terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Bom natal pra quem é cristão, dane-se Papai Noel e novo ano vigoroso


Até a última hora, achei que não ia precisar escrever coisinhas fraternas de natal e final de ano. É sempre aquela velha historia de desejos de paz, alegria, saúde, sucesso, felicidades, quase sempre meio forçadas. Uma solução ia pintar, eu pensava. "Um ano tão legal!", hora de construir um discurso fora desta lógica. 

Alguns leitores e ex leitores do Blog com quem me encontro, ou que me escrevem, dizem que eu estava quase parando, escrevendo pouco sobre tudo. É verdade. Naturalmente que o ritmo diminuiu, desta vez cheguei a montar uma retrospectiva política e financeira para publicar, mas ficou muito numero, parecia uma tabuada, os resultados positivos do país são incontestáveis, todos sabemos. O discurso da oposição e da mídia comercial que é sua porta voz continua o mesmo. Lá se vão 11 anos de previsão do caos que não se confirmam. 
Nesta perspectiva decidi que a mensagem tinha que ser mais intima, mais leve ...assim como tomar um chope, ou uma conversa de balcão. Algo para meus leitores, aqueles de todo dia que me honram com seus cliques, pra além dos facebooks da vida. Vem-me a memória algo que li não sei onde, e que diz "Quem teve a ideia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano foi um cara genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dão pra qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro numero e outra vontade de acreditar, que daqui pra diante tudo será diferente".

O que mais me impressionou nestes12 anos de blog foi à intimidade criada entre eu e os leitores, num grau como nunca tivera antes. Escrevi coisas, fiz confissões que jamais faria em papel impresso. É bem verdade que nada explosivo, grave, nenhum crime. Mas, de qualquer maneira, os embates às vezes foram ferrenhos. Opiniões e posições assumidas geram "tremores" que considero salutar. Em que outro lugar eu contaria minhas peripécias para acabar com a barriga de chope, E ao mesmo tempo dar pitácos em questões de economia e política? Sempre vigilante com a "mídia" conservadora e arcaica. Observando seus erros mais grosseiros e enaltecendo posições corretas. Não me perguntem por quê. A hipótese mais provável é que a gente escreve aqui como se estivesse respondendo ao e-mail de um/uma amigo/amiga. 

Há leitores de quem nunca vi a cara, de quem nem a idade sei e que se tornaram amigas ou amigos _ de fato, com sinceridade. Sabem sobre mim, dão palpites na minha vida, me fazem confidências, declarações de admiração, de ódio, muitos xingamentos impublicáveis. Acho que sinto falta até do Abstrato, (anônimo) o mais cretino dos comentaristas - ô, raça! -, pra você ver como tenho mesmo uma impressionante capacidade de deletar o que de ruim existe nas coisas boas que vão ficando pra trás. 

Acredito que, com o tempo, meus inimigos (adversários) vão virar pessoas perfeitas, tamanha facilidade que tenho para esquecer as crises e o que é ruim, acredito que é assim que devemos tratar nossos algozes, além é claro de reprovar os comentários. Prometo-lhes um ano repleto de artigos meus, com profundas reflexões acerca da política, da economia do Brasil e com muita conjuntura de mercados regionais e mundiais, como sempre foi o propósito deste espaço. As condições estão postas;

Chatos, muito chatos, são só estes momentos inevitáveis em que velamos uma bela história que se acaba como o ano que se vai. Entretanto amigo/as, o Natal e o Ano Novo está ali na esquina nos aguardando e as coisas boas que nos advindas disso, são do tamanho dos sonhos e da esperança de todos e cada um de vocês. Desejo de fato um excelente ano, bons festejos a todos nós e acredito veementemente que 2014 será excepcionalmente bom e realizador para todos nós.


Voltarei a escrever depois de curar todas as ressacas possíveis.



segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

O cidadão Teletubbie

Pensar pra quê? Ouvir o voto pra quê? Em nosso primário exercício de assimilação, tudo "termina em pizza e ninguém precisa de juiz. Basta votar em enquete  por Matheus Pichonelli


Há um momento da vida em que o mundo ao redor é um amontoado de signos sem significados. Chama-se infância. Nessa fase, uma pedra não é uma pedra. Não tem sequer nome. É apenas um material disforme que simplesmente existe. À medida que aprendemos que uma pedra é uma pedra e não um ovo, passamos a assimilar a ideia de valor e grandeza. De significado, enfim. Leva tempo.

Mal resumindo, é assim que aprendemos a compreender o mundo, até então uma associação inicial e pouco sofisticada de ideias projetadas em sílabas repetidas vagarosamente. Como numa peça de Lego, encaixamos as sílabas “a” “ma” “re” e “lo” e associamos o borrão apresentado em um cartaz, ou na tevê, ao nome das cores. Vemos o desenho de um arco ascendente e alguém explica ser um “sor-ri-so”. E descobrimos que a bola de fogo a-ma-re-la de-se-nha-da é o “sol”. Daí o sucesso de programas como Teletubbies na formação dos nossos quadrúpedes (porque ainda engatinham) não alfabetizados. Peça por peça, eles aprendem a codificar o mundo. E se tornam adultos.

Nessa nova fase, aprendemos – ou deveríamos aprender – que existe uma infinidade de tamanhos, formas e cores de pedras, algumas com muito mais do que cinquenta tons numa mesma superfície, tenham elas nomes inventados ou não. Umas têm valor de uso, e servem para a guerra. Outras têm valor de troca, e vão parar nos pescoços mais endinheirados. Alguns dirão a vida toda que, não importa o que te ensinam, é sempre bom desconfiar de afirmações categóricas de quem jura que uma pedra é uma pedra e que isto não se discute. E se uma pedra é capaz de provocar tanto embate, o que não se vê e nem se toca é nitroglicerina pura. Ao longo dos séculos, o que dá dentro da gente e e não devia também recebe nome, valor e peso, mesmo sem ter forma nem espessura. Com base nestes nomes, criamos as leis (filosóficas, físicas, jurídicas e até sentimentais). São elas as responsáveis por regular as mais complexas, inconfessáveis, inacabadas, incompletas, mal diagnosticadas e muitas vezes inomináveis relações humanas. Alguns estudam estas leis. Por anos. Pela vida toda. Mais do que qualquer outro bípede, que a essa altura da vida já não engatinha.

No mundo ideal, seria prudente ouvi-los antes de tomar posição. Mas, no mundo real, ainda estamos conectando peças de Lego, as sílabas jogadas por variações de um mesmo Teletubbie que nos ensinou a falar quando nossa manifestação verbal era ainda gutural. Tornamo-nos bípedes, mas continuamos babando, repetindo com a boca e os olhos hipnotizados, com vozes vacilantes, as associações criadas neste grande programa Teletubbies que é a televisão, o rádio, a revista, o jornal, o meme de duas frases do Facebook e o e-mail da tia indignada: “ban-di-do”, “im-pu-ni-da-de”, “is-so-é-u-ma-ver-go-nha”, “cor-ruP-Tos”, "cu-ba-nos-mal-va-dos", "va-mos-a-ca-bar-como-a-Ve-ne-zu-e-la" (custa crer que alguns aprenderam a repetir as sílabas dos "embargos infringentes" sem a ajuda do lexotan).

As associações, muitas vezes, são criadas por cores ou rostos. Não é preciso saber o que é massa nem energia nem teoria nem relatividade para associar Albert Einstein a valores como “in-te-li-gên-cia”, “ge-ni-a-li-da-de”. Não é preciso sequer formular uma frase inteira. Basta repetir uma ideia pronta. Ou praguejar. Dizer se é bom ou ruim sem explicar os porquês. E dar sequência às reações coletivas, de manada, diante do vermelho. Ou do azul. Ou da foto um ex-presidente com barba. Ou de um ex-presidente sem barba. Não é preciso ler jornal, só a primeira frase do título; basta reagir diante de uma foto. Não é preciso sequer analisar o conteúdo. Nem diferenciar uma Constituição de uma capivara. Operamos, afinal, com símbolos prontos, acabados, imutáveis. E, assim, basta ao rockeiro boa-pinta colocar um nariz de palhaço para, como um bom Teletubbie, se comunicar com a sua plateia de Teletubbie: “bo-bo, “ban-di-do”, “sa-fa-dos”, “ca-na-lhas”.

Pensar pra quê? Ouvir o decano, ou quem quer que seja, para quê? Não importa o que se diga, nem em que se embase. No fim a única associação que conseguimos fazer do amontoado de palavras voadoras de significantes sem significados durante o voto de um ministro da Suprema Corte é que tudo é só uma grande "piz-za". Ou uma vitória da “de-mo-cra-cia”. Ou uma resposta aos “gol-pis-tas”. Ou uma “in-fâ-mia” à opinião pública que grita, sonolenta, "A-cor-da-Bra-sil" e sonha com o dia em que o Congresso e o Judiciário se transformem em um grande estacionamento privado. No país do “que país é este”, os porta-vozes da suposta maioria se ressentem pelas “o-fen-sas” constantes de uma corte de 11 juízes que usam as leis para afrontar a “jus-ti-ça” e proclamar a “im-pu-ni-da-de”. Ou de 594 parlamentares, “pa-gos-às-nos-sas-cus-tas” para, "on-de-já-se-viu", criarem leis. Leis para quê? Dependesse dessa maioria de pensamento binário, todas as contradições e penas e direito de defesa se resumiriam a uma grande enquete. “Se você acha que eles erraram e devem morrer, curta. Se acha que devem ser linchados, compartilhe. Participe. A sua opinião é muito importante. O final, você decide”. Nesta forma curiosa de aprimoramento democrático, pensar é dispensável, mas grunhir, feito porco, é exercício pleno de cidadania.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

A barragem humana de 2002 e o desafio de 2014


Se a Presidenta Dilma não pode assumir uma campanha equivalente pela circunstância de candidata e Chefe da Nação, que seja Lula a fazê-lo.



A histórica campanha de 2002, que conduziria um homem do povo à Presidência da República no Brasil, reuniu uma convergência de fatores exaustivamente dissecados na análise política dos últimos anos.

A ideia de uma sociedade flutuante, organizada pelo livre fluxo dos capitais e entregue à inconstância dos mercados globais, encontraria ali seu laboratório de contestação sobressaltado.

Na curva ascendente do dólar emergia o símbolo de uma inviabilidade que se tentava desesperadamente atribuir ao ‘risco Lula’.

Engessado em seus próprios termos, o governo adernava, descolando-se das referências cotidianas da população.

Nesse carrossel de incerteza e desemprego, a sociedade brasileira via se confirmar dentro e fora do país uma saturação de modelo nunca cogitada no discurso oficial edulcorado sobre o Consenso de Washington.

O conjunto deixava à candidatura do PSDB uma única linha de campanha: o terror. 

Lembra um pouco os dias que correm, nesse aspecto.

Diante de um imaginário diuturnamente assombrado pelo aparato conservador, o marketing da campanha petista desempenharia um papel relevante.

Vacinas de esperança contra a difusão do medo desdobravam-se na forma de imagens e jingles de competência reconhecida.

Quem não se lembra? ‘Lula-lá...’

Era, porém, o arremate.

A queda de braço substantiva travava-se em outro lugar.

Com o passar do tempo, porém, forças da moderação exercitaram a conveniência de atribuir ao componente publicitário uma dimensão superior a que ele teve no confronto de 2002.

A insistência nessa desproporcionalidade contaminaria a hierarquia e o método de ação política, dentro e fora dos ciclos eleitorais.

Sem negar o peso do marketing eleitoral na democracia moderna, cumpre resgatar a proeminência daquilo que foi relativizado na memória do partido e de seus estrategistas: a barragem humana pró-Lula que o PT mobilizou nas ruas e praças do país na memorável campanha de 12 anos atrás.

Mais que resgatar. 

Trata-se de ponderar o risco de uma insistência na centralidade publicitária, a conduzir a duríssima disputa pela reeleição da Presidenta Dilma, em 2014, delegando-se ao marketing a tarefa de romper a pesada cortina de fogo que se avizinha. 

Alguns apontamentos dos idos de 2002 ajudam a recompor uma hierarquia na qual a mobilização de rua exerceu uma proeminência com a qual o PT precisa se reconciliar. 

Em busca do futuro, 52,7 milhões de eleitores respiraram fundo e rasgaram o interdito à mudança em 2002. 

Analistas que a partir da desforra das urnas “descobriram” traços de messianismo no candidato e no povo brasileiro, perderam-se na epiderme. 

Se levassem em conta as aglomerações cada vez maiores a ouvir o ex-metalúrgico, talvez não tivessem cometido o tropeço de acreditar que a disputa presidencial de 2002 seria decidida no ar refrigerado dos estúdios de tevê . 

Ou na guerrilha psicológica, ora denominada em dólares, ora na argentinização da economia, ora na Carta aos Brasileiros –sinônimo para alguns de uma indiferenciação que desmoralizaria o voto e sua capacidade de mudança. 

A rua de 2002 estava programada para ser, quando muito, um ornato de uma campanha empalmada pelo terrorismo econômico e as manchetes pró-PSDB.

Não foi o que ocorreu. 

No movimento das multidões residia um dado da campanha inalcançável pela análise conservadora: a mutação do eleitor passivo , mero recipiente publicitário, em protagonista do espetáculo.

A certa altura do pleito, na antessala do primeiro turno, empresários mais atentos pareciam intuir a dinâmica em gestação.

A onda anti-Lula que se tentava semear com a chantagem do caos, o desgoverno, a comunização do país colidia com barragens humanas de fôlego superior à capacidade do mercado e da mídia renovarem um bombardeio que já ameaçava atingir seu próprio pé. 

Nos bastidores, vozes da elite admitiam que seria melhor se Lula ganhasse logo no primeiro turno, para devolver as ruas aos carros e as praças aos mendigos.

O país vivia uma prontidão massiva.

À presença do candidato, ela se derramava em gigantescas manifestações de um desassombro contagioso.

Nada é mais perigoso na vida de uma elite do que isso: gente e esperança nas ruas.

O risco da ingovernabilidade avolumava-se no colo de quem o alardeava.

Quem acompanhou desde o início o périplo de comícios e carreatas feitas por Luiz Inácio Lula da Silva em todo o país, não estranhou a explosão de otimismo cívico que irromperia na avenida Paulista meses depois, no domingo da vitória, 27 de outubro de 2002.

A trajetória do improvável candidato ‘sem diploma universitário’, como espetava o mote conservador, era a evidência da vitória possível contra a adversidade. 

Não havia subida do dólar capaz de deter a espiral de autoestima emitida dessas sinapses intuitivas.

Oficialmente, a agenda de comícios do PT começou no dia oito de julho, em Goiânia.

Antes, houve uma caminhada no centro de São Paulo. 

Morna. 

Ninguém previa o formigueiro em movimento no subsolo do país. 

Em pouco mais de vinte dias, porém, Lula já havia falado a mais de 100 mil pessoas em seis capitais. 

A afluência a sua passagem só fazia crescia. 

Na passeata que reuniu 30 mil no Recife, em primeiro de agosto, a bola de neve girou pela primeira vez. 

Gritos e aplausos das calçadas; chuva de papel picado dos edifícios de classe média.

O conjunto sugeria um novo patamar. 

A adesão popular no trajeto de quatro quilômetros, da Conde da Boa Vista, no centro, à cidade velha, surpreendeu os organizadores. 

Era um ensaio.

Dezessete dias depois: Santos.

Na principal cidade do litoral paulista, a bola de neve girou pela segunda vez. 

Agora, refletida no rosto das pessoas. 

Idosos de classe média baixa, carregavam netinhos pela mão.

Gente que não veste camiseta de candidato, nem empunha bandeiras, rastreava o jingle da campanha nos lábios. 

Ainda sem saber a letra.

Mas já contagiada pela proposta encorajadora:

“...é só você querer/que amanhã assim será/bote fé e diga Lula/bote fé e diga ...” 

Um senhor distinto de calça e camisa branca ensaiou passos de dança ao final do comício -- lá atrás, longe da militância que normalmente ocupa o gargarejo do palanque. 

Quase não havia repórteres cobrindo o evento daquela noite. 

O Datafolha ainda represava Lula nos 37% das intenções de voto. 

Mas a sociedade rigidamente engessada em um duplo torniquete de terror financeiro e jornalístico; acuada em um patíbulo no qual os credores internacionais faziam o papel da corda – e o Brasil o de pescoço-- começava a se convencer de que mudar era possível. 

A peregrinação de Luiz Inácio Lula da Silva pelo país era a senha. 

Nos palanques, a voz crispada, o suor respingado pelo rosto, não raro misturado às lágrimas, emitia a sonoplastia de uma trajetória de vida auto-explicativa, movida a coragem, teimosia e superação.

Por que não o Brasil

A pergunta começou a latejar na cabeça de milhões que nunca tinham votado no PT.

Em meados de outubro, a pressão da bola de neve já era tão forte que os deslocamentos do candidato transformaram-se num pesadelo para sua segurança.

Em Caruaru, PE, uma multidão quebrou os vidros de um hotel na tentativa de se aproximar dele. 

Mas os jornais não noticiavam. 

As tevês omitiam as cenas de receptividade calorosa. 

Muitos analistas continuavam a ecoar o presidenciável oficial, que fustigava a catarse emergente com o espectro do caos, se fosse derrotado. 

O jogo pesado entre o jornalismo conservador e o clamor da mudança estava escancarado. 

O próprio presidente-sociólogo dava mostras de ter captado a natureza irrefreável do que estava em ebulição.

Mas a resignação era insuficiente para corrigir oito anos em sentido contrário. Até porque, o alvo das cobranças agora já não se restringia apenas ao seu governo: ela questionava uma história de longo curso à qual ele, o seu governo e o seu partido haviam aderido. 

A República brasileira sempre foi fiel aos seus patrocinadores.

Grosso modo, disse uma vez Antonio Candido, ela foi uma vingança regressiva das classes dominantes.

O Império lhes havia subtraído os anéis, na tentativa de salvar a coroa, ao proclamar a Abolição, em 1888 --após 388 anos de equivalência entre trabalho e escravidão. 

O repto conservador foi a República que já nascera com a nódoa elitista.

Seriam necessários mais 99 anos, desde a proclamação, em 1889, (que teve voto a descoberto, vigiado pelos coronéis, até 1930), para que o chão do país, seu elo mais fraco, os analfabetos sucessores dos escravos, conquistassem o direito de opinar sobre a dita res pública.

Só na Constituição de 1988 eles deixariam a condição de eunucos cívicos para adquirir corpo e voz por inteiro através do voto.

Deu no que deu.

Um nordestino sem diploma universitário --como 167 milhões de patrícios; pau-de-arara, arrimo de família, torneiro-mecânico, monoglota, sem um dedo, que tinha tudo para entregar suas carências ao conformismo, invadiu a política pela porta da esquerda. 

Com a espantosa cumplicidade de 61,3% do eleitorado, tornar-se-ia em 2002 o chefe de Estado mais votado da história republicana.

E o segundo do mundo. 

Perdeu para Reagan em números absolutos; o eleitorado dos EUA é maior que o brasileiro. 

Qual o segredo?

A vida de Lula se confundia com a biografia média dos brasileiros em suas inúmeras intersecções com acontecimentos que marcaram o país nos últimos 500 anos. 

Quando ele discursava era como se conversasse sobre a sua vida; e quando conversava era como se discursasse sobre a vida do país. 

O dono da voz devolveu ao país a sensação de familiaridade com a coisa pública e a política. E o fez assumindo-se como a síntese histórica, de carne e osso, de força e fraquezas, potencialidades e limitações que caracterizam o povo ao qual pertence. 

Nada mais distante de um messias do que um líder que reverencia, primeiro, aqueles que desbastaram o caminho para que pudesse chegar onde chegou. 

Era assim que o candidato iniciava a sua fala algumas vezes.

Foi assim também no palanque da vitória, em 27 de outubro de 2002, quando ele iniciou com uma homenagem aos mortos. 

Os que tombaram pelos que estão vivos; os que dedicaram sua existência aos que viriam depois: --Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Freire, Chico Mendes, Henfil... 

Lula ouvia e incorporava nomes soprados da multidão. 

Dividia as honras com o passado para compartilhar as responsabilidades pelo futuro. 

“Até aqui fizemos o mais fácil”, advertiu então, para convocar em seguida: “o difícil começa agora”.

Ao não se dissociar da rua, reafirmava-se como a expressão de um impulso histórico. 

“Aconteça o que acontecer”, reiterou à multidão emocionada que foi ouvi-lo na Avenida Paulista, quase à meia-noite, depois do segundo turno:

“Vocês serão sempre a referência, sem vocês eu não seria o que sou, eu não chegaria onde cheguei”. 

Trata-se de uma nova versão daquilo que repetiu tantas vezes nos palanques do Brasil:: ‘eu sou um produto das lutas sociais do povo brasileiro’.

A voz calejada reverbera não a vontade pessoal, mas a polifonia que liga os que já morreram aos excluídos de hoje e aos intelectuais comprometidos com o amanhã. 

Esse foi o principal recado da histórica disputa que sacudiria o Brasil há mais de uma década.

Um recado de atualidade inoxidável.

As mudanças de que a sociedade brasileira necessita exigem, mais que nunca, a participação dos seus interessados para serem efetivadas.

Exigem a mesma barragem humana que ocupou as ruas contra a captura da democracia pelo dólar e pelo terror midiático, em 2002.

Sem esse impulso, o candidato metalúrgico não venceria.

O presidente-eleito sucumbiria ao cerco do terceiro turno desencadeado logo após a sua posse. 

Não sobreviveria ao impeachment abortado pelo medo dos protestos, em 2005. 

Não seria reeleito em 2006. 

Tampouco faria a sucessora em 2010.

As pesquisas de intenção de voto indicam que há fortes chances de se adicionar um novo mandato --da Presidenta Dilma-- ao ciclo que já se estende por 12 anos.

Sem um aggiornamento do que se viu em 2002, sem a força e o consentimento acumulados nas mobilizações de então, será impossível revalidar o pacto mudancista que sacudiu a política brasileira. 

Mas, sobretudo, será impossível ir além dele, para dar cabo dos novos gargalos que desafiam o desenvolvimento a democracia brasileira.

Se a Presidenta Dilma não pode assumir uma campanha com essas características de combate por conta de sua dupla circunstancia, de candidata e Chefe da Nação, que seja Lula a fazê-lo de novo.

E que o PT saiba dar a isso a centralidade da qual hoje se ressente diante do cerco conservador que jogará sua cartada de vida ou morte em 2014.

Por Saul Leblon na Carta Maior

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Ser realista sem perder a utopia


O PT chega ao seu V Congresso, nesta 5ª feira, ancorado em um texto-base que desafia o partido, há 11 anos no poder, a ser realista, sem abdicar da utopia.

por: Saul Leblon



O PT chega ao congresso dos seus 33 anos -- que começa nesta 5ª feira, em Brasília-- ancorado em um texto-base que desafia o partido, há 11 anos no poder, a ser realista, sem abdicar da utopia. Para isso, adianta, precisa regenerar-se como o “intelectual coletivo” que se espera de um partido de esquerda. O PT se perdeu do socialismo, ‘não por negá-lo, mas por ser incapaz de pensá-lo de forma criativa’, diz o documento. Leia a seguir a íntegra da análise elaborada por Marco Aurélio Garcia e Ricardo Berzoini, bem como uma coleção de excertos de outros textos referenciais que marcaram a trajetória do partido.

Documento-base do V Congresso Nacional do PT- 2013

“Basta de realizações, queremos promessas!” Essa inscrição, bizarra e aparentemente insensata, apontava, no entanto, para uma questão crucial: as limitações de algumas experiências de governos de esquerda. Mostrava que o realismo político – que o exercício de responsabilidades governamentais exige – não pode sufocar a utopia, ficar cego e surdo às demandas que surgem na sociedade, mesmo quando elas aparecem como contraditórias.

Na esteira da Convocatória do Quinto Congresso (dezembro de 2012) e da Resolução sobre a situação política, do Diretório Nacional do Partido dos Trabalhadores (29 de julho de 2013), este documento propõe um conjunto de temas importantes para o debate interno do partido nesta primeira etapa congressual.

INTRODUÇÃO

A Convocatória do Quinto Congresso do Partido dos Trabalhadores (dezembro de 2012) conclamou o PT a realizar um balanço de seus 33 anos de existência e da experiência de uma década do Governo Democrático e Popular, iniciado em 2003 com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República, cuja continuidade foi assegurada com a eleição de Dilma Rousseff, em 2010.

O documento destacou a Grande Transformação econômica, social e política que mudou a cara do Brasil em 11 anos, projetando o país, de forma inédita, na cena internacional.

Ao mesmo tempo em que celebrava as conquistas de uma década, a Convocatória chamava a atenção para as lacunas que persistem na reflexão partidária.

O PT não tem sido capaz de construir uma narrativa de sua experiência governamental, tarefa de enorme importância política.

A um Governo progressista não bastam realizações – e elas foram muitas e relevantes. É indispensável um discurso que dê conta das transformações realizadas, de seus alcances e limites e, sobretudo, de seus desdobramentos futuros.

É fundamental mostrar como essas mudanças fazem parte de um projeto mais amplo de transformação da sociedade brasileira. Temos de evitar a auto-complacência, a perda de perspectiva crítica e analisar os obstáculos que se colocam à ação governamental e partidária.

Em algum lugar do mundo, apareceu há tempos, nos muros de uma cidade, a consigna “Basta de realizações, queremos promessas!” Essa inscrição, bizarra e aparentemente insensata, apontava, no entanto, para uma questão crucial: as limitações de algumas experiências de governos de esquerda. Mostrava que o realismo político – que o exercício de responsabilidades governamentais exige – não pode sufocar a utopia, ficar cego e surdo às demandas que surgem na sociedade, mesmo quando elas aparecem como contraditórias. 

Resumindo: não é fácil para um Governo, sobretudo de esquerda: 

(1) estabelecer equilíbrio entre ação e reflexão e entre o urgente e o importante;

(2) resolver as dificuldades institucionais e burocráticas que se antepõe à ação governamental e

(3) entender e dar conta das novas reivindicações que surgem na sociedade. 

Mas não é fácil para o Partido, tampouco, realizar a complexa tarefa de apoiar seu Governo e, ao mesmo tempo, empurrá-lo para além dos limites que lhes impõem a conjuntura ou instituições, muitas vezes arcaicas.

Os partidos políticos de oposição, e os meios de comunicação que os substituíram, têm sua versão sobre os onze anos de Governo PT.

Tem sido dito e escrito que os êxitos econômicos de Lula-Dilma foram apenas continuidade do Governo FHC.

Omitiram a herança deixada: recessão, juros abusivos, fortes pressões inflacionárias, descontrole cambial, vulnerabilidade externa, para só citar alguns itens.

As políticas sociais têm sido apresentadas como extensão de iniciativas do Governo anterior. Os mais radicais as desqualificam como “esmola populista”.

A política externa soberana – altiva e ativa – é caracterizada como “isolacionista”, fruto de um “extremismo terceiro-mundista”.

Grupos que, no passado, haviam privatizado o Estado, promovendo desmandos e privilégios, se transformaram em arautos da ética e da moralidade, escondendo as iniciativas, de nossos Governos, de transparência e de combate aos malfeitos nestes 11 últimos anos.

Quem governou longe da sociedade, criminalizando os movimentos sociais, se sente hoje no direito de apontar para supostas tentações “autoritárias” – quando não “totalitárias” – do PT. 

Esses e muitos outros exemplos mostram a necessidade do Partido construir a narrativa de seu Governo. Sem ela, ficamos na defensiva, ao sabor das versões que os monopólios de comunicação constroem cotidianamente.

Desde 2003, sobretudo, temos enfrentado dificuldades em mudar o sistema político brasileiro, verdadeira camisa de força que impede transformações mais profundas e impõe um “Presidencialismo de coalisão”, que corrói o conteúdo programático da ação governamental.

Embora crítico à conciliação que tem marcado a história do Brasil, o partido tem conseguido imprimir novo rumo e ritmo a suas políticas. Mas é ainda prisioneiro de um sistema eleitoral que favorece a corrupção e de uma atividade parlamentar que dificulta a mudança, a despeito da vontade das forças progressistas.

O sistema judicial, lento, elitista e pouco transparente, tem sido igualmente permeado por interesses privados. 

As medidas de reforma do Estado não foram capazes de remover os obstáculos burocráticos que criam empecilhos para o avanço mais rápida dos grandes projetos de infraestrutura, vitais para dar nova qualidade a nosso desenvolvimento.

Partido e Governo não souberam, afinal, desenvolver instrumentos de comunicação social que pudessem contra arrestar a permanente ofensiva conservadora dos grandes proprietários de jornais, rádios e televisões.

Na justa celebração das conquistas dos Governos democrático-populares dos 11 últimos anos, não podemos esquecer os enormes déficits sociais que ainda perpassam nossa sociedade: na saúde, na educação, no cotidiano das grandes cidades, especialmente na mobilidade urbana, no enfrentamento da violência e na segurança cidadã. É importante que o Governo afirme que o fim da pobreza é apenas um começo. Mas é importante igualmente avançar na reforma político- institucional do país para dar continuidade e mais velocidade à transição econômica e política em curso no país.

O Governo e o PT, responsáveis pela Grande Transformação da última década, sofreram paradoxalmente os efeitos das mudanças que desencadeamos. Essas mudanças fizeram emergir novos segmentos sociais, portadores de novas demandas, valores e aspirações que, muitas vezes, não tivemos a capacidade de entender plenamente. Em recentes processos eleitorais - no último pleito municipal de São Paulo, por exemplo – já se havia manifestado o fenômeno da atração de parte do eleitorado tradicionalmente petista por um candidato conservador, revestido de discurso populista. Nas manifestações de rua, de junho último, amplos segmentos da sociedade, sobretudo jovens, expressaram sua desconformidade para com a precariedade de muitas políticas públicas. Mais do que isso, manifestaram de forma difusa e, não raro contraditória, seu desconforto com o sistema e as práticas políticas brasileiros. Esses protestos atingiram as instituições e os políticos em geral e não pouparam nem mesmo o PT e governantes ligados ao partido.

Sem compreender plenamente o alcance e os limites das mudanças realizadas e o que estão pensando e sentindo os novos atores sociais será impossível superar as dificuldades do momento.

Partido e Governo não souberam, afinal, desenvolver instrumentos de comunicação social que pudessem contra arrestar a permanente ofensiva conservadora dos grandes proprietários de jornais, rádios e televisões. Não se trata de converter o Partido e o Governo em uma academia, mas de atribuir à reflexão política e econômica a importância decisiva que ela tem para uma ação transformadora.

UM MUNDO EM TRANSIÇÃO

Em 2008, a falência do LEMON BROTHERS desencadeou a mais grave crise da economia mundial desde 1929. Nos anos que antecederam esse episódio, muitos analistas denunciavam as ameaças que as políticas econômicas das grandes potências – sobretudo dos Estados Unidos – traziam para o conjunto da humanidade. A desregulamentação financeira havia transformado a economia mundial em um grande cassino, aumentando os riscos inerentes à atividade especulativa. Os Estados Unidos e a União Europeia experimentaram desaceleração, quando não recessão, de suas economias. Já a República Popular da China, depois de mais de duas décadas de crescimento acelerado, chegou à condição de segundo PIB global, com perspectiva de superar os EUA na próxima década, na dependência do êxito que tenha sua nova política de privilegiar a expansão de seu mercado interno.

Nos primeiros anos, a crise afetou desigualmente a economia mundial. Além da China, Brasil, Índia e Rússia, outros países ditos “emergentes”, experimentaram forte expansão, passando a ser responsáveis pelo crescimento da economia mundial.

Mas os efeitos prolongados da crise atingiram, mais tarde, também os emergentes, que não conseguem hoje reproduzir os bons resultados dos últimos anos, como se pode ver do desempenho atual da China e do próprio Brasil, entre outros.

No caso brasileiro, o dinamismo que a expansão do mercado interno criou, ainda que muito importante, não foi suficiente para garantir o crescimento mais acelerado que o país necessitava para dar conta dos enormes desafios que tinha pela frente.

Apesar dos avanços que se observam no Sul do mundo, que a formação e desenvolvimento do BRICS ilustram, as dificuldades que ainda enfrentam as grandes economias capitalistas, semeiam incerteza sobre o futuro.

A expansão monetária praticada originalmente pelos EUA e mais tarde pelo Japão, acarretou graves problemas para as economias emergentes – sobrevalorização de moedas nacionais – afetando sua capacidade exportadora. A mudança recente dessa orientação, por parte do Banco Central (FED) dos EUA, poderá comprometer os investimentos nos países emergentes.

A União Européia, mesmo tendo conseguido superar as ameaças que pesavam sobre o Euro, vive um prolongado período de recessão, agravado pelas políticas de “austeridade”, que estão desmontando o Estado de Bem-Estar, construído no pós Segunda Guerra Mundial. Milhões de homens e mulheres – sobretudo jovens – são lançados no desemprego e na desesperança. A persistência dessas políticas conservadoras, muito semelhantes àquelas praticadas pelos governos latino-americanos nos anos 80/90 do século passado, não encontra respostas à altura na maioria das forças de esquerda do Velho Mundo, estejam elas no Governo ou na oposição. Abrem espaço para o crescimento de grupos de extrema direita, para a proliferação do racismo e da xenofobia e corroem a democracia. Exemplo disso foram os “golpes” políticos aplicados pela alta finança na Grécia e na Itália, que desembocaram na constituição de governos tecnocráticos nesses dois países.

A continuidade dessas políticas tende a aprofundar a recessão, produzindo resultados opostos àqueles pretendidos e anunciados. A América Latina, como foi dito, conhece bem essa história! O capitalismo, quando não sofre pressão das esquerdas, tende a mostrar sua face mais cruel.

Do ponto de vista político, a situação europeia acompanha seu declínio econômico.
A Europa tem sido “terceirizada” pelos Estados Unidos para aventuras militares neo-coloniais na África, sobretudo, ou para provocações como a que envolveu recentemente o constrangimento imposto ao Presidente Evo Morales, “acusado” de transportar em seu avião o cidadão norte-americano Edward Snowden.

Os Estados Unidos superaram a fase mais aguda da crise, em função da força de sua economia, da capacidade de sua produção científica, tecnológica e de inovação – que injeta nova vitalidade a sua indústria – de seu poderio militar, e da autonomia energética que vêm conquistando.

Mas essa potência está enfrentando graves problemas nas esferas social e política.

No âmbito social, a recuperação da economia norte-americana tem sido acompanhada de forte concentração de renda, que aprofunda a desigualdade social.

A divisão que o país atravessa dificulta a adoção de políticas sociais para atenuar as desigualdades. A recente paralisação da atividade governamental, como consequência do boicote Republicano no Congresso, é um exemplo. As pressões conservadoras têm empurrado a política externa mais para a direita, em linha semelhante ao Governo Bush. A prioridade concedida à segurança tem sacrificado os proclamados ideais de liberdade. As “execuções” indiscriminadas, sem julgamento, pelos aviões não-tripulados dos EUA, as denúncias do Wiki Leaks e, mais recentemente, de espionagem global, particularmente no Brasil, corroem a imagem liberal que os EUA pretendem projetar no mundo. O fiasco da posição norte-americana em relação à Síria e as oscilações no caso do Irã, mostram o caráter errático da posição do EUA no mundo.

Hostil ao multilateralismo, os EUA formulam uma política de contenção da China e, mais discretamente, do BRICS. Suas propostas de uma zona de livre comércio com a Europa e a TPP (Parceria Trans-Pacífica) fazem parte dessa estratégia, assim como o estímulo à formação da Aliança do Pacífico, que reedita, de forma pouco disfarçada, o derrotado projeto da ALCA e busca criar uma alternativa ao MERCOSUL, à UNASUL e à CELAC.

A humanidade vive tempos incertos, cuja análise se faz urgente. A história ensina que, em circunstâncias semelhantes, são fortes os riscos de soluções de força para enfrentar as grandes contradições mundiais.

Ganha importância, assim, a política externa brasileira fundada na luta pela paz, na defesa do princípio de não-intervenção nos assuntos internos de outros países, na afirmação do multilateralismo e na constituição de um mundo multipolar capaz de dar nascimento a uma nova correlação de forças mundial. 

Desafios Programáticos
Reiterando que a orientação programática do Quinto Congresso do PT não se confunde com o enfoque que deve ter o Programa de nossos candidatos nas eleições de 2014, explicitam-se aqui os principais desafios do partido, em uma perspectiva mais duradoura.

* Uma política econômica que, preservando a estabilidade macroeconômica, seja capaz de impulsionar crescimento mais acelerado do país. O fortalecimento do mercado interno é plenamente compatível com um maior dinamismo de nossas exportações. O desenvolvimento será logrado com a expansão do investimento, com a continuidade e aprofundamento da renovação da estrutura logística e energética do país, com maior produtividade, resultante do desenvolvimento da educação e da inovação, e com um controle e regulação maior do capital financeiro, que dê prioridade à atividade produtiva.

* As políticas sociais, em sintonia com a política econômica, como vem ocorrendo, darão seguimento ao combate à pobreza e à desigualdade, por meio de políticas de emprego e renda, crédito, apoio técnico e financeiro a pequena, micro e média propriedades urbana e rural, educação e saúde de qualidade, habitação e saneamento, mobilidade urbana e segurança cidadã.

* O fortalecimento e aprofundamento da democracia, exige um ritmo mais acelerado da reforma do Estado e das instituições políticas e do combate à corrupção. Sem essas mudanças – que incidirão sobre a organização dos partidos, as eleições e a participação social – será impossível superar a crise dos mecanismos de representação, que se arrasta por anos e que ganhou particular importância nos últimos meses.

* Combate à violência do Estado e na sociedade. É urgente desmilitarizar as polícias estaduais, combater à tortura, reformar radicalmente o sistema prisional. A cidadania e os Direitos Humanos são atingidos duramente pelo massacre sistemático de nossa juventude, pela multiplicação dos atos de violência contra as mulheres, pelas recorrentes manifestações de racismo e/ou homofobia. Não haverá democracia sem cidadania forte. É fundamental a expansão dos direitos civis e a garantia plena de direitos para todos os setores da sociedade – minoritários ou não.

* A política externa do Brasil continuará marcada por uma presença soberana do país no mundo, pela busca da paz, respeito ao Direito Internacional e à autodeterminação dos povos, fortalecimento do multilateralismo e crescente integração da América do Sul, da América Latina e Caribe, assim como aliança com a África.

* Em sua política externa e interna o Brasil defenderá os princípios de uma economia social e ambientalmente sustentável, com todas suas consequências no plano energético, agrícola, industrial e no ordenamento urbano.

* A expansão e qualificação da educação, da ciência, tecnologia e inovação são elementos essenciais para um novo projeto de desenvolvimento e para a extensão da cidadania.

* A socialização dos bens culturais, a valorização das distintas expressões da cultura e a preservação do patrimônio histórico e natural são componentes fundamentais da democratização da sociedade.

SITUAÇÃO E PERSPECTIVAS DO PT

O Quinto Congresso do PT deve ser igualmente um momento de reflexão e debate sobre o presente e o futuro da estrutura partidária.

O partido nasceu da grande efervescência dos anos 70/80 quando as lutas das classes trabalhadoras da cidade e do campo e de outros segmentos da sociedade brasileira colocaram na ordem do dia o fim da ditadura militar e, ao mesmo tempo, a construção de um Brasil mais justo econômica e socialmente e de uma democracia onde se fizesse ouvir a voz de todos os brasileiros.

Mantendo uma enorme capilaridade em relação aos movimentos sociais, o Partido desenvolveu, por mais de uma década, importantes experiências governamentais em cidades e estados da Federação, que serviram para acumular experiência e formar os quadros necessários para conduzir o Governo da nação. Teve, igualmente, significativa atividade parlamentar.

Nos mais de trinta anos de existência do PT a sociedade brasileira mudou profundamente. Mas nem sempre o partido acompanhou essa mudança.

Preservou e aprofundou, por certo, sua democracia interna, garantindo um pluralismo político e ideológico que não existe em outras organizações partidárias.
Incorporou as mulheres, de forma paritária, a suas direções. Abriu espaços importantes de participação para os jovens.

Suas atividades governamentais ou parlamentares contribuíram para enriquecer uma visão concreta, não doutrinária, dos problemas nacionais, mas, ao mesmo tempo acarretou um certo afastamento do partido em relação a suas bases originais e àqueles novos segmentos que foram sendo beneficiados pelas políticas aplicadas por petistas em seus governos.

Governantes e parlamentares do PT, pressionados por seus afazeres institucionais, ganharam exagerada autonomia em relação à atividade partidária. Sindicalistas e dirigentes de organizações sociais nem sempre acompanharam as mudanças por que passaram seus movimentos. Esses e outros fatores contribuíram para certa burocratização do partido e consequente perda de importância de suas direções junto aos governos. Perdemos capacidade de análise das conjunturas e das perspectivas de médio e longo prazos de evolução do país e do mundo.

Somente a renovação de nossas instituições democráticas dará aos Governos e à sociedade a estabilidade Para que esses princípios se afirmem será necessário garantir a mais ampla e irrestrita liberdade de expressão, combater os monopólios da “indústria cultural” e regular os meios de comunicação, sem que isso implique em qualquer forma de censura ou controle de conteúdos. 

A democracia petista tem de expressar o pluralismo de ideias, nunca o conflito de interesses de indivíduos e/ou grupos.

Mas o partido dispõe de todas as condições para retomar sua trajetória original, dentro de um quadro histórico evidentemente distinto daquele de sua fundação e de seus primeiros anos.

Dispõe de bases sociais, fortemente ancoradas no povo brasileiro. Suas experiências no parlamento e em Governos, sobretudo na Presidência da República, proporcionaram-lhe um conhecimento extraordinário do Brasil. É um partido democrático, capaz de conviver com as diferenças internas, o que alimenta a curiosidade e o interesse de seus militantes em discutir os grandes problemas do Brasil e do mundo. Está, assim, apto a renovar sua cultura política e suas formas de ação. 

Deverá valer-se desses atributos para dar mais consistência a sua presença internacional, contribuindo para a recomposição das esquerdas em escala global, como ajudou a fazer na América Latina e Caribe com o Foro de São Paulo. 

REFERENTES POLÍTICO-IDEOLÓGICOS: PERSPECTIVAS ATUAIS DO SOCIALISMO 

O Partido dos Trabalhadores, como foi dito, nasceu em meio à mais grave crise pela qual passaram os distintos projetos socialistas do século XX. No ano de seu surgimento, a eclosão do movimento SOLIDARIEDADE, na Polônia, anunciava a crise do modelo soviético, que se aprofundaria em 89 com a queda do Muro de Berlim e, no ano seguinte, com a dissolução da URSS.

Nesse mesmo período, a Socialdemocracia da Europa, contaminada pelas idéias neo- conservadoras, começava a abandonar parte das políticas que haviam propiciado importantes conquistas às classes trabalhadoras daquele continente.

Esses dois movimentos históricos tiveram conseqüências profundas na correlação de forças internacional, aumentando o peso das grandes potências capitalistas, em particular os Estados Unidos. O PT e uns poucos partidos emergentes de esquerda no mundo não reivindicaram nem a herança autoritária do socialismo, nem sucumbiram à maré neoliberal em nome de nome de uma suposta “modernização” programática, como ocorreu com vários movimentos progressistas.

Pós-comunista e pós-socialdemocrata, o Partido dos Trabalhadores enfrentou combativamente, em fins dos anos 80 e início dos 90, a enorme pressão do neoliberalismo que se fez sentir no Brasil e na maioria dos países da América Latina. Contra-corrente, contribuímos para a desconstrução do Consenso de Washington aqui e, sucessivamente, em quase toda a América do Sul.

Pós-neoliberal, aplicamos políticas que fortaleceram a democracia econômica, social e política.

Acossados pelas tarefas de Governo e pelas vicissitudes da luta política, não fomos capazes, no entanto, de inserir as transformações que realizamos em uma estratégia de longo prazo, que pudesse apontar para uma efetiva renovação do socialismo no século XXI.

Para vencer esse desafio, são necessários o conhecimento teórico e histórico das distintas experiências socialistas, mas também uma análise da realidade brasileira que permita definir e lutar realisticamente por um projeto pós-capitalista no país.

A agenda é vasta e complexa e envolve a discussão de formas de propriedade e de organização da economia, inclusive a democratização do espaço fabril e de todos os locais de trabalho.

Envolve, também, a democratização e socialização da política, mudanças radicais na esfera da cultura e no cotidiano, sob a égide da mais ampla liberdade e do respeito dos Direitos Humanos.

O MOMENTO ATUAL E SEUS DESAFIOS

O Quinto Congresso do PT realizar-se-á em uma conjuntura política excepcional, marcada pelo renascimento de manifestações sociais, como as ocorridas em junho deste ano. A nova situação criada no país a partir dessas mobilizações e as soluções concretas que formos capazes de apresentar e realizar terão influência sobre a estratégia mais geral do Partido e do Governo e, de forma especial, sobre as eleições de 2014. 

A experiência acumulada nos últimos onze anos mostra que a superação de crises políticas semelhantes sempre passou pela mobilização da sociedade, especialmente dos amplos segmentos que historicamente nos têm acompanhado e daqueles que, mais recentemente, foram beneficiados pelas transformações econômicas, sociais e políticas lideradas pelos Governos Lula e Dilma. O passado ensina também que a mobilização de nossas bases sociais e políticas ajuda a recompor a sustentação institucional do Governo, inibe aventureiros, inclusive aqueles que se ocultam em uma fraseologia anti-capitalista e frustra as tentações golpistas que uma crise possa despertar.
Parte da sociedade, inclusive aquela beneficiária das transformações dos últimos anos, está insatisfeita com o ritmo – que considera lento – das mudanças e não vê alternativas para suas demandas nos políticos e nas instituições atuais. A violência e o vandalismo, que têm marcado algumas mobilizações, provocam ao mesmo tempo um sentimento de insegurança em parte da sociedade. Criam imagem de desgoverno e de ruptura do tecido social. Animam os aventureiros e os que defendem soluções autoritárias.

A Presidenta Dilma e o PT, diferentemente do ocorrido em situações análogas em outras partes do mundo, saudaram as manifestações e dialogaram com os manifestantes. Apresentaram propostas que buscam soluções para as reivindicações concretas das ruas e propuseram ampla consulta popular para enfrentar as questões político-institucionais.

Mas é fundamental mostrar claramente o que está em jogo no atual momento: a continuidade, o aprofundamento e inclusive a correção do que foi até agora conquistado. As oposições não apresentam um projeto alternativo. A maioria não consegue esconder a contra-reforma que pretendem levar adiante – medidas de austeridade que diminuirão os investimentos e porão fim à atual política salarial e de rendas, junto com o abandono do pleno emprego, para só citar algumas propostas que afetarão os setores mais desfavorecidos da sociedade. O MERCOSUL e a UNASUL serão enfraquecidos, quando não abandonados em proveito de projetos que reeditam a ALCA, ainda que sob forma distinta. A política externa soberana será substituída pelo alinhamento com as grandes potências. A América Latina, o Caribe e a África sairão de nossas prioridades.

O Partido dos Trabalhadores e o Governo nada têm a temer, salvo sua omissão e paralisia. Mais que um amplo conjunto de realizações passadas, temos um futuro a anunciar e a construir juntos.

Estes onze anos de Governo democrático e popular não serão um intervalo progressista em uma larga trajetória conservadora de nossa história. A última década mostrou que um outro Brasil foi possível, pois milhões de homens e mulheres compartilharam ideias generosas de mudança.

Quando saíamos da noite da ditadura, soubemos dizer “Nunca Mais!” Agora, depois de uma década de grandes transformações, afirmamos “Nunca Menos!

COMO APROFUNDAR O DEBATE DO 5º. CONGRESSO

A preparação do Congresso deve provocar um conjunto de debates aprofundados sobre temas de vital importância para definir uma visão estratégica da sociedade brasileira e de sua transformação radical.

1. O contexto internacional e a política externa brasileira;

2. Do pós-neoliberalismo a uma política econômica de desenvolvimento soberano e inclusivo;

3. As mudanças da sociedade brasileira e sua nova estrutura de classes: “nova classe média” ou “nova classe trabalhadora”;

4. Reforma do Estado e da sociedade. Combate à violência, defesa dos Direitos Humanos. Fortalecer a cidadania para ampliar a democracia. Democratizar as relações de trabalho;

5. Democratização da informação e da cultura;

6. PT – um partido para enfrentar os desafios do século XXI. Visão estratégica. Democracia interna.

7. O desafio pós-capitalista. Qual socialismo?

(Sugestões de Marcio Pochmann)

1. Globalização capitalista e caminhos para o socialismo;

2. Multipolaridade na geopolítica e as questões da soberania nacional;

3. Pós-neoliberalismo e as experiências dos governos progressistas na América Latina;

4. Brasil 2003-2013: próximos passos;

5. Nova estrutura social brasileira e as tarefas dos movimentos sociais;

6. Tecnologia, comunicação e informação – as bases da democracia e do desenvolvimento no século XXI;

7. Cadeias globais de valor e os desafios das políticas para o desenvolvimento produtivo;

8. Reconfiguração das ocupações e regulação das relações e condições de trabalho;

9. Integração e consolidação das políticas sociais frente às perspectivas de um novo padrão civilizatório;

10. Gestão pública diante da transição para a sociedade dos serviços;

11. Coesão social, violência e insegurança pública;

12. Padrão de financiamento e a progressividade tributária; questões a resolver;

13. Situações e soluções para as cidades e metrópoles brasileiras;

14. A sustentabilidade como desenvolvimento;

15. Representatividade e governabilidade: o modo petista na política brasileira. 
(Novembro de 2013)

Outros documentos referenciais da trajetória do PT

'A Nação é o povo e o Estado a sua expressão' 

"Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o País só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados e nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo."

(Manifesto de fundação do PT, no Colégio Sion, em São Paulo, em 10 de fevereiro de 1980. As primeiras fichas de filiação do partido seriam assinadas por Apolonio de Cavalho, Mário Pedrosa, Antonio Candido e Sergio Buarque de Hollanda)


'O socialismo petista pressupõe a socialização da política'

”A vitória eleitoral do nosso candidato em 2002 levou o PT para o governo, e o Partido passou a viver a experiência de ser Governo num país capitalista, numa sociedade de classes, em que o poder não é só o político, mas também o poder econômico, o da mídia e o militar.

O sonho de uma nova sociedade, superior à ordem capitalista vigente, diante das enormes tarefas de ser governo, levou a que nossos militantes, dirigentes e líderes maiores tomassem consciência de que a conquista de uma Nação soberana e democrática é parte integrante da luta pelo socialismo em nosso país.

Nesse sentido, as realizações do primeiro mandato do Presidente Lula e as que vêm ocorrendo neste segundo, no tocante à realização das tarefas democráticas e de defesa de nossa soberania são um importante passo para a acumulação de forças que vai permitir construir não só um Brasil socialmente justo, mas também independente e democrático.

"Para o socialismo petista a democracia não é apenas um instrumento de consecução da vontade geral, da soberania popular. 

Ela é também um fim, um objetivo e um valor permanente de nossa ação política. 

O socialismo petista é radicalmente democrático porque exige a socialização da política.

Isso implica na extensão da democracia a todos e na articulação das liberdades políticas - individuais e coletivas - com os direitos econômicos e sociais.

O socialismo petista pressupõe a construção de uma nova economia em que convivam, harmonicamente, crescimento com distribuição de renda. 

Para tanto, é fundamental reabilitar o papel do Estado no planejamento democrático da economia. 

O socialismo petista admite a coexistência de várias formas de propriedade: estatal, pública não estatal, privada, cooperativas e formas de economia solidária.

No caso brasileiro ganha especial importância o aprofundamento da reforma agrária e a relação a ser estabelecida entre a agricultura familiar e a agricultura de caráter empresarial [...].

O socialismo petista compreende que os recursos naturais não podem ser apropriados sob regime de propriedade privada, mas sim de forma coletiva e democrática, em sintonia com o meio ambiente e solidária com as futuras gerações". (III Congresso Nacional do PT; 2007)

Crise desloca a liderança da esquerda para a América Latina 

"A esquerda dos países europeus, que tanto influenciou a esquerda mundial desde o século 19, não conseguiu dar respostas adequadas à crise e parece capitular ao domínio do neoliberalismo. 

Por isso, há hoje um deslocamento geográfico de liderança ideológica da esquerda no mundo. Neste contexto, a América do Sul agora se destaca. 

Depois de ter passado por estagnação e forte inflação nas décadas perdidas%u0BC de 1980 e 90, e de seus governos aderirem à onda neoliberal, eis que despertou na década de 2000 para uma outra política, progressista e de forte conteúdo social. 

A luta da esquerda latino-americana contra as ditaduras militares fez dos valores democráticos parte integrante essencial nesta promoção de cidadania e soberania.

Neste cenário de crise mundial, cabe ao Partido dos Trabalhadores, bem como às demais forças de esquerda do Brasil e da América Latina, aprofundar seu compromisso com outra visão de mundo e com outro modelo de desenvolvimento, reafirmando a defesa da construção do socialismo.(...) 

A crise do neoliberalismo expressa sua incapacidade de responder aos desafios
sociais há muito tempo postos pelo socialismo, mas também aos desafios
ambientais de que o mundo adquiriu consciência nas últimas décadas. 

A dimensão ambiental desta crise internacional do capital é dramática, pelo
fortíssimo impacto da desregulamentação do capital nos recursos naturais do planeta e dos países do hemisfério Sul, em particular. 

Cada dia mais, a reflexão sobre nosso projeto de desenvolvimento no Brasil deve incorporar a dimensão da sustentabilidade ambiental, sem o que repetiremos os equívocos denunciados no 3º. Congresso Nacional do PT em certas tradições desenvolvimentistas de países capitalistas e do socialismo real. 

O Brasil, tanto por sua imensa diversidade natural, quanto pelos compromissos que de forma soberana e unilateral assumiu perante a comunidade internacional, não tratará a questão ambiental como apêndice, senão como parte essencial, de seu projeto de desenvolvimento. 

Como socialistas democráticos, queremos uma alternativa de civilização ao capitalismo, a ser construída democraticamente com o povo brasileiro, que esteja à altura de sua dignidade e de sua esperança, que promova a liberdade para todos, a soberania popular em regime de pluralismo, que universalize a condição plena e em igualdade dos cidadãos e das cidadãs, que seja multiétnica, que seja solidária com todos os povos oprimidos do mundo, que saiba construir novos modos de organizar a vida social para além da mercantilização do capital, da exploração social e da predação da natureza.

Um tal programa de civilização requer a construção histórica de um novo Estado democrático, republicano e popular no Brasil. 

Esta conquista só é possível em um quadro de um amplo e profundo ascenso dos partidos de esquerda, progressistas e democráticos, e dos movimentos sociais. 

Este ascenso apoia-se no fortalecimento estrutural das classes trabalhadoras e de seus direitos, promove a formação de uma maioria eleitoral sob a liderança da esquerda, dinamiza a formação de uma consciência pública afim aos valores do socialismo democrático, e, por fim, constrói uma rede de comunicação social capaz de expressar e dar voz pública plural a este bloco histórico.

É este programa que orienta o nosso diálogo com o povo brasileiro sobre o sentido das transformações que os governos Lula e o governo Dilma estão promovendo, suas conquistas históricas e seus limites - o que fomos capazes de construir e a longa caminhada que ainda temos pela frente.
(IV Congresso do PT; 2011)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Safra de grãos do “Brasil em crise” sobe 15,4% em um ano. Contra o comércio injusto, silêncio



Por Fernando Brito

O IBGE divulgou a estimativa de final de ano para a safra agrícola brasileira.

O ano deve fechar com 186,8 milhões de toneladas colçhidas, 15,4% a mais que as 161,9 milhões de toneladas produzidas no ano passado. Em números redondos, 25 milhões de toneladas.

Segundo o IBGE, houve Em relação à safra passada, houve altas de 10,8% na Região Centro-Oeste, 30,7% na Sul, 1,9% na Sudeste e 1,4% na Nordeste. Só na Região Norte houve queda de 3,8%.

O problema das exportações agrícolas brasileiras, sobre a qual se faz tanto alarde, além da defasagem cambial óbvia, é o preço internacional das commodities.

A soja, mais importante produto, teve queda de 11% em um ano, de novembro de 2012 para novembro de 2013.

O milho, que quase empata com a soja em volume – mas tem preço um terço mais baixo, em geral - caiu mais, no mesmo período: 38%.

É claro que boa parte disso é devido à redução do consumo mundial, que enfraquece a demanda.

Nada a ver com a nossa taxa de juros ou com o superavit primário, é obvio.

Mas mas quase sempre nenhuma palavra sobre isso na imprensa.

Só “custo Brasil”, gargalo nas estradas, no porto, etc…

Problemas reais e que estão sendo enfrentados, mas que são muito menores que a política de preços do mercado internacional.

E é nisso que tem a maior importância o acordo de comércio conhecido como Rodada Doha (a interminável negociação empacada desde 2001, que só começou a ter decisões no sábado).

Sobre isso, daqui a pouco, volto a escrever.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

A opinião pública como gado


O documentado condomínio entre o PSDB, cartéis e a prática sistêmica de sobrepreço nas licitações do metrô paulista era do conhecimento da mídia desde 2009.

A régua seletiva da emissão conservadora vive mais uma quadra de exibição pedagógica.

Vísceras, troncos e membros do grupo proprietário do Hotel Saint Peter, em Brasília, no qual trabalhará o ex-ministro José Dirceu, por apreciáveis R$ 20 mil, diga-se – se fossem R$ 5 mil ou R$ 10 mil as suspeitas seriam menores?-- estão sendo trazidos a público em cortes sugestivos.

Chegam desossados e moídos.

Salgados e pré-cozidos, basta engolir, sendo facilmente digeríveis em sua linearidade.

Sem guarnição, recomenda o chef.

Assim costuma ser, em geral, com as informações que formam o cardápio de fatos ou acusações relacionados ao PT.

Uma farofa seca de areia com arame farpado.

E assim será com o exercício do regime semiaberto facultado ao ex-ministro.

A lente da suspeição equivale desde já a um segundo julgamento.

Com as mesmas características do primeiro.

Recorde-se o jornalismo associado ao crime organizado que não hesitou em invadir o quarto de hotel do ex-ministro, em Brasília, para instalar aparelhos de escuta, espionar gente e conversas no afã de adicionar chibatadas ao pelourinho da AP 470.

O cenário esquadrejado em menos de uma semana –o emprego foi contratado na última 6ª feira— diz que não será diferente agora.

O dono do hotel é filiado a partido da base do governo (PTN), revela a Folha. Tem negócios na área da comunicação. Uma de suas emissoras, a Top TV, com sede em Francisco Morato (SP), conquistou recentemente o direito de transferir a antena para a Avenida Paulista.

Suspeita.

A Anatel informa que não, a licença foi antecedida de audiência pública. Sim, mas a Folha desta 5ª feira argui tecnicalidades, cogita riscos de interferência em outros canais etc

Não só.

Dono também de rádios, o empregador de Dirceu operou irregularmente uma antena instalada em terraço do Saint Peter, diz o jornal ainda sem mencionar o andar.

Deve ser o 13º.

A mesma Folha investiga ainda encontros do empresário --membro de partido da base aliada-- com o ministro Paulo Bernardo. Da Comunicação. A esposa do ministro é pré-candidata ao governo do Paraná..

Vai por aí a coisa.

Alguém com o domínio de suas faculdades mentais imaginaria que o ex-ministro José Dirceu, um talismã eleitoral lixiviado há mais de cinco anos no cinzel conservador, obteria um emprego em qualquer latitude do planeta sem a ajuda de aliados ou amigos?

O ponto a reter é outro.

Avulta dessa blitzkrieg uma desconcertante contrapartida de omissão: quando se trata de cercar pratos compostos de personagens e enredos até mais explosivos, extração diversa, impera a inapetência investigativa.

O braço financeiro da confiança de José Serra, Mauro Ricardo, seria um desses casos de inconcebível omissão se as suas credenciais circulassem na órbita do PT?

A isso se denomina jornalismo de rabo preso com o leitor?

Tido como personalidade arestosa, algo soberba, Mauro Ricardo reúne predicados e rastros que o credenciariam a ser um ‘prato cheio’ do jornalismo investigativo.

O economista acompanha Serra desde quando o tucano foi ministro do Planejamento (1995/96); seguiu-o na pasta da Saúde (1998/2002), sendo seu homem na Funasa, de cujos funcionários demitidos Serra ganharia então o sonoro apelido de ‘Presidengue’, na desastrosa derrota presidencial de 2002.

Nem por isso Mauro Ricardo perdeu a confiança do chefe, sendo requisitado por Serra quando este assumiu a prefeitura de São Paulo, em 2004/2006, ademais de acompanha-lo, a seguir, no governo do Estado.

Quando o tucano foi derrotado pela 2ª vez nas eleições presidenciais de 2010, Mauro Ricardo voltou ao controle do caixa da prefeitura, sob a gestão Kassab.

Esse, o trajeto da caneta que mandou arquivar as investigações contra aquilo que se revelaria depois a maior lambança da história da administração pública brasileira: o desvio de R$ 500 milhões do ISS de São Paulo, drenados ao longo do ciclo Serra/Kassab por uma máfia de fiscais sob a jurisdição de Mauro Ricardo.

O que mais se sabe sobre esse centurião?

Muito pouco.

Seus vínculos, eventuais negócios ou sócios, círculos de relacionamento e histórias da parceria carnal com o candidato de estimação da mídia conservadora nunca mobilizaram esforço investigativo equivalente ao requisitado na descoberta de uma antena irregular num terraço do Hotel Saint Peter, em Brasília.

Evidencia-se a régua seletiva.

Que faculta ao tucano Aécio –e assemelhados- exercitar xiliques de indignação ante as evidências de uma fusão estrutural entre o tucanato de SP, cartéis multinacionais e a prática sistêmica de sobrepreço nas compras do metrô paulista - desde o governo Covas.

Dados minuciosos do longevo, profícuo matrimônio, são conhecidos e circulam nos bastidores da mídia, de forma documentada, desde 2009.

Quem confessa é o jornal Folha de SP desta 5ª feira.

Repita-se, o repórter Mario Cesar Carvalho admite, na página 11, da edição de 28/11/2003 do jornal, que se sabia desde 2009 da denúncia liberada agora pelo ‘Estadão’ –cujo limbo financeiro pode explicar a tentativa de expandir o universo leitor com algum farelo de isenção.

Por que em 2009 esse paiol não mereceu um empenho investigativo ao menos equivalente ao que se destina aos futuros empregadores de José Dirceu?

O calendário político da Folha responde.

Em 2010 havia eleições presidenciais; o jornal preferiu investir na ficha falsa da Dilma a seguir os trilhos do caixa 2 tucano em SP.

No seu conjunto, a mídia tocava o concerto do ‘mensalão petista’. Dissonâncias não eram, nem são bem-vindas.

Transita-se, portanto, em algo além do simples desequilíbrio editorial.

Temas ou versões conflitantes com a demonização petista mereceram, ao longo de todos esses anos, o destino que lhes reserva a prática dos elegantes manuais de redação: ouvir o outro lado, sem nunca permitir que erga a cabeça acima da linha da irrelevância.

Assim foi, assim é.

Só agora – picados e salgados os alvos em praça pública-- o pressuroso STF lembrou-se de acionar o Banco do Brasil para cobrar o suposto assalto aos ‘cofres públicos’ da AP 470.

Pedra angular das toneladas de saliva com as quais se untou os autos do maior julgamento-palanque da história brasileira, só agora, encerrado o banquete, cogita-se do prato principal de R$ 70 milhões esquecido na cozinha?

O esquecimento serviu a uma lógica.

Até segunda ordem, perícia rigorosa providenciada pelo BB ofereceu uma radiografia minuciosa de recibos e provas materiais dando conta do uso efetivo do dinheiro nas finalidades de patrocínio e publicidade contratadas.

O documento capaz de trincar a abóboda da grande narrativa conservadora, nunca mereceu espaço à altura de seus decibéis no libreto dominante.

Ao mesmo tempo, o que a Folha admite agora, como se isso mitigasse o escândalo do metrô (‘Papéis que acusam o PSDB circulam há mais de quatro anos’) corrobora a percepção de que estamos diante de uma linha de coerência superlativa.

Ela traz a marca de ferro do que de pior pode ostentar quem se evoca a prerrogativa da informação isenta.

‘Cumplicidade’ diz o baixo relevo inscrito nas páginas e na pele daqueles que ironicamente, destinaram à opinião pública, durante todos estes anos, o livre discernimento que se dispensa ao gado na seringa do abate.

Por Saul Leblon, Editorial