quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Narciso, no Rio Grande, teu nome é Tradição



Foto-legenda:

Mantendo a tradição, mas com estilo. Cuia de mate, com design estiloso, confeccionada em silicone, cor rouge cerise. Existem versões em inúmeras cores da paleta, todas entre o fashion e o in. Um Mont Blanc de charm e style. Este é o último grito primal da moda guasca. Desfile com a sua, e deixará os seus amigos bombachudos béges de inveja. Que tal, guascada?
 
No Rio Grande bruto, se o índio aparecer com uma cuia dessas num galpão, todos irão duvidar da masculinidade do portador, de forma cruel e barulhenta. No entanto, o desfile de 20 de Setembro, que mobiliza milhares de queras pelo estado afora, pode ser considerado a maior manifestação de narcisismo coletivo de nosso tempo. O macho empombado monta no cavalo e se exibe pachola na via pública. Em nome do quê, mesmo?
 
Ah!, da tradição.
 
Narciso, no Rio Grande, teu nome é Tradição
 
 
A foto e a legenda, foram surrupiadas do Blog Diário Gauche.
 
Clique aqui pra ler o artigo de hoje do Sociólogo gaúcho, Cristóvão Feil, titular do blog - A invenção do 'gaúcho' e a maldição conservadora no RS

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O Paraíso, o Inferno e o ‘mensalão’



Na mitologia de muitas culturas, existem narrativas sobre os caminhos que se abrem em razão das escolhas que fazemos. Em algumas versões, são lendas que nos levam a pensar nas consequências práticas das ações presentes, no modo como determinam nosso futuro no mundo. Em outras, referem-se ao que nos aguarda no além-túmulo.

Na tradição do catolicismo popular temos, por exemplo, a crença do encontro da alma com São Pedro, que, zelador da porta do Céu, só deixa entrar no Paraíso quem tiver mantido vida justa na Terra. Quem não, endereça ao Inferno.

Para muitos muçulmanos, o primeiro destino da alma é determinado nos instantes que sucedem a morte. Chegam os anjos Munkar e Nakir e a interrogam. São três perguntas: “Quem é teu senhor? Quem é teu profeta? Qual é a tua religião?” Os que acertam ficam à espera da ressurreição em alegria, os que erram são torturados até o Dia do Julgamento.
São muitas histórias semelhantes e, em todas, um mesmo recado: quem faz a coisa certa é recompensado, quem se desvia paga. Nas labaredas do Inferno.
A ansiedade dos ministros do Supremo Tribunal Federal perante o julgamento do mensalão é compreensível.

Receberam da Procuradoria-Geral da República uma denúncia que os especialistas consideram mais frágil do que aquela feita contra Fernando Collor. E aquela foi tão inepta que caiu por terra na primeira análise.
O fulcro da acusação é uma palavra inventada por um personagem famoso pela falta de seriedade. Nada, nem uma única evidência foi produzida em sete anos de investigações que demonstrasse que funcionou no Congresso Nacional, entre 2004 e 2005, um esquema de compra de votos para aprovar medidas de interesse do governo Lula. O que torna a existência da “quadrilha do mensalão” uma fantasia.

Quem duvidar, que leia a denúncia e verifique com seus olhos se ela aponta as votações e os votos que teriam sido negociados (o número do inquérito é 2.245 e está disponível no site da PGR). Mas nem a fragilidade da denúncia nem sua falta de sentido estiveram em discussão em algum momento.

Quando chegou ao Supremo, o julgamento estava concluído. O veredicto havia sido dado e transitado em
 julgado.
Exercendo o papel autoassumido de vanguarda da oposição ao “lulopetismo”, os proprietários e funcionários da grande indústria de comunicação tinham o script pronto. E ai de quem o contrariasse. O que não quer dizer que o argumento mais forte que usassem fosse o porrete. Uma dosagem equilibrada de ameaça e adulação é sempre mais eficaz.

Se os ministros fizessem o que ela queria, as portas do Paraíso se abririam para eles. Se teimassem em discutir coisas menores – como provas, depoimentos e outros detalhes –, a fogueira começaria a arder.
Há alguns meses, o ministro Luiz Fux publicou um livro. Como toda obra técnica, de interesse restrito.

Seu título bastaria para afugentar os leigos: Jurisdição Constitucional.
O lançamento no Rio de Janeiro, cidade natal do autor, mereceu tratamento vip da TV Globo. Com direito a matéria de 1 minuto e 30 segundos nos telejornais da emissora, tempo reservado a assuntos relevantes.
Talvez alguém se perguntasse o porquê do salamaleque. Mas é fácil entendê-lo. Quem não gosta de ser bem tratado? Quem não aprecia saber que sua família e seus amigos acabam de vê-lo na televisão? Quem não fica feliz quando recebe um cafuné?

O Paraíso é assim, cheio de carinhos. E quem pode proporcioná-lo pode o oposto. Como dizia Augusto dos Anjos: “A mão que afaga é a mesma que apedreja”.
Se fôssemos como os Estados Unidos, onde os juízes da Suprema Corte são figuras inacessíveis, quase desconhecidas do grande público, seria uma coisa. Mas não somos. Aqui nossos ministros adoram o reconhecimento e não hesitam em se revelar. Amam os holofotes.

Uns fazem saber que andam de motocicleta, outros que são exímios músicos, alguns se apresentam como poliglotas. Identificamos seus times de futebol, os restaurantes que frequentam. Às vezes, até seus negócios e os ambientes inadequados que frequentam.

0, Do julgamento do mensalão, poderiam sair endeusados, merecendo estátuas e concedendo autógrafos.

Bastava que cumprissem o papel que lhes estava reservado. Ou achincalhados. Tornados vilões. Cabia a eles escolher o caminho, o fácil ou o difícil.

No fundo, estão fazendo o que a maioria faria na mesma situação. Talvez não o que se esperaria deles. Mas quem mandou esperar, conhecendo-os?

Artigo de Marcos Coimbra

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

PSDB é o partido mais corrupto do Brasil: TRE’s apontam PSDB como campeão em políticos envolvidos em corrupção

Folha informa: petralha é lenda
 
 
Paulo Moreira Leite em sua coluna na Época
 
A liberdade de expressão permite que cada um fale o que quer e escreva como quiser mas às vezes a literatura deve ceder seus direitos a matemática.
Trazida ao mundo político durante o governo Lula, o termo “petralha” é uma falsificação, revela um levantamento da Folha de S. Paulo.
 
Ao juntar PETista com metRALHA, dos irmãos Metralha, de Disney, aquele que tinha simpatias pelo fascismo, o que se pretende é sugerir que o Partido dos Trabalhados é, como diz o procurador-geral da República, uma “organização criminosa.”
 
Será?
 
Analisando os 317 políticos brasileiros que foram impedidos de se candidatar pela lei Ficha Limpa, a Folha de S. Paulo fez uma descoberta fantástica.
 
Os petistas tem 18 candidatos que a Justiça impediu de candidatar-se em função daquilo que em outros tempos se chamava de folha corrida. Não é pouco, certamente.
Homens públicos devem ter uma reputação sem manchas e seria preferível que nenhum candidato – do PT ou de qualquer outro partido – tivesse uma condenação nas costas.
 
O problema é que os supostos petralhas são apenas o 8o. partido em condenações. Se houvesse um campeonato nacional de ficha-suja, estariam desclassificados nas quartas-de-final e voltariam para casa sob vaias da torcida, que iria até o aeroporto jogar casta de laranja no desembarque da delegação.
 
E se você pensa que o primeiro colocado é o PMDB, tão associado às más práticas da política, símbolo do atraso, da fisiologia e da corrupção – em especial depois que se aliou a Lula, nunca antes — enganou-se. O líder é o PSDB.
 
Está lá, na Folha. Os tucanos tiveram 56 candidatos rejeitados pela Lei dos Ficha Suja. Isso dá três vezes mais do que os petistas. Para falar em termos relativos: a porcentagem de ficha suja tucana entre seus candidatos é de 3,5%. Dos petistas, 1%.
 
Em sua entrevista em Paris, logo depois da entrevista de Roberto Jefferson onde ele denunciou o mensalão, Lula disse que o PT apenas fazia “o que os outros partidos sempre fizeram.”
 
Lula foi muito criticado por isso, na época. Vê-se que Lula errou, mas por outro motivo: o PT fazia menos do que os outros partidos.
 
O levamento mostra, por exemplo, que até o PSD de Gilberto Kassab tem mais condenados do que os petistas. O PPS, que é infinitamente menor do que o PT, tem 9 condenados. O PMDB, tem 46.
 
E agora?

sábado, 8 de setembro de 2012

O "novo" (velho) conglomerado


 

A tentativa de separar Lula e Dilma, como se o projeto de governo da presidenta fosse uma ruptura com tudo que Lula representou para o país, nos seus dois governos, redundou num fracasso completo. Só quem não conhece Dilma poderia achar que ela embarcaria nesta armadilha primária. Mas a tática da direita e da centro-direita brasileira, no contexto político que vive o país e a América Latina, não foi ingênua. Ela revela uma estratégia bem concebida para restaurar a hegemonia do “conglomerado” centro-direitista que já reinou no país. O artigo é de Tarso Genro.

 
O julgamento do chamado “mensalão” e o esforço que vem sendo feito pela mídia, sustentado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, de separar a presidenta Dilma do presidente Lula, configura um novo momento da luta política no país e exige uma nova atitude da esquerda para disputar os rumos da revolução democrática em curso no Brasil.

A tentativa de separar Lula e Dilma, como se o projeto de governo da presidenta fosse uma ruptura com tudo que Lula representou para o país, nos seus dois governos, redundou num fracasso completo. Só quem não conhece Dilma poderia achar que ela embarcaria nesta armadilha primária. Mas a tática da direita e da centro-direita brasileira, no contexto político que vive o país e a América Latina, não foi ingênua. Ela revela uma estratégia bem concebida para restaurar a hegemonia do “conglomerado” centro-direitista que já reinou no país.

Os protagonistas desta estratégia têm uma visão voltada, não somente para as próximas duas eleições presidenciais, mas também para o esfacelamento do principal partido de massas da esquerda brasileira. Com seus acertos, erros, desvios e crises -que de resto atingem toda esquerda mundial no “pós muro”- o PT vem mudando a estrutura de classes da sociedade brasileira e reorganizando os interesses destas classes no cenário da “grande política”, aquela que decide os rumos da democracia e dos modelos de desenvolvimento.

O PT, através dos nossos governos de “coalizão”, vem promovendo uma ascensão extraordinária das classes populares, no plano social e também no universo da política. O “incômodo PT”, formado por Lula, é o suporte principal, com seus aliados de esquerda, das mudanças na letárgica desigualdade social que imobilizava o país. O ascenso social de dezenas de milhões, conjugado com as novas perspectivas para uma parte do empresariado compartilhar de um novo projeto de nação - cooperativa, soberana e interdependente na globalização - pode abrir um novo ciclo de mudanças.

A espetacularização do julgamento do “mensalão”, colocado como marco “inaugural” da corrupção no Brasil e os vínculos deste processo manipulado com o PT, como instituição; a insistência dos vínculos do “mensalão” com a figura do ex-Presidente Lula; a demonização da política e a glorificação da gestão pública “técnica”, isenta de “política”, que passa a ser sinônimo de pureza institucional (tática sempre praticada pelo fascismo em momentos de crise); a “revisão” do governo Lula, especialmente promovida por manifestações do principal líder da oposição (FHC, o único que restou em avançada idade), tudo isso aclara a tentativa de reorganização de um bloco político e social, neoconservador e neoliberal, que já havia colocado o país numa situação dramática. Como já registrou um editorial da Carta Maior:

“Para ficar apenas no alicerce fiscal/monetário: em dezembro de 2002 - último mês do PSDB na Presidência da República - a relação dívida/PIB atingia estratosféricos 63,2%, praticamente o dobro dos 30,2% existentes no início do ciclo tucano, em 1994. Anote-se: isso, depois de um salto da carga fiscal, que passou de 28,6% para 35% no período. Hoje a relação dívida/PIB é de 35%; a previsão para 2013 é de 32,7%” - (03/09/2012 – Saul Leblon).

Este bloco organiza a direita intelectual de corte liberal e neoliberal, com o apoio ideológico dos grandes meios de comunicação (que jamais engoliram Lula e o PT), visando recuperar o partido tucano. Arruinado pelas suas lutas internas e fracionado pelos seus interesses regionais e empresariais divergentes, é preciso dar ao PSDB algum novo conteúdo para que ele possa renascer. Os Democratas não conseguiram cumprir esta função, o PMDB está dividido segundo os seus interesses regionais fracionários e o PSDB é o único sobrevivente autêntico do projeto representado pelos dois governos de FHC.

A tática supostamente renovadora deste “novo“ conglomerado não leva em consideração, porém, três mudanças fundamentais, que o país sofreu nos últimos dez anos. Estas mudanças possivelmente impeçam a restauração neoliberal:

Primeiro, o país já tem um universo empresarial novo, que se fortaleceu nos governos Lula, ao qual não mais interessa o projeto neoliberal em crise. Novos processos de acumulação “via” mercado interno, pré-sal, construção civil pesada e habitacional, setor de fabricação de máquinas e equipamentos, produção de bioenergia, produção de alimentos para consumo interno, negócios originários das políticas de cooperação e construção de infraestrutura - tudo orientado por ações normativas do Estado - afastaram amplos setores burgueses (tradicionalmente submissos à ideia de uma nação “associada e dependente”) dos seus antigos comandantes. Agora estes setores vinculam a reprodução do seu capital e dos seus negócios a outro modelo de desenvolvimento, ao qual o neoliberalismo só atrapalha.

Segundo, como o projeto pretendido pelo “novo” conglomerado não difere muito daquele do presidente FHC, e é uma restauração, ele tem impedimentos sociais de monta. A combinação ousada de reorganização financeira do Estado, com investimentos em infraestrutura, políticas de inclusão produtiva e educacional voltadas para as comunidades de baixa renda e, ainda, a incidência soberana do país no cenário internacional, constituíram bases populares fortes no país, em defesa do projeto comandado por Lula. Os governos Lula recuperaram a nossa autoestima, reduziram as desigualdades sociais e regionais, que sempre marcaram a história do Brasil e promoveram dezenas de milhões a condições de mínima dignidade. Ao não levar em consideração estas mudanças, o “novo” conglomerado tucano, mais a mídia e a intelectualidade liberal e neoliberal, descolam-se do sentimento popular e não conseguem promover o seu “novo” projeto.

Terceiro, a organização do “novo” conglomerado não leva em consideração, também, a existência nos dias de hoje das redes sociais, das novas tecnologias de informação, das redes de comunicação e informação alternativas, que formam núcleos de resistência e de produção de uma opinião pública livre. São os novos espaços autônomos que não estão subordinados aos velhos métodos de manipulação que permeiam a maior parte da grande imprensa. O controle da produção e formação da opinião não é mais aquele legado pela ditadura, já que há um amplo espaço autônomo de promoção da circulação da informação e da opinião, que é impossível de controlar.

Concordemos ou não com as sentenças que advirão do “mensalão”, elas deverão ser respeitadas por todos e por nós. É o Estado de Direito funcionando. Especialmente nós, do Partido dos Trabalhadores, devemos tirar lições políticas e jurídicas do episódio. Analisar todas as causas que abriram as maiores feridas na nossa história não significa inculpar pessoas ou buscar bodes expiatórios, pois a função de um partido político socialista não é a de ser sucursal de um Tribunal ou de uma Delegacia de Polícia. A função de um partido como o nosso é promover a condução intelectual e moral de um contingente do povo para levá-lo a melhores níveis de emancipação política e social.

O nosso patrimônio é maior do que este legado do “mensalão”. O nosso dever, agora, é compreender que se abre um novo cenário na luta política do Brasil e que devemos compor uma força política orgânica e plural, que amarre fortemente as convicções da esquerda democrática e socialista com os ideais progressistas da centro-esquerda e do centro-democrático. É um novo patamar de unidade política que deve ser pautado pelos partidos de esquerda, em conjunto, para organizar e dirigir esses novos contingentes sociais, que se organizaram na estrutura de classes da sociedade e cujo futuro não tem chances de ser beneficiado pelo “novo” e velho conglomerado.

(*) Governador do Estado do Rio Grande do Sul.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

A "Cadeia Nacional" era outra


Tirem as mãos da Embrapa!


 
Alguém poderia nos explicar as razões que levariam um parlamentar eleito pelo Partido dos Trabalhadores a propor o caminho da privatização para a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária? Sim, a nossa conhecida EMBRAPA, referência em todo o mundo quando o assunto é pesquisa agropecuária. Para quem tiver pistas ou respostas, cartas para redação.

Mas o fato é que foi apresentado no Senado Federal o PLS n° 222/2008, projeto nessa linha, de autoria de Delcídio Amaral, senador eleito pelo PT do Mato Grosso do Sul. Como a maioria das matérias no Congresso Nacional tem o ritmo de sua tramitação condicionado pelas marés da grande política, só agora nesse ano o projeto passou a receber maior destaque da imprensa e demais atores envolvidos.

Em 2009, a Comissão de Agricultura do Senado aprovou um relatório contrário ao projeto. A matéria ficou esse tempo todo esquecida, mas eis que no começo de 2012, ao passar pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), quase foi aprovada pelo Parecer do Relator nesse colegiado, o Senador Gim Argello – suplente do conhecido Joaquim Roriz do PMDB/DF, um dos grandes representantes do agronegócio no parlamento. O Parecer retornou ao Relator e aguarda o momento de voltar à pauta da CAE.

Permanece o mistério a respeito de sua eventual mudança de opinião. De qualquer maneira, os dois partidos aqui mencionados pertencem à base de apoio do governo e, em tese, bastaria uma sinalização clara do Palácio do Planalto para que a discussão fosse encerrada de forma definitiva. A dúvida que muitos se colocam é a respeito das razões que estariam levando o governo a se calar diante de tão grave risco.

Criada em 1973, a EMBRAPA deverá completar 4 décadas de existência no início do próximo ano. Ao longo de sua história, tem deixado um vasto elenco de contribuições para o desenvolvimento de nosso País nos setores da agricultura e da pecuária. A preocupação com a pesquisa de novas técnicas de sementes, lavoura e cultivo permitiu que o Brasil alcançasse importante grau de autonomia em relação aos países mais desenvolvidos. A inovação se fez presente também na busca de aperfeiçoamento de raças e espécies para nosso plantel tradicional de carne e leite, mas ampliando para outros campos da produção animal (aves, abelhas, peixes, entre outros).

Constituída desde sua criação sob a adequada forma de empresa estatal do governo federal, a EMBRAPA sempre buscou manter uma estreita parceria com as linhas de trabalho desenvolvidas no interior das universidades brasileiras e demais centros de pesquisa similares. Por outro lado, sua proximidade com a realidade concreta do campo se baseava na formação e capacitação de seu quadro funcional, de maneira a sempre buscar converter os resultados das pesquisas em verdadeiras conquistas para a atividade agropecuária nacional. Exatamente em função de sua característica pública e estatal, a empresa logrou manter sua independência face aos grandes grupos do agronegócio multinacional e foi exitosa em estabelecer uma forma bem brasileira de operar com a agropecuária.

Enquanto o paradigma da abertura de mercado, por meio da internacionalização da economia, se generalizava por todas as áreas, a EMBRAPA lutava para preservar sua autonomia de pesquisa e de resultados. Com isso, conseguiu demonstrar ao Brasil e ao mundo que era possível ser eficiente e propor uma forma específica, particular, nossa, de operar no mundo vegetal e animal com vistas a aumentar a oferta de meios para assegurar a alimentação da população. E tudo isso em um modelo jurídico de “empresa pública”, em que a totalidade do capital é propriedade da União.

Na verdade, um dos problemas que a empresa atravessa é a política de corte de verbas ao longo dos últimos anos. A obsessão dos sucessivos governos com a obtenção de superávit primário a qualquer custo provocou a redução paulatina dos gastos nas chamadas áreas socais. No caso da EMBRAPA, a capacidade de investimento e de atualização de suas pesquisas foi seriamente comprometida com tal irresponsabilidade. No entanto, o que surpreende os analistas é a incrível capacidade de seu corpo funcional em permanecer fiel ao projeto original e oferecer um maravilhoso exemplo de resistência, não obstante as dificuldades enfrentadas em seu cotidiano.

Mas, então, afinal o que nos propõe o Senador Delcídio? Desde logo já vou avisando: não, não se trata daquela privatização clássica, de venda total do patrimônio da empresa. Ele “apenas” sugere a sutil transformação do estatuto jurídico da EMBRAPA – que deixaria de ser empresa pública e passaria a ser empresa de economia mista. Além disso, um artigo de seu projeto permite que 49% do capital da empresa sejam de propriedade do capital privado e negociados nas bolsas de valores. O transformismo retórico já viria nos argumentar que – ora, veja bem, Paulo! - não se trata de privatização, mas tão somente de abertura da participação acionária ao capital privado. Mais ou menos como tentam nos convencer de que a concessão por 30 anos de uma ferrovia tampouco se caracteriza como uma forma sutil de privatização. Ou que a concessão de exploração de poços de petróleo, por décadas pelas grandes corporações estrangeiras, também escapa à definição de privatização.

De acordo com as palavras do próprio autor do Projeto,

“Para buscar solução aos problemas orçamentários da empresa, bem como para modernizar sua estrutura operacional, reduzindo o excesso de burocracia, apresentamos a proposta de alteração de seu regime jurídico, tornando a Embrapa uma empresa de economia mista, com ações negociadas em bolsa. Esse procedimento permitirá que a empresa capte recursos de grandes companhias de pesquisas em produção agrícola, dando condições para que se torne competitiva, sem qualquer risco de perda, por parte do Brasil, de todo o conhecimento já adquirido e do que ainda há de ser desenvolvido pela Embrapa.”

Ora, se por um lado o Senador Delcídio acerta a respeito da necessidade de medidas para superar os citados “problemas orçamentários da empresa”, por outro lado ele se equivoca profundamente com a solução apontada - a privatização. A eficiência da EMBRAPA em sua área de atuação é fenômeno de amplo reconhecimento em nosso País e mesmo no exterior.

Se o governo considera estratégico para o desenvolvimento sustentável um órgão público com tal experiência acumulada e capacidade técnica qualificada, basta fazer com a nossa empresa de excelência em agropecuária o mesmo que tem feito com o BNDES, o Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal e Petrobrás.

Trata-se de uma operação singela de aporte de recursos e capitalização, uma vez que a União é detentora de 100% do capital da EMBRAPA. No caso das estatais mencionadas, são freqüentemente anunciadas operações de injeção de recursos por parte do Tesouro Nacional da ordem de muitas dezenas de bilhões de reais. A intenção é capitalizar a empresa, reforçar seu caixa no curto prazo e aumentar sua capacidade de investimento para o médio e o longo prazos. Exatamente o que se faz necessário e urgente também com a EMBRAPA, para evitar seu sucateamento e permitir que ela se recoloque em condições de continuar apresentando no futuro o que sempre fez muito bem até recentemente.

Oferecer a possibilidade de participação do capital privado até o limite de 49% das ações, ainda com a alternativa delas serem negociadas em Bolsa, é de uma irresponsabilidade atroz. Esse cenário abriria a estratégia de presença no interior da direção e da administração da empresa para suas poderosas concorrentes multinacionais. Afinal qual seria o interesse das empresas estrangeiras do oligopólio global de sementes, transgênicos, fertilizantes e agrotóxicos em participar de eventual abertura oferecida pelo governo brasileiro? Obviamente que o objetivo seria criar dificuldades para aquela que vem representando uma alternativa a seus mega-negócios, ou seja, inviabilizar a EMBRAPA como empresa.

Ou alguém tem alguma ilusão a respeito das boas intenções de Monsanto, Syngenta, Dow Chemical, Bayer, Basf e Dupont, entre tantas outras candidatas a essa generosidade a elas oferecida, quanto à continuidade dos programas desenvolvidos até agora pela EMBRAPA? Os resultados das pesquisas e o desenvolvimento tecnológico alcançado pela empresa brasileira caminham no sentido contrário aos interesses desses gigantes do complexo econômico do agronegócio. Por que desenvolver cultivares adaptados aos biomas brasileiros? Por que se preocupar com aspectos “secundários” como tecnologia social, inclusão social e respeito à sustentabilidade? Por que estabelecer programas de cooperação internacional com países latino-americanos, africanos ou asiáticos?

Se o governo pretende retirar qualquer dúvida a respeito da privatização da EMBRAPA, esse é o momento. Afinal, depois de estimular a concessão de setores especiais para a exploração pelo capital privado - como fez recentemente com ferrovias, aeroportos, portos, hidrovias e rodovias – paira no ar um certo desconforto político junto aos grupos que defendem a importância da presença do Estado em setores estratégicos de nossa economia. Além disso, é bom lembrar também que a Senadora Kátia Abreu (TO), presidente da Confederação Nacional de Agricultura, acabou de sair do DEM e agora faz parte da base de apoio do governo no Congresso (sic). E o Palácio do Planalto tem demonstrado receio em contrariar os interesses da bancada ruralista, como ocorreu com a votação do Código Florestal.

O que se pede é muito simples: basta que a Presidenta Dilma desautorize a intenção de apoiar esse PLS privatizante e anuncie claramente que seu governo não pretende autorizar a participação do capital privado na EMBRAPA. E, claro, que apresente, ao mesmo tempo, uma estratégia efetiva de recomposição da capacidade de investimento da empresa, por meio de aportes do Tesouro Nacional. Afinal, como diz o poeta, o tempo não pára e a empresa não pode correr o risco de ficar para trás.
 
 
O texto é do Paulo Kliass, Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
 
Originalmente na Carta Maior

domingo, 2 de setembro de 2012

A lógica irracional que capturou a urbanização

Gigantescas cápsulas de concreto onde convivem a riqueza desmedida e periferias conflagradas, as cidades brasileiras se agigantam como o repositório do que temos de pior em termos de imprevidência pública, desequilíbrio social e desordem ambiental desconcertante. Enlaça-se aí, em contrapartida, uma densa rede de forças e organizações populares. Abrigam-se em suas entrahas universidades, centros de pesquisa e ONGs --a massa crítica intelectual mais vigorosa da sociedade.

Avulta que a qualidade de vida nesse caldeirão está muito aquém do seu potencial para esquadrejar, planejar e construir soluções inovadoras cobradas pelo colapso das formas de viver e de produzir em nosso tempo.

A urbanização brasileira, a exemplo do que ocorre em maior ou menor grau no resto do mundo, foi capturada pela mesma lógica irracional, que terceirizou aos ditos 'livres mercados' os destinos da economia e do desenvolvimento. A supremacia dos interesses financeiros tem nas cidades seu bunker. A terra urbana é seu pasto de engorda mais cobiçado. Com um agravante.

O ciclo neoliberal aqui aguçou o viés excludente imposto pela ditadura militar, que promoveu um dos mais fulminantes êxodos demográficos da história, associado à expropriaçao de direitos politicos e o banimento reopressivo das organizações sociais. No curto espaço de três décadas, dos anos 70 ao final dos anos 90, mais de 30 milhões de brasileiros foram expulsos do campo para cidades sem cidadania.Não por acaso, segundo dados da ONU-Habitat, o Brasil é hoje um dos país países mais urbanizados do mundo (86,6%). Grandes demografias, como os EUA, por exemplo, levaram um século para concluir a transição campo-cidade percorrida em décadas no caso brasileiro.

Urbanização entre nós é quase um compêndio de desequilíbrios e injustiça social.

Equacionar as várias camadas de desafios aí empilhados requer a aglutinação das energias progressistas nascidas nesse processo. Esse é o objetivo da nova Editoria de Cidades que Carta Maior, que estréia em nossa página neste fim de semana.

Ao escolher a arquiteta Maria Ermínia Maricato para dirigi-la, Carta Maior reafirma a natureza distinta do jornalismo que pratica: um jornalismo crítico, a serviço da transformação social.

Não qualquer transformação. Aquela ordenada por uma democracia verdadeira, capaz de destravar o acesso à riqueza e fazer do bem comum o espaço da convivência virtuosa entre as potencialidades de cada um e o bem-estar de todos.

Sem ilusões: isso não se faz à frio, como sinaliza Ermínia Maricato no texto de apresentação da Editoria (leia no especial 'Cidades em Transe'). Diz ela:

"Embora a agenda social tenha mudado nos últimos nove anos favorecendo ex-indigentes, ex-miseráveis ou simplesmente pobres (bolsa família, crédito consignado, aumento do salário mínimo, Prouni), embora as obras urbanas se multipliquem a partir do PAC e do MCMV, ambos por iniciativa do governo federal, as cidades pioram a cada dia.Distribuição de renda não basta para termos cidades mais justas, menos ainda a ampliação do consumo pelo aumento do acesso ao crédito. É preciso “distribuir cidade”, ou seja, distribuir terra urbanizada, melhores localizações urbanas que implicam melhores oportunidades. Enfim, é preciso entender a especificidade das cidades onde moram mais de 80% da população do país e representam algumas das maiores metrópoles do mundo".

Em resumo, ir além da meritória redução da pobreza para promover a redução da desigualdade implica reformas estruturais. A exemplo da reforma urbana, a agenda do novo ciclo que pede para nascer inclui uma reforma agrária pertinente ao século XXI; uma reforma tributária que abranja o estoque da riqueza acumulada; uma reforma política que alforrie partidos e eleitores do cabresto do financiamento privado de campanhas e amplie os canais de consulta à sociedade; uma reforma financeira que subordine o dinheiro ao imperativo de fornecer crédito e investimento à economia.

Contribuir para pactuar a força dos consensos e agendas reclamados pelo desafio urbano é o propósito desta editoria que não por acaso nasce em meio a um processo de renovação das administrações municipais nas eleições de 2012. A escolha é deliberada, ms compromisso mudancista que não se esgota no calendário oficial do voto.  
 
Por Saul Leblon, no Blog das Frases da Carta Maior

Democracía que incomoda lá e cá