“As empresas aderem a contratos. Para entender essa
modelagem contratual dos pedágios, nós devemos olhar que forças políticas
dominavam o Estado quando foram assinados” | Foto: Ramiro
Furquim/Sul21
Marco Aurélio Weissheimer
Especial para o
Sul21
Desde a década de 1980, o tema dos pedágios desempenha um papel central na
vida política do Rio Grande do Sul. O debate sobre a administração das estradas
ultrapassa a dimensão meramente econômica, envolvendo concepções sobre a própria
natureza do Estado. Para o governador Tarso Genro, que decidiu mudar o modelo de
pedagiamento vigente há décadas e motivo de muitas reclamações por parte dos
usuários, o que está em jogo neste processo vai além da questão dos pedágios em
si. “Trata-se, fundamentalmente, do tipo de relação entre Estado e sociedade que
interessa à maioria da população e não apenas a determinados grupos
econômicos”.
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Em entrevista ao Sul21, concedida terça-feira
(5) à tarde, no Palácio Piratini, Tarso Genro falou sobre a decisão do governo
gaúcho de mudar o modelo de pedágios vigente no Estado e as implicações
políticas, econômicas e sociais dessa iniciativa. Para o governador do Estado,
há uma disputa entre dois modelos sendo travada no Rio Grande do Sul. Ao falar
sobre esse tema, ele aponta o sentido estratégico de seu governar: formar um
novo bloco social e político no Estado. “Um bloco que pode ter suas contradições
internas, mas que deve ter um amálgama cultural, político e econômico portador
de um compromisso com um modelo alternativo em relação ao que ocorreu no governo
anterior”. Um governo que, diz ainda Tarso, “atrasou o Rio Grande do Sul em
todos os setores”.
Sul21: O que representa a decisão do governo gaúcho de mudar o modelo
de pedágios vigente no Estado. Quais são as diferenças entre o modelo atual e o
que está sendo proposto agora pelo governo?
Tarso Genro:
O modelo atual foi construído na época áurea da influência do
neoliberalismo e do Consenso de Washington sobre os governos. Essa também foi a
época em que a socialdemocracia começou sua grande guinada em direção à direita.
A repercussão desse ideário e dessa ideologia foi grande em países como o nosso,
que naquela época estava sujeito a governos que viam com simpatia essas reformas
de direita. Esse modelo correspondia a um certo ideal que permitiu a
constituição de um bloco político em torno dele. Havia um problema real nas
estradas que estavam mal cuidadas. A modelagem em torno da qual ele foi
articulado reunia a defesa do Estado mínimo, do Estado ausente e o uso de
recursos públicos para garantir a continuidade do pagamento da dívida. Além
disso, dava a oportunidade de, em torno de grandes negócios, articular grandes
empresas simpatizantes dessa posição política. O modelo foi gestado a partir
dessa visão.
Tarso: “Aqui os pedágios são caros, as cidades foram
cercadas por polos, os serviços são medíocres e as empresas que fecharam esses
contratos têm lucros extraordinários” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Há uma certa tendência, nos agrupamentos não neoliberais ou de esquerda, de
focar esse tema a partir da crítica às empresas. Na minha opinião, essa é uma
visão equivocada. As empresas aderem a contratos. Para entender essa modelagem
contratual dos pedágios, nós devemos olhar que forças políticas dominavam o
Estado naquela oportunidade e a que interesses essas forças políticas se
reportavam naquele momento. Os contratos gerados naquele contexto resultaram em
uma tarifa cara, em serviços medíocres (não ocorreu duplicação das estradas) e
constituíram verdadeiros polos de cerco, como o polo de Farroupilha que geraram
e ainda geram um descontentamento enorme em toda a sociedade.
“O modelo de pedágios atual é resultado de uma crise financeira dos estados,
particularmente dos Estados de Bem-Estar”
Sul21:Um dos argumentos dos defensores do atual modelo de pedágios
consiste em afirmar que o Estado não possui recursos para investir e garantir
estradas de boa qualidade. Qual a sua resposta a este tipo de
argumento?
Tarso Genro: Na verdade, o modelo de
pedágios é resultado de uma crise financeira dos estados, particularmente dos
estados de Bem-Estar que esvaziaram os seus cofres organizando um modelo de
socialdemocracia sem fundos. Esses estados foram se endividando
progressivamente. O que esse modelo de pedágios substitui é um aumento de
impostos que deveria ter ocorrido para permitir que o Estado fizesse obras de
duplicação e qualificação das estradas. Como isso ia contra a dogmática
neoliberal que prega a redução de impostos e, contraditoriamente, cobra serviços
de qualidade do Estado, optou-se pelo atual modelo de pedagiamento. O modelo de
pedagiamento, nos países desenvolvidos, inicialmente incide sobre comunidades
que, naquela época, tinham salários bastante satisfatórios. A população, ao
invés de pagar um imposto maior, passou a pagar os pedágios.
Em países como o nosso, buscou-se esvaziar as funções públicas do Estado e
cobrar tarifas de pedágio do conjunto da população que tem, em geral, salários
baixos. Esse negócio foi oferecido à iniciativa privada como uma nova fronteira
de acumulação de recursos. Isso foi feito também aqui no Rio Grande do Sul
naquela oportunidade.
Se compararmos, por exemplo, o pedagiamento das estradas europeias e a
qualidade dessas estradas, veremos que os resultados são muito diferentes
daqueles que conhecemos. Aqui os pedágios são caros, as cidades foram cercadas
por polos, os serviços são medíocres e as empresas que fecharam esses contratos
têm lucros extraordinários. Então, uma empresa pública, na nossa opinião, pode
baixar os pedágios de maneira significativa e prestar um serviço, no mínimo com
a mesma qualidade, e até melhor do que o que é prestado atualmente, reduzindo a
pressão sobre o bolso da população e das empresas transportadoras que acabam
transferindo o valor desses pedágios para os seus custos.
“Temos fortíssimos investimentos da União em estradas que não serão
pedagiadas e, se forem, será apenas para sua manutenção”
Sobre o tema dos investimentos, o Brasil há muito tempo não tinha capacidade
de investir. Está tendo agora. E esses investimentos que a infraestrutura
brasileira precisa tanto podem sair de pedágios bem administrados como de uma
relação do Estado com a União como está ocorrendo aqui no Rio Grande do Sul.
Temos fortíssimos investimentos da União em estradas que não serão pedagiadas e,
se forem, será apenas para sua manutenção. Portanto, um pedágio muito barato que
não será criado para repor o custo da obra como ocorre em pedágios que tem como
destinação a construção de estradas.
Neste momento, estamos estudando a possibilidade de uma parceria
público-privada na RS-10, com um grande retorno para a população da Região
Metropolitana, pois ela vai se tornar, na verdade, em uma grande avenida
metropolitana. Esse é um investimento que nós não temos condições de realizar.
Agora, um acordo como esse precisa ser muito bem estudado. O que não podemos ter
é um sistema de pedagiamento que redunde, como no caso atual, no favorecimento
exclusivo do polo privado e não do interesse público.
“Neste momento, estamos estudando a possibilidade de
uma parceria público-privada na RS-010″, afirma governador do RS | Foto: Ramiro
Furquim/Sul21
S
ul21: Ao propor essa mudança de modelo, o Rio Grande do Sul parece
estar adotando uma iniciativa singular no país. Há algum outro estado, hoje, que
está fazendo um movimento similar a este?
Tarso Genro:
Nos moldes em que estamos fazendo, não. Temos alguns princípios que
estão sendo obedecidos no modelo que estamos construindo que têm irritado
sobremaneira aqueles que bolaram o sistema de pedágio atual. Quais são as suas
características? Uma pequena empresa pública em termos de pessoal e de custo
operacional, que não cria um gigantismo estatal que depois não possa ser
mantido. Em segundo lugar, vamos adotar um mecanismo de discussão com a
comunidade, envolvendo inclusive a técnica de preço. Vamos discutir com a
população das regiões com pedágio e estabelecer critérios, inclusive para a
fixação das tarifas e sua atualização. Isso pode ser feito com questionamentos
do tipo: a comunidade quer que essa estrada seja duplicada em quanto tempo? Em
dez anos? Então, temos condições de oferecer esse preço de tarifa e a população
poderá verificar por onde o dinheiro entra e para onde vai. Nós teremos um
controle público sobre o movimento financeiro da EGR (Empresa Gaúcha de
Rodovias) e esse dinheiro não será misturado com dinheiro do Tesouro.
“Vamos rebaixar os preços dos pedágios dos automóveis e rebaixar ainda mais
os pedágios dos caminhões de carga”
Sul21: A posição das comunidades influenciará efetivamente a
definição dessas questões? Como isso ocorrerá?
Tarso Genro:
Sim, será levada em consideração. É claro que a técnica de preços para
o pedágio tem que ser discutida a partir de dados que a gente ofereça para a
comunidade verificar se estão corretos. Um terceiro aspecto importante é que
vamos rebaixar os preços dos pedágios dos automóveis e rebaixar ainda mais os
pedágios dos caminhões de carga. Esse é um ônus que é pago hoje pela população
de uma maneira surda e que não é levado em consideração pelo modelo atual. Há
custos de mercadorias, hoje, que são onerados por pedágios extremamente caros.
Reduzindo as tarifas poderemos ter, automaticamente, uma interferência sobre a
formação desses preços. Em quarto lugar, vamos construir um sistema de pedágios
comunitários cujo funcionamento estará sob o controle das populações
envolvidas.
Sul21: As empresas concessionárias apontam a existência de passivos e
prejuízos que deveriam ser pagos pelo Estado e anunciam uma longa batalha
judicial. O governo avalia que terá que enfrentar uma longa disputa neste
campo?
Tarso Genro: Cabe lembrar que esses pedágios
foram montados numa época de juros altos, de ausência de recursos, inclusive da
União, para investimentos, e de inflação alta. Esses fatores determinaram uma
técnica de formação de preço que está completamente desatualizada e que gerou,
na nossa opinião, lucros exorbitantes para as empresas. Então, nestas ações
judiciais, vamos cotejar a natureza desses contratos para verificar inclusive a
relação entre direitos e deveres. Nós fizemos um levantamento para ver se as
empresas estavam cumprindo suas obrigações contratuais. Além de não duplicarem
estradas, porque isso não estava previsto nos contratos, os serviços prestados
não estão adequados às exigências com as quais se comprometeram. Então, será uma
longa batalha judicial. O que estará em jogo nesta batalha, na verdade, não será
apenas o aspecto jurídico das contratações feitas, mas também o conteúdo dos
contratos firmados e a verificação se esses contratos foram feitos segundo o
interesse público e se esse interesse prevalece hoje. Nós achamos que não
prevalece. É possível que essas ações apontem para a existência de lucros
exorbitantes, o que não permitiria a correção das tarifas e não justificaria o
pedido de reparações.
Tarso Genro prevê longa batalha judicial com
concessionárias de rodovias | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Sul21: A decisão do governo de mudar o modelo de pedagiamento parece
ter um grande apoio da população. No entanto, na maioria dos meios de
comunicação, essa simpatia não aparece. A que se deve, na sua opinião, essa
disparidade de posições?
Tarso Genro: Há uma
profissão de fé, em boa parte dos meios de comunicação, no receituário
neoliberal. Há uma dogmática sobre as funções públicas do Estado, montada nas
décadas de 80 e 90, que ainda permanece em certos meios de comunicação. Isso
está retratado inclusive no próprio modelo de desenvolvimento que essa mídia
propôs para o Estado, processo este que está caracterizado em dois grandes
momentos. O primeiro foi a instalação da GM, retratada como um grande
acontecimento, e o segundo foi quando a Ford foi embora, no governo Olívio
Dutra. Eu lembro desses episódios porque eles têm a ver diretamente com a
questão das funções públicas do Estado.
“Nas décadas de 80 e 90, uma certa mídia procurou forjar uma ideia na
sociedade de que o PT e a esquerda eram contra empresas multinacionais, o que é
uma grande bobagem”
Naquela oportunidade foi forjada uma ideia na sociedade de que o PT e a
esquerda eram contra a vinda de empresas multinacionais, o que é uma grande
bobagem. Só quem não tem empresas multinacionais hoje é a Coreia do Norte. Os
outros países todos têm. Vivemos um processo de internacionalização da economia
onde as grandes empresas locais e globais se integram hoje no mesmo circuito de
relações comerciais. Isso é uma decorrência da própria evolução da sociedade
capitalista o que, aliás, foi previsto por Marx no velho Manifesto Comunista.
Quem não se deu ao trabalho de ler o Manifesto, poderia dar uma olhada nisso. A
internacionalização galopante da economia é uma das características da
universalização do capitalismo e da luta pela universalização dos direitos
também.
Então, a visão transmitida por essa mídia afirmava que todo processo de
desenvolvimento local tinha que depender dos processos de privatização do
Estado, como se não houvesse empresas privadas incompetentes e como se a
incompetência estivesse apenas do lado do Estado. Essas ideias forjaram um
modelo de desenvolvimento no Rio Grande do Sul. Todas as empresas que jogaram
sua sorte neste modelo, estão hoje em crise. Uma grande empresa como a GM, por
exemplo, muda de fornecedor como quem muda de gravata. Ela muda o modelo de seu
carro e muda de fornecedores. Isso pode gerar uma crise na economia local, que é
dependente, associada e subordinada e não meramente dependente associada como
são todas as grandes empresas hoje no mundo.
“Na medida que você discute o preço dos pedágios com a
comunidade e retira esse debate da visão exclusivamente tecnicista,
transformando-o também em um tema de uma política cidadã” | Foto: Ramiro
Furquim/Sul21
Nós invertemos esse modelo. Nós não queremos apenas grandes empresas do país
e do exterior, sejam montadoras ou não. Segundo o nosso entendimento, os
mecanismos que tem previsibilidade, permanência e capacidade de manejo pelo
capital local e pelo Estado são aqueles que vêm de baixo para cima. Vou dar um
exemplo concreto. Você faz um programa como o Mais Água, Mais Alimento. As
empresas que fabricam pivôs duplicam a sua produção e o seu número de empregos.
Quando o Estado faz encomendas para a iniciativa privada através de políticas
públicas de interesse social, isso gera uma dinâmica no capital que vai
corresponder a uma necessidade regional. Isso está sob o nosso controle. Agora,
as encomendas da GM não estão sob o nosso controle e nem as de nenhuma empresa
multinacional que, quando se instala aqui, gera determinados efeitos.
Sul21: Em que sentido o debate sobre os pedágios se insere neste
debate mais amplo sobre o desenvolvimento do Estado?
Tarso
Genro: O novo sistema de pedágios também corresponde a essa mudança de
padrão. A medida que você discute o preço dos pedágios com a comunidade e retira
esse debate da visão exclusivamente tecnicista, transformando-o também em um
tema de uma política cidadã, você estabelece uma corresponsabilidade com a
comunidade sobre os efeitos dessa política. E estabelece também um compromisso
de informação.
Esse fenômeno que ocorreu aqui no Rio Grande do Sul em torno dos pedágios é,
na verdade, um fenômeno político, pois engendrou um bloco de poder no Estado.
Não foi por acaso que, dois anos antes de encerrar o seu mandato, a governadora
Yeda queria prorrogar os contratos. Por que ela queria prorrogar? Será que era
uma visão de interesse público que estava predominando? Na nossa opinião, não.
Era uma certa antevisão de que seu governo, seu modelo, estava se esgotando, e
queria garantir a permanência dos negócios envolvidos naquele processo. Não
estou, aqui, falando de má fé. Estou falando, objetivamente, de visão de
desenvolvimento e de visão política.
A criação da EGR pelo nosso governo não é uma birra, mas uma concepção de
mundo e uma concepção de Estado. Nós vamos demonstrar com a EGR que, com um
custo menor para o cidadão, será possível prestar um serviço melhor. Essa é a
grande resposta que se deve dar na minha opinião nesta disputa que existe entre
privatização do Estado e cumprimento das funções públicas do Estado. Um exemplo
elementar: hoje nós entregamos 24 tratores para escolas técnicas do Rio Grande
do Sul. Você sabe há quanto tempo não eram entregues tratores para escolas
técnicas no Estado? Vinte anos! Por quê? Isso é uma visão de mundo, uma visão de
política e uma visão do sistema educacional.
“Empresários que eram íntimos, ou ainda são, de uma
ideologia e de uma prática de gestão que levou Yeda Crusius ao governo, eles não
gostam de nós. Eles não nos suportam” | Foto: Ramiro Furquim/Sul21
Esse bloco de mudanças que estamos fazendo aqui no Estado, que passa pela
educação, pelos 12% para a saúde e pela natureza do desenvolvimento altera toda
aquela visão medíocre que presidiu o Estado durante muito tempo e que não teve
acolhida no governo Olívio Dutra. O que essa visão medíocre dizia: o Estado
compõe a sua agenda a partir do grande capital global que diz o que devemos
fazer. A nossa visão é o contrário desta. O Estado compõe a sua agenda a partir
de uma visão do interesse público da maioria da sociedade, do sentido comum do
povo, abrigado nas forças econômicas empresariais e sociais que querem um modelo
que receba a globalização, colocando seus efeitos sob controle público.
Sul21: Considerando esse movimento de retomada do controle público de
vários setores da vida econômica e do próprio Estado e de envolver a população
no debate sobre o desenvolvimento, é possível perceber, no meio empresarial, uma
mudança de mentalidade que aponte para essa direção?
Tarso
Genro: Sim. Isso já é nítido. Quando damos um exemplo aos empresários
do que significa, do ponto de vista prático e do ponto de vista de ação pública,
o que chamamos de desenvolvimento de baixo para cima, grande parte deles entende
e se associa a nossa opinião. Na segunda-feira (4), por exemplo, lançamos uma
política para o leite aqui no Estado que visa dar maior rentabilidade para o
setor e supõe uma demanda de 40 mil refrigeradores de leite de um modelo
especial para a indústria metal-mecânica do Rio Grande do Sul. Essa demanda gera
emprego, desenvolvimento, mobilização no interior entre pequenas e médias
empresas que fabricam esses refrigeradores. Os empresários que estão envolvidos
com essa política, que recebem financiamento do Badesul, do Banrisul ou do BRDE,
passam a compreender a diferença entre um modelo e outro.
Por outro lado, há uma resistência em certos setores empresariais que é de
natureza ideológica. Aqueles empresários, por exemplo, que eram íntimos, ou
ainda são, de uma ideologia e de uma prática de gestão que levou Yeda Crusius ao
governo, eles não gostam de nós. Eles não nos suportam. Na visão deles, o fato
do Estado estabelecer uma relação com classes sociais que não são controláveis
pelas suas decisões políticas é uma coisa que os enfraquece. O que nós
oferecemos é um espaço público para o debate. Uma parte dos empresários,
normalmente, quando se reporta ao Estado é para pedir redução de impostos,
melhoria de serviços e mais investimentos, o que é uma contradição. Essa é uma
visão tradicional e curta de grande parte do empresariado.
No debate sobre esse tema, fazemos algumas observações: está bem, eu reduzo o
ICMS de vocês por um certo tempo, vamos ver como vai reagir a cadeia produtiva
para ver se isso vale a pena para o Estado. Ou então vocês me dizem, se eu
reduzir uma parte dessa alíquota para onde que eu a jogo. Eu não posso baixar a
minha arrecadação. Não há nenhum setor que possa contribuir com mais um
pouquinho? Quando dizemos isso, nunca ninguém oferece uma alternativa. Há uma
grande solidariedade de classe entre eles, o que é até natural. Mas quando
colocamos essa questão estão abrindo um debate sobre o interesse público, que
tem que ser mediado ou às vezes até mesmo confrontado com o interesse privado
imediato.
“O que ainda existe no Estado hoje é uma velha
hegemonia cultural e política que teve seu auge no enlace econômico, político e
social originado desse sistema de pedagiamento” | Foto: Ramiro
Furquim/Sul21
A nossa visão é trabalhar com todas essas políticas públicas para formar um
novo bloco social e político aqui no Estado. Um bloco que pode ter suas
contradições internas mas que deve ter um amálgama cultural, político e
econômico portador de um compromisso com um modelo alternativo em relação ao que
ocorreu no governo anterior. Eu não vou me reportar ao governo Rigotto, pois ele
não conseguiu resolver as dificuldades de caixa. Ele administrou o Estado com
toda boa vontade, mas não conseguiu proporcionar nenhuma mudança no modelo de
desenvolvimento nem no modelo de gestão. Digo isso com todo o respeito que tenho
pelo Rigotto e pelo esforço que eu sei que ele fez.
“O governo Yeda atrasou o Rio Grande do Sul em todos os setores”
Já o governo da governadora Yeda foi o símbolo do que a maior parte do
empresariado gaúcho achava o mais moderno e mais qualificado em termos de gestão
para o Estado. Foi um governo que atrasou o Rio Grande do Sul em todos os
setores, na educação, na saúde, na segurança e no desenvolvimento econômico.
Mesmo assim, uma grande parte dessas pessoas ainda tem saudade do governo Yeda,
talvez pelo tipo de interferência que tinham nas decisões do governo, que hoje
não têm mais. Hoje, quem quer ter interferência no governo tem que legitimar sua
opinião na cena pública, por exemplo no Conselhão. E essa política que tem que
ser discutida em todos os setores da sociedade que estão ali representados.
O que ainda existe no Estado hoje é uma velha hegemonia cultural e política
que teve seu auge no enlace econômico, político e social originado desse sistema
de pedagiamento. Há uma disputa com um novo modelo que, ironicamente, também tem
na questão dos pedágios um elemento muito importante. Na verdade, o que está em
jogo vai além da questão dos pedágios em si. Trata-se, fundamentalmente, do tipo
de relação entre Estado e sociedade que interessa à maioria da população e não
apenas a determinados grupos econômicos.