotiva da história se mexer outra vez, para esticar os limites do possível na discussão do novo ciclo de crescimento que o país requer.

É o que as ruas vieram fazer.

A presidenta Dilma viu o bonde passar e não hesitou: ao redesenhar os perímetros da democracia com a reforma plebiscitária , reconheceu na soberania popular também a força capaz de reordenar as balizas do desenvolvimento.

Cabe ao conjunto das forças progressistas dar coerência, rumo e prumo a esse comboio.

O tempo urge.

Se piscar, outros o farão.
 
Por Saul Leblon no Blog das Frases

domingo, 16 de junho de 2013

O decálogo do perfeito idiota da direita

Quais são as ideias típicas dos conservadores brasileiros na atualidade? Algumas são permanentes, outras conjunturais. Amanhã serão substituídas por novas idiotices. O estoque é imenso.

 por Marcos Coimbra

Entre assombrações, equívocos e estereótipos, o pensamento conservador brasileiro anda atulhado de idiotices. Alguns nada mais fazem que repeti-las. Outros contribuem para aumentá-las. O título desta coluna alude àquele de uma obra que teve certa voga há quase 20 anos e hoje parece antediluviana. Publicado em 1996, o Manual do Perfeito Idiota Latino-Americano era um ataque contra a esquerda e expressava o neoliberalismo triunfante que se espalhava pelo continente. Quem discordasse de seus axiomas era idiota.

Passou o tempo e a história mostrou o inverso. Nenhuma das experiências de governo inspiradas no Manual deu certo. Os povos sul-americanos escolheram caminhos diferentes, de mais realizações. Quem zombava dos outros, com a agressividade verbal característica dos autoritários, é que se revelou um tolo.

Quais são as ideias típicas dos conservadores brasileiros na atualidade? Algumas são permanentes, outras conjunturais. Amanhã serão substituídas por novas idiotices. O estoque é imenso. Vamos às dez mais comuns:

O Brasil está à beira do abismo

Ainda que os cidadãos normais tenham dificuldade de entender quem diz isso, os genuínos idiotas da direita estão convencidos: vivemos o caos e estamos a caminho do buraco. Há exemplo mais patético que a “inflação do tomate”?

O Bolsa Família é esmola usada para manipular os pobres

Marca distintiva desses idiotas, a ideia mistura velharias, como a noção de que os pobres são constitutivamente preguiçosos, com a pura inveja de ter sido Lula o criador do programa. No fundo, o conservador despreza os mais humildes.

O Brasil tem um governo inchado

Mundo afora, depois de a crise internacional sepultar a tese de que Estado bom é Estado mínimo, ninguém mais tem coragem de revivê-la. A não ser no Brasil. Fernando Henrique Cardoso deixou 34 ministérios quando saiu do governo. Esse seria o tamanho ótimo? Cinco a mais se constitui uma catástrofe?

O Brasil tem municípios demais

Exemplo de idiotice conjuntural, é prima da anterior. Que sentido haveria em considerar imutável a organização administrativa de um país em que a população se movimenta pelo território, fixando-se em novas regiões?

O Judiciário é nosso deus e Joaquim Barbosa, nosso pastor

Como seus parentes no resto do mundo, os conservadores brasileiros desconfiam da política e têm ojeriza a políticos. Quem mais senão o presidente do Supremo Tribunal Federal encarnaria os “anseios da sociedade contra os políticos corruptos”? Transformado em ferrabrás dos petistas, Barbosa virou herói da direita.

O “mensalão” foi o maior escândalo de nossa história

Conversa para boi dormir entre os conhecedores da política brasileira, o “mensalão” não passa de um exemplo do modo como as campanhas eleitorais são financiadas. Só os desinformados acreditam ser ele um caso excepcional.

A liberdade de imprensa está ameaçada

Na vida real, ninguém leva isso a sério. Volta e meia, a ideia é, no entanto, usada pela imprensa conservadora para defender os interesses de um pequeno grupo de corporações de mídia. De carona, alguns políticos da oposição a endossam para preservar as relações privilegiadas que mantêm com os proprietários dos meios de comunicação.

Dilma antecipou a eleição

Desde ao menos o início do ano, a oposição de direita repete, em tom queixoso, o mantra. O que imaginava? Que uma presidenta tão bem avaliada não fosse candidata? Que fingisse não sê-lo? Qualquer idiota sabe que os governantes pensam na reeleição. Assim que tomam posse, entram no páreo.

O Brasil virou as costas para seus parceiros internacionais e se aliou aos radicais

A fantasia desconhece a realidade da política externa e o modo como funciona a diplomacia brasileira. É montada em duas etapas: primeiro, desconstrói-se a imagem de um país ou liderança. Depois, afirma-se que o governo a apoia. De qual país o Brasil se afastou, de fato, nos últimos anos?

O Brasil moderno está na oposição, o arcaico é governo

Trata-se de um erro factual, somado a muita pretensão. Ao contrário, como mostram as pesquisas, o governo é mais bem avaliado (e Dilma tem mais votos) entre, por exemplo, jovens e aqueles conectados à internet que na média da população. A oposição possui, é claro, sua base na sociedade. Em nada, no entanto, esta é “melhor” que aquela apoiadora do governo.


Leia mais em: Blog Sujo : O decálogo do perfeito idiota da direita
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quinta-feira, 13 de junho de 2013

A resposta é mais democracia

Não enxergar o elo entre as ruas e o ciclo histórico costuma ser fatal às lideranças de uma época.

Acreditar que o elo, no caso dos recentes protestos em São Paulo, está no aumento de 20 centavos sobre uma tarifa de transporte congelada desde janeiro de 2011, é ingenuidade.

Supor que a ordenação entre uma coisa e outra poderá ser restabelecida à base de cassetetes e pedradas é o passaporte para o desastre.

Desastre progressista, bem entendido.

A lógica conservadora nunca alimentou dúvidas existenciais ou políticas quanto a melhor forma de manter o caos nos eixos.

Esse é um apanágio do seu repertório histórico.

O colapso do trânsito, inclua-se nesse desmanche o custo e o tempo despendidos nos deslocamentos, é apenas o termômetro mais evidente de um metabolismo urbano comatoso.

Cerca de 1/3 dos paulistanos, aqueles mais pobres, residentes nas periferias distantes, levam mais de uma, a até mais de duas horas no trajeto da casa ao trabalho.

Os tempos indicados são referentes à ida; não consideram o gasto no retorno.

Os dados são de pesquisa recente do Ibope.

Não se produz uma irracionalidade desse calibre sem um acúmulo deliberado.

Estudos do Ipea reiteram a piora nas condições de transporte urbano das principais áreas metropolitanas do país desde 1992.

O Brasil tem a taxa de urbanização mais alta em uma América Latina que lidera o ranking mundial nesse indicador, diz a ONU.

O país concluiu a transição rural/urbana em três décadas, açoitado pela política de modernização conservadora do campo.

Isso se fez sob a chibata de uma ditadura militar .

E não poderia ter sido feito exceto assim.

A virulência do Estado ditatorial fez em um terço do tempo aquilo que as nações ricas levaram um século para realizar.

A coagulação da insensatez na atual ‘imobilidade urbana’ reflete o saldo de perdas e danos dessa marcha batida da história.

O crescimento populacional desordenado das grandes cidades, agudizado pelas referidas migrações é um dos alicerces da ruína.

Ancorada na omissão pública de décadas, a expansão irracional e especulativa da mancha urbana ganhou vida própria.

Com os desdobramentos logísticos sabidos: aumento das taxas de deslocamento e motorização; explosão dos congestionamentos e do custo do transporte.

Na vida da cidade e no bolso de cada cidadão.

Não é figura de retórica dizer que esses ingredientes acionam o pino de cada bomba de gás lacrimogênio e faíscam o pavio de cada enfrentamento irrefletido nas batalhas campais registradas na cidade de São Paulo em menos de uma semana.

Repita-se: o conservadorismo tem certezas esféricas quanto a melhor forma de lidar com a nitroglicerina social contida nas cápsulas de concreto que ergueu no país nas últimas décadas.

Suas escolhas não podem ser as mesmas das forças progressistas.

O nivelamento regressivo acontecerá caso a inércia política ceda o comando dos acontecimentos à lógica da violência.

No caso dos protestos em São Paulo, a responsabilidade da autoridade municipal é superlativa.

Cabe-lhe reafirmar o divisor entre a gestão progressista de uma sociedade e a visão conservadora sobre os seus conflitos.

Carta Maior saudou a vitória de Fernando Haddad em 2012 por entender, como entende, que ele representa o resgate do cimento da democracia na reconstrução de São Paulo.

Mais que isso.

Por entender que a sorte de São Paulo sob a liderança da nova administração marcará o destino da agenda progressista brasileira no período em curso.

A maior metrópole latino-americana constitui um gigantesco laboratório de desafios e recursos.

Tem a escala necessária para gerar contracorrentes vigorosas, a ponto de sacudir e renovar a agenda da esquerda brasileira, após mais de uma década no comando do país.

A deriva em que se encontram os serviços e espaços públicos da cidade é obra meticulosa e secular de elites predadoras.

Ao longo de décadas, a Prefeitura consolidou-se aos olhos da população como um anexo dessa lógica expropriatória, quando deveria funcionar como um escudo do interesse coletivo.

Incapaz de se contrapor à tragédia estrutural que marca a luta pela vida em São Paulo, tornou-se uma ferramenta irrelevante aos olhos da cidadania.

A tragédia se completa com o descrédito da população em relação ao seu próprio peso na ordenação institucional da cidade.

Daí para acender uma espiral de enfrentamentos bastam 20 centavos de diferença na tarifa.

Sim, há outras nuances e interesses entrelaçados ao destaque esquizofrênico com que a mídia convoca e, depois, alardeia o caos a cada protesto.

Tais motivações são as mesmas que fizeram do tomate um astro olímpico na modalidade ‘descontrole dos preços’, há menos de um mês.

As mesmas que hoje alardeiam ‘a explosão’ do dólar – e, ontem, denunciavam o ‘populismo cambial’ e os malefícios, verdadeiros, do Real sobrevalorizado.

Essas motivações exercitam sua sofreguidão cotidianamente na mesmice de uma mídia que se esboroa sob o peso de sua própria irrelevância jornalística.

A resposta da Prefeitura de São Paulo aos protestos não deve se pautar pelos uivos do jogral conservador.

Não se trata, tampouco, de conciliar com a violência gratuita.

Mas, sim, de encarar as manifestações como um mirante privilegiado para fixar uma nova referência na vida da cidade.

Qual seja, a de calafetar o abismo conservador que predominou secularmente na relação entre a Prefeitura e os moradores da metrópole, sobretudo a sua parcela mais pobre.

O trunfo do prefeito Fernando Haddad é ter sido eleito para isso.

Ele tem legitimidade para subtrair espaços à engrenagem opressora e devolve-los a uma cidadania há muito alijada das decisões referentes ao seu destino e ao destino do seu lugar.

Um salto de qualidade e intensidade na participação democrática na gestão da cidade; essa é a resposta para a fornalha da insatisfação.

Da qual os incidentes de agora podem representar apenas um prenúncio pedagógico.

São Paulo é o produto mais representativo do capitalismo brasileiro.

Um labirinto de contradições, uma geringonça que emperra e se arrasta, desperdiça energia e cospe gente enquanto tritura e refaz o seu concreto de desigualdade.

Não há solução administrativa ou orçamentária imediata para o caos deliberadamente construído aqui.

A resposta à lógica que sequestrou a cidade dos seus cidadãos é devolvê-la a eles fortalecendo os canais existentes e abrindo outros novos, que dilatem o seu discernimento e a capacidade de erguer linhas de passagem entre o presente e o futuro.

A alternativa é a anomia, eventualmente sacudida de gás lacrimogênio e pedradas.
 
Por Saul Leblon, originalmente na Carta Maior

(*) NR: a menção ao uso de coquetéis molotov nas manifestações foi suprimida do texto por se tratar de informação divulgada pelo aparato policial, sem comprovação até o momento (12/06/2013; 23h51)

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O dragão da inflação não passa de uma lagartixa


Por: Vitor Leonardo de Araujo

Podem perceber: quando a inflação mensal sobe, é manchete dos cadernos de economia dos principais jornais; quando cai, fica escondida entre outras matérias consideradas “mais importantes” pelos editores. Assim ocorreu após o anúncio do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o índice oficial de inflação, referente ao mês de maio: variou 0,37%, bastante inferior aos meses anteriores, e pouco se comentou. O item “alimentos e bebidas”, vilão da inflação no Brasil nos últimos meses (e em quase todos os últimos repiques inflacionários), subiu 0,31%, e ficou abaixo da média dos últimos seis meses (desde dezembro tem ficado acima de 1%). 

Inflação é sempre um assunto muito sério, porque reduz o poder de compra dos trabalhadores, e porque os ônus das medidas antiinflacionárias costumam sempre recair sobre os seus ombros, seja na forma de salários menores, seja na forma de mais desemprego. O problema é que no Brasil o debate sobre inflação é sempre conduzido de forma muito pobre, e a politização necessária acaba sendo sempre direcionada para o rumo eleitoreiro. O assunto merece algumas ponderações.

A primeira delas é que o chamado “Regime de Metas de Inflação” foi introduzido no Brasil em 1999; nos quatro anos do segundo governo FHC, em dois deles (metade, portanto) a inflação medida pelo IPCA ficou acima da meta, tendo alcançado dois dígitos em 2002 (12,5%). Desde 2005 a inflação tem ficado dentro da meta estipulada pelo Conselho Monetário Nacional. Nos oito anos de governo FHC, a inflação anual média foi de 9,1%, contra 5,7% a.a. dos dois governos Lula, e 5,8% dos 10 anos de governo Lula+Dilma. Os dados falam por si: os tucanos conduziram a política antiinflacionária de forma muito pior, embora, na sua retórica, tentem posar de paladinos da inflação baixa.

A segunda é algo repetitivo, mas necessária dizer: o combate à inflação deve levar em consideração as suas causas. Não dá para falar em inflação de demanda em uma economia que desacelera desde 2011, e que tem registrado taxas de crescimento pífias. Os alimentos e bebidas, que mais têm pressionado os índices de inflação nos últimos repiques inflacionários (13,5% acumulados nos 12 meses findos em maio, ou seja, o dobro do índice médio), têm subido ora por motivos climáticos, ora por causa dos preços internacionais das commodities – típicos choques de oferta. Em ambos os casos, elevação da taxa de juros Selic constitui uma medida inócua para o seu combate. No caso dos serviços pessoais (8,76% acumulado em 12 meses), a política de aumento real do salário mínimo tem sido apontada como a principal causa. Trata-se de uma mudança de preços relativos, cuja transição tem provocado e ainda provocará aumentos acima da média. A economia brasileira precisará saber acomodar esses aumentos sem recorrer à tradicional política de arrocho salarial. O salário mínimo no Brasil ainda é baixíssimo, e o salário médio também. As remunerações dos trabalhadores brasileiros não são altas: são apenas relativamente mais altas do que no passado. A distribuição de renda no Brasil continua ruim: é apenas um pouco melhor do que no passado. Estancar os parcos ganhos obtidos pelos trabalhadores sob o pretexto de fazer política antiinflacionária é de uma crueldade sem tamanho.

Entender que a economia brasileira precisa acomodar melhor os ganhos salariais reais não é o mesmo que ser condescendente com a inflação. Mas esta acomodação é mais fácil em um contexto de crescimento do produto e da produtividade, porque permite elevar salários sem comprimir as margens e sem repassar os aumentos aos preços finais – eis o calcanhar de Aquiles. Entre 2000 e 2009, a produtividade média da economia brasileira cresceu apenas 0,9% ao ano; a produtividade da indústria de transformação caiu 0,6% a.a., e a da agropecuária cresceu 4,3% a.a. 

A terceira ponderação a se fazer sobre a inflação é sua relação com a taxa de câmbio. O desmonte de elos importantes da indústria brasileira durante o governo FHC fez com que a economia brasileira ficasse mais dependente dos produtos importados, e os preços passaram a ter maior correlação com a taxa de câmbio. O pouco ou nenhum esforço do governo petista em reconstruir antigos ou novos elos da cadeia produtiva mantém esta dependência e coloca o governo numa encruzilhada: precisa desvalorizar a taxa de câmbio para atender às demandas de um segmento da indústria, mas quando o faz a inflação sobe; se deixa o câmbio apreciar, mantém a inflação baixa, mas provoca prejuízos ao setor industrial.

As ponderações acima levam a uma importante constatação: a economia brasileira possui sérios problemas estruturais que têm se manifestado na forma de inflação. O combate a esses problemas deve levar à elaboração de políticas específicas, que visem modificar a estrutura produtiva, sob um viés verdadeiramente desenvolvimentista. O governo petista pouco fez neste quesito.

Finalmente, a última ponderação é que inflação é sempre um problema sério, mas a ele tem que ser dada a dimensão correta. A despeito do que dizem os que preferem dar ao debate um viés eleitoral, não há qualquer sinal de descontrole inflacionário no Brasil. Em todos os momentos em que, no acumulado em 12 meses, a inflação medida pelo IPCA superou o teto de 6,5%, no momento seguinte ela sempre recuou. Considerando-se o ano-calendário, desde 2005 a inflação tem permanecido dentro do limite superior da meta. O dragão inflacionário está contido, e hoje não passa de uma lagartixa. Gélida e incômoda, mas uma lagartixa. O resto é agenda eleitoral.

*Victor Leonardo de Araujo é professor da Faculdade de Economia da UFF. E-mail: victor_araujo@terra.com.br





Fotos: J. Freitas/ABr 

quarta-feira, 5 de junho de 2013

A mídia e o sequestro em marcha de uma nação

O noticiário das últimas horas está salpicado de dados e fatos que ensejam maior reflexão sobre os rumos do país.

Eles não revogam os desafios que cercam a largada para um novo ciclo de crescimento.

Os impulsos nesse sentido são objetivos.

Encerram escolhas estratégicas. Seu escrutínio requer o discernimento engajado da sociedade.

Mas, se não contradizem essa inflexão, os indicadores correntes exibem ao mesmo tempo uma vitalidade que desautoriza a sofreguidão do jogral conservador.

Seu repertório para 2014 consiste em passar uma borracha nos avanços econômicos e democráticos dos últimos 11 anos, com um objetivo claro: revogar as balizas sociais que influenciaram a ordenação da economia na última década.

Impedir que elas condicionem a pavimentação do novo ciclo.

Ou seja, desconstruir a essência do que deve ser preservado.

Trata-se de enfraquecer ou desmoralizar o esboço de Estado Social que vem sendo erguido desde 2003.

Martela-se, diuturnamente, o antagonismo desse instrumento regulador com aquilo que a ortodoxia considera macroeconomicamente consistente para o país.

Para qualquer país; em qualquer tempo.

A saber, a máxima desproteção do interesse público e o supremo favorecimento da ganância privada.

Provar que esse 'Estado-estorvo' está esgotado implica colonizar o imaginário social com a esférica narrativa de um Brasil aos cacos.

Um país reduzido a uma montanha desordenada de erros, fracassos e fiascos. Como tem sido apresentado pelo dispositivo midiático conservador.

Aí começam os problemas.

O balanço linear é desmentido pela complexidade da luta pelo desenvolvimento, cujos conflitos, inexoráveis, escapam aos modelos puros de laboratório.

Alguns dados das últimas horas evidenciam uma sociedade em rota de colisão com a regressividade proposta para o seu futuro.

Por exemplo: o pré-sal já produz 357 mil barris por dia; os preços ao consumidor desaceleraram em maio (FGV); a indústria cresceu 1,8% em abril e 8,4% acima de abril de 2012 (IBGE); o Brasil é o 4º maior mercado de cimento do planeta: só perde para China e Índia; praticamente empata com o dos EUA; pequenas empresas criam 4 mil empregos por dia no país.

A forma como esses dados são veiculados e interligados - o destaque que merecem e lhes é subtraído-, influencia a percepção, as expectativas e a ação dos atores sociais.

Hoje, essa modelagem está 90% nas mãos da mídia conservadora.
Que opera um sequestro em marcha, rumo a 2014: o do discernimento da nação sobre ela mesma.

Esse talvez seja o maior, o mais dramático e o mais urgente desafio a ser enfrentado na definição do passo seguinte do desenvolvimento brasileiro. (Leia uma aula do professor Venício Lima sobre o assunto e a reportagem de Najar Tubino sobre os avanços da democracia participativa no RS).
 
Texto do Saul Leblon no Blog das Frases