quinta-feira, 29 de novembro de 2012

ONU reconhece a Palestina como Estado observador. O que isso muda?

O chefe da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas (o segundo da direita para a esquerda) e
 a delegação palestina aplaudem a decisão. Foto: Stan Honda / AFP
 
A Assembleia-Geral das Nações Unidas reconheceu nesta quinta-feira 29 a Palestina como Estado observador não-membro, uma elevação de status que, espera a liderança palestina, poderá levar ao estabelecimento do país de fato e de direito. A votação, realizada na sede da ONU, em Nova York, foi encerrada de forma acachapante: 138 países votaram a favor do reconhecimento, enquanto nove foram contra (Israel, Estados Unidos, Canadá, República Tcheca, Panamá, Palau, Ilhas Marshall, Micronésia, Nauru) e 41 se abstiveram.
 
A votação proporciona dois resultados simbólicos imediatos. Pela primeira vez na história, as fronteiras de 1967 da Palestina (composta pelo território da Cisjordânia e da Faixa de Gaza) é reconhecida como Estado pela ONU e não mais como “entidade”. A partir de agora, ao menos no papel o país chamado Palestina existe, apesar de ainda não ter a mesma forma de existir como a de outras nações reconhecidas como integrantes plenas da ONU. Isso serve para reforçar a chamada “solução de dois Estados”, por meio da qual dois países diferentes, um para os judeus e outro para os palestinos, devem existir.
 
O segundo peso simbólico da decisão é o impressionante isolamento de Israel na comunidade internacional. O fato de o país ter conseguido apenas nove votos, entre eles de cinco Estados-cliente dos Estados Unidos, seu maior aliado, mostra como as políticas recentes do governo de Benjamin Netanyahu serviram para dissolver quase que por completo o pouco apoio que Israel já desfrutava. A votação é um claro recado da comunidade internacional no sentido de que a situação atual não é tolerável.
 
Na prática, só o tempo dirá quais serão os efeitos do reconhecimento da Palestina. O novo status permite que os palestinos busquem admissão em outras organizações internacionais, como o Tribunal Penal Internacional. Um avanço deste tipo preocupa muito o governo de Israel, que teme ver alguns de líderes políticos acusados e transformados em réus nesta corte. Buscar admissão nessas instituições, no entanto, não deve ser a prioridade dos palestinos agora. É provável que a liderança palestina aguarde as reações imediatas de Israel.
 
Na quarta-feira 28, o jornal Israel Hayom afirmou que Netanyahu e seu ministro das Relações Exteriores, Avigdor Lieberman, planejavam um resposta feroz aos palestinos, mas decidiram reagir com moderação. Respostas mais duras só devem ocorrer em 2013. A partir das eleições parlamentares de 22 de janeiro, Netanyahu e Lieberman, políticos de direita e extrema-direita, respectivamente, devem ganhar ainda mais poder no país.
 
O risco dessa combinação de fatores – o reconhecimento da Palestina e o surgimento de um governo ainda mais extremista em Israel – é que o congelamento do processo de paz se torne ainda mais firme. Está claro que a liderança de Israel segue pelo caminho errado, mas a votação desta quinta não é suficiente para garantir a segurança e a prosperidade para israelenses e palestinos. Isso só será obtido quando os dois lados tiverem líderes prontos a realizar sacrifícios políticos para retomar o processo de paz e obter uma resolução final para o conflito de décadas.
 
Por José Antonio Lima, na Carta Capital

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Convocatória para o Fórum Social Mundial Palestina Livre, de 29 de novembro a 1º de dezembro de 2012, Porto Alegre (Brasil)

 
A Palestina ocupada pulsa em cada coração livre neste mundo e sua causa continua a inspirar solidariedade universal. O Fórum Social Mundial Palestina Livre é uma expressão do instinto humano de se unir por justiça e liberdade, e é um eco da oposição do Fórum Social Mundial à hegemonia do neoliberalismo, do colonialismo e do racismo através das lutas por alternativas econômicas, políticas e sociais para promover a justiça, a igualdade e a soberania dos povos.

O FSM Palestina Livre será um encontro global de ampla base popular e de mobilizações da sociedade civil de todo o mundo. Ele visa:

1. Mostrar a força da solidariedade aos chamados do povo palestino e à diversidade de iniciativas e ações visando promover a justiça e a paz na região.

2. Criar ações efetivas para assegurar a autodeterminação palestina, a criação de um Estado Palestino com Jerusalém como sua capital, e o atendimento aos direitos humanos e ao direito internacional por:

a) Acabar com a ocupação israelense e a colonização de todas as terras árabes e derrubar o muro;
b) Assegurar os direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel à plena igualdade, e
c) Implementar, proteger e promover os direitos dos refugiados palestinos de retornar a seus lares e propriedades, como estipula a resolução da ONU 194.

3. Ser um espaço para discussão, troca de idéias, estratégias e planos que desenvolvam a estrutura da solidariedade.

Exatamente após 65 anos de o Brasil ter presidido a seção da Assembléia Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina, o Brasil vai abrigar um tipo diferente de fórum global: uma oportunidade histórica de os povos de todo o mundo se levantarem onde seus governos falharam.

Os povos do mundo se reunirão para discutir novas visões e ações efetivas para contribuir com a justiça e a paz na região. A participação nesse Fórum deve reforçar estruturalmente a solidariedade com a Palestina; promover ações para implementar os direitos legítimos dos palestinos e tornar Israel e seus aliados imputáveis pela lei internacional.

Conclamamos todas as organizações, movimentos, redes e sindicatos em todo o mundo a se unirem ao FSM Palestina Livre, de 289 de novembro a 1º de dezembro, em Porto Alegre, Brasil.

Juntos podemos levar a solidariedade à Palestina a um novo patamar.

Comitê Organizador do Fórum Social Mundial Palestina Livre

Contato da secretaria executiva:
Brasil: secretaria.fspl@gmail.com
Palestina: samahd@pngo.net

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MAIS NOTICIAS SOBRE O FORUM / MORE NEWS ABOUT THE FORUM:

http://sanaud-voltaremos.blogspot.com.br/2012/02/forum-palestina-livre-e-lancado-em.html

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domingo, 25 de novembro de 2012

A PEC da Empresa nacional

Em obediência ao Consenso de Washington, uma das primeiras iniciativas do governo entreguista e antinacional de Fernando Henrique Cardoso foi a de promover, em agosto de 1995 – oito meses depois da posse – a supressão do artigo 170, acima transcrito, e que definia o que se poderia considerar empresa brasileira e empresa nacional.
* Mauro Santayana
 
 
O deputado Assis Melo, do PCdoB do Rio Grande do Sul, conseguiu aprovar, na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, proposta de emenda constitucional que restaura o artigo 170, da Constituição Federal de 1988. É o dispositivo que define o que é empresa brasileira e o que é empresa nacional, distinguindo ambas das empresas estrangeiras e multinacionais.

Nem todos se lembram, hoje, da Comissão de Estudos Constitucionais que, sob a presidência do professor Afonso Arinos, elaborou proposta de anteprojeto da Constituição de 1988. Poucos – e sou um dos privilegiados –têm em seu poder o texto entregue solenemente ao Presidente Sarney, em 1986. Nele se encontram os dispositivos mais importantes que os constituintes acolheriam no documento a que Ulysses Guimarães deu o nome de Constituição Cidadã.

Como membro daquele grupo - e pelo dever de ofício, por ter sido seu secretário executivo - registro que a defesa do interesse nacional prevaleceu, e de longe, nas discussões e na redação final do anteprojeto.

E entre os mandamentos que propúnhamos, houve um contra o qual ninguém se opôs, ainda que houvesse entre nós conservadores notórios e empresários associados a empreendedores estrangeiros. Trata-se do artigo 323, de nossa proposta, assim como foi redigido, por Barbosa Lima Sobrinho e aprovado por todos:

“Só se considerará empresa nacional, para todos os fins de direito, aquela cujo controle de capital pertença a brasileiros e que, constituída e com sede no País, nele tenha o centro de suas decisões”.

Os constituintes partiram da sugestão de Barbosa Lima Sobrinho e aprovaram os seguintes dispositivos, no texto original, de 5 de outubro de 1988:

“Art. 171. São consideradas:

I - empresa brasileira a constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede e administração no País;

II - empresa brasileira de capital nacional aquela cujo controle efetivo esteja em caráter permanente sob a titularidade direta ou indireta de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou de entidades de direito público interno, entendendo-se por controle efetivo da empresa a titularidade da maioria de seu capital votante e o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para gerir suas atividades.

§ 1º A lei poderá, em relação à empresa brasileira de capital nacional:

I - conceder proteção e benefícios especiais temporários para desenvolver atividades consideradas estratégicas para a defesa nacional ou imprescindíveis ao desenvolvimento do País;

II - estabelecer, sempre que considerar um setor imprescindível ao desenvolvimento tecnológico nacional, entre outras condições e requisitos:

a) a exigência de que o controle referido no inciso II do caput se estenda às atividades tecnológicas da empresa, assim entendido o exercício, de fato e de direito, do poder decisório para desenvolver ou absorver tecnologia;

b) percentuais de participação, no capital, de pessoas físicas domiciliadas e residentes no País ou entidades de direito público interno.

§ 2º Na aquisição de bens e serviços, o poder público dará tratamento preferencial, nos termos da lei, à empresa brasileira de capital nacional”.

Em obediência ao Consenso de Washington, uma das primeiras iniciativas do governo entreguista e antinacional de Fernando Henrique Cardoso foi a de promover, em agosto de 1995 – oito meses depois da posse – a supressão do artigo 170, acima transcrito, e que definia o que se poderia considerar empresa brasileira e empresa nacional. Com isso, qualquer empresa que se organizasse no Brasil, como tantas o fizeram, e continuam a fazer, como subsidiária de sua matriz estrangeira tem o mesmo tratamento das empresas realmente nacionais.

O então presidente abria caminho, com essa emenda, para o crime maior, o da privatização das empresas públicas. Com criminoso cinismo, as empresas estrangeiras que adquiriram o controle das empresas estatais brasileiras foram financiadas com o dinheiro do FAT (Fundo de Amparo aos Trabalhadores) administrado pelo BNDES. A primeira providência dessas empresas foi o da “reengenharia” administrativa, com a demissão de milhares de trabalhadores. Eles haviam financiado, com o FAT, a sua própria miséria.

Com o desastre que o neoliberalismo provocou no mundo e atinge agora os países centrais que supunham ganhar com a globalização, o Congresso tem a sua oportunidade de se redimir da vergonhosa capitulação de há 17 anos.

O momento é favorável a que a emenda do deputado Assis Melo tenha trâmite rápido no Congresso, para que não ocorra, de novo aqui o que está ocorrendo com os povos europeus. É também um teste para a maioria parlamentar e para o próprio governo. Se a emenda do parlamentar gaúcho for rejeitada, o grande vencedor virá a ser o agente ostensivo, no Brasil, da ordem neoliberal – Fernando Henrique Cardoso.

* Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário de que foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), de que foi colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.
Publicado na Carta Maior
 

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

E agora Joaquim? A encruzilhada de um juiz

Joaquim Barbosa assumiu a presidência de uma Suprema Corte manchada pela nódoa de um julgamento político conduzido contra lideranças importantes da esquerda brasileira.

Monocraticamente, como avocou e demonstrou inúmeras vezes, mas sempre com o apoio indutor da mídia conservadora, e de seu jogral togado --à exceção corajosa do ministro Ricardo Lewandowski, Barbosa fez o trabalho como e quando mais desfrutável ele se apresentava aos interesses historicamente retrógrados da sociedade brasileira --os mesmos cuja tradição egressa da casa-grande deixaram cicatrizes fundas no meio de origem do primeiro ministro negro do Supremo.

Não será a primeira vez que diferenças históricas se dissolvem no liquidificador da vida.

Eficiente no uso do relho, Barbosa posicionou o calendário dos julgamentos para os holofotes da boca de urna no pleito municipal de 2012.

Fez pas de deux de gosto duvidoso com a protuberância ideológica indisfarçável do procurador geral, Roberto Gurgel -aquele cuja isenção exortou o eleitorado a punir nas urnas o partido dos réus.

Num ambiente de aplauso cego e sôfrego, valia tudo: bastava estalar o chicote contra o PT, cutucar Lula com o cabo e humilhar a esquerda esfregando-lhe o relho irrecorrível no rosto. Pronto. Era correr para o abraço dos jornais do dia seguinte ou antes até, na mesma noite, no telejornal de conhecidas tradições democráticas.

Provas foram elididas; conceitos estuprados ao abrigo tolerante dos doutos rábulas das redações --o famoso 'domínio do fato'; circunstâncias atropeladas; personagens egressos do governo FHC, acobertados em processos paralelos, mantidos sob sigilo inquebrantável, por determinação monocrática de Barbosa (leia:'Policarpo & Gurgel: ruídos na sinfonia dos contentes'); tudo para preservar a coerência formal do enredo, há sete anos preconcebido.

O anabolizante midiático teve que ser usado e abusado na sustentação da audiência de uma superprodução de final sabido, avessa à presunção da inocência e hostil à razão argumentativa --como experimentou na pele, inúmeras vezes, o juiz revisor.

Consumada a meta, o conservadorismo e seu monocrático camafeu de toga, ora espetado no supremo cargo da Suprema Corte, deparam-se com a vertiginosa perspectiva de uma encruzilhada histórica.

Ela pode esfarelar a pose justiceira dos torquemadas das redações e macular a toga suprema com a nódoa do cinismo autodepreciativo.

Arriadas as bandeiras da festa condenatória, esgotadas as genuflexões da posse solene desta 5ª feira, o espelho da história perguntará nesta noite e a cada manhã ao juiz da suprema instância: -- E agora Joaquim?

O mesmo relho, o mesmo 'domínio do fato', o mesmo atropelo da inocência presumida, a mesma pressa condenatória orientarão o julgamento da Ação Penal 536 --vulgo 'mensalão mineiro'?

Coube a Genoíno, já condenado --e também ao presidente nacional do PT, Rui Falcão-- fixar aquela que deve ser a posição de princípio da opinião democrática e progressista diante da encruzilhada de Barbosa: 'Não quero para os tucanos o julgamento injusto imposto ao PT', fixou sem hesitação o ex-guerrilheiro do Araguaia, no que é subscrito por Carta Maior.

Mas a Joaquim fica difícil abrigar o mesmo valor sob a mais suprema das togas. Sua disjuntiva é outra.

Se dispensar ao chamado mensalão do PSDB o mesmo tratamento sem pejo imposto ao PT na Ação 470, sentirá o relho que empunhou voltar-se contra a própria reputação nas manchetes do dia seguinte.

Tampouco terá o eco obsequioso de seus pares na repetição da façanha --e dificilmente a afinação digna dos castrati no endosso sibilino do procurador -geral.

Ao revés, no entanto, se optar pela indulgência desavergonhada na condução da Ação Penal 536, ficará nu com a sua toga suprema durante longos dois anos, sob a derrisão da sociedade, o escárnio do judiciário, o desprezo da história --e o olhar devastador do espelho a cada noite e a cada dia, a martelar: 'E agora, Joaquim?'
 
Saul leblon no Blog das Frases Leia mais na Carta Maior

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Norman Finkelstein sobre o Conflito EUA-Israel versus Palestina. Imperdí...


O risco de lutar a batalha do dia anterior

O macartismo excretado pelo dispositivo midiático está corroendo os alicerces de uma cultura petista sedimentada desde os tempos de gestação e nascimento do partido. A inércia de uma tradição acomodatícia em relação à chamada grande imprensa chegou a um ponto de exaustão.

Marmorizada de ódio conservador e desrespeito pedestre no caso de alguns veículos e expoentes do colunismo demotucano, a guerra fria cabocla impõe uma experiência de acuamento até certo ponto nova na existência do partido - ainda que virulenta para saturar um ciclo.

Círculos dirigentes e militantes mais antigos não experimentaram nada parecido nem mesmo na sua origem, nos anos 70/80, quando operários do ABC se colocaram frontalmente contra o regime militar, em desafio aberto ao poder armado e empresarial.

Sedimentou-se então a suposição de que haveria da parte da imprensa se não apoio, ao menos respeito com o avanço da luta dos trabalhadores. E tolerância na criação de um partido próprio, de recorte socialista ecumênico.

Ancorada na intensidade histórica de um período de convergência democrática criou-se assim uma jurisprudência petista: a mediação com o conjunto da sociedade, embora marcada pela má vontade de alguns editores e donos de jornais e a rejeição aberta de outros, estava sendo feita à contento pelos meios de comunicação.

A avaliação pragmática, apoiada nas determinações do momento específico, excluiu das prioridades do partido a criação de um sistema de mídia próprio e abrangente. Até o 2º governo Lula, quando o ex-ministro Franklin Martins tomou a iniciativa adormecida agora na gaveta do acanhamento, o PT não incluía entre suas prioridades efetivas regulamentar o sistema de comunicação existente.

O projeto de um jornal de circulação nacional esteve sempre em pauta. E por isso mesmo nunca esteve. A rigor, nenhum dirigente histórico deu a ele a prioridade política, financeira e mobilizadora devotada, por exemplo, a uma campanha eleitoral.

A política de comunicação acabou se especializando na arte da conversa reservada com os donos dos grandes grupos de comunicação na reiterada tentativa de firmar armistícios em torno da isenção --de resto episódica e quebradiça.

O PT nasceu em fevereiro de 1980 com a simpatia abrangente dos jornalistas brasileiros. As greves históricas dos anos 70 e 80 no ABC paulista magnetizaram as redações e toda uma geração de profissionais formada na resistência à ditadura.

Os levantes metalúrgicos criaram o sujeito histórico do novo período acalentado. São Bernardo do Campo simbolizava o protagonista e o lugar da mudança. Era uma pauta de apelo avassalador.

Estabeleceu-se uma camaradagem solidária entre repórteres e os destemidos metalúrgicos de Lula. A intimidade com o baixo clero das redações trouxe apoios, informações e contatos. Era um tempo em que a luta operária carecia de escala e organização política.

A proximidade com os jornalistas - muitos dos quais renunciaram a cargos e carreiras para se engajar na luta sindical e depois, na do PT - criou também ilusões.

O trânsito fácil com a imprensa sugeria haver espaço a ocupar na caixa de ressonância da grande indústria da notícia. Formou-se um consenso: a margem de manobra existia, bastava habilidade e bons contatos para explorá-la.

Marcaria uma inflexão nesse entendimemto a derrota para Collor em 1989. A Globo editou o debate final da campanha; deu quase dois minutos adicionais ao 'caçador de marajá' no compacto que levou ao ar no Jornal Nacional; estigmatizou as falhas de Lula, selecionando-as em contraponto aos melhores momentos do rival. Não havia trégua nem isenção quando se tratava do poder. O alerta foi claro, mas não construiu uma novo diagnóstico político a ponto de renovar a agenda em relação ao aparato midiático.

Pesaria mais naquele momento a autocrítica das falhas da campanha do que a percepção do novo adversário de peso - com poderes para exacerbar a relação de forças e disposto a fazê-lo. Até o limite da manipulação, se necessário.

A 'união' nacional no impeachment de Collor, ato contínuo à derrota, e a vitória em 2002, num ambiente de hostilidade aberta, mas contrastado pelo racha que a inoperância tucana promoveria no interior da próprio empresariado, atalharam o conflito entre as convicções históricas do partido e a postura abertamente anti-petista da mídia.

A liderança de massa de Lula atingiu seu auge e reverberou no país durante os oito anos que esteve à frente de um governo exitoso no plano social e econômico.

O prestígio esmagador dentro e fora do país empalideceu o cerco midiático e coagulou o debate sobre o tema no interior do partido.

Parecia desnecessário.

Lula falou todos os dias, algumas vezes por dia, durante os 2.920 dias em que exerceu a Presidência da República.

O instinto político comandava a garganta. A voz rouca abria espaço na opinião pública estabelecendo uma linha direta com o imaginário popular, a contrapelo da má vontade dos veículos de comunicação.

Não eram apenas palavras como alvejavam os editoriais raivosos. Elas carregavam políticas bem-sucedidas que entravam na casa dos mais humildes, sentavam-se à mesa, mudavam a rotina. A voz rouca falava do que o povo vivia e queria viver. Tinha o que mostrar. A mídia era obrigada a repercutir e Lula falava sem trégua. Todos os dias. Pautava a conversa nacional: era uma estratégia militante de ocupação de um espaço que se tornara esfericamente adverso. Eles chamavam a isso de 'lulo-populismo'.

Paradoxalmente, a exuberância do ciclo de Lula na Presidência veio revalidar a ingenuidade dos que ainda apostavam na existência de um espaço de tolerância no interior das redações.

Escaparia a esses dirigentes petistas a brutal transformação em marcha no interior da mídia e na própria composição das redações. Ao longo de duas década de polarização entre a agenda afuniladora do neoliberalismo e as urgências sociais do país, o jornalismo brasileiro sofreria uma mudança qualitativa de pauta e estrutura.

A tentativa de impeachment de Lula em 2005, já no ciclo da chamada crise do 'mensalão' - que culminaria neste 12 de novembro com a condenação de José Dirceu e Genoíno à prisão, sacudiu a inércia petista com força, pela primeira vez.

O espaço de tolerância acalentado ainda por emissários autonomeados, que traziam recados dos donos da mídia sobre o preço a pagar por uma trégua na escalada golpista, perdeu eco na cúpula do governo.

Lula recorreu então ao movimento sindical. A palavra 'golpe ' foi entronizada no discurso da resistência - para horror dos que insistiam em um acordo com o dispositivo que costurava a derrubada do governo.

A reeleição em 2006 - quando se imaginava que ele sangraria até morrer - e o êxito em eleger a sucessora, em 2010, pavimentaram o espaço para o conservadorismo colocar em prática aquilo que já se esboçava há anos: seria necessário a eliminação política de Lula, do seu entorno - incluindo-se a destruição de lideranças petistas e a desmoralização do partido - para que a direita pudesse aspirar a dirigir o país novamente.

Numa quadra de clamorosa falência do projeto neoliberal, o tridente udenista da corrupção e a demonização da esquerda como sujeito histórico degenerado pôs-se a campo. Tornou-se a pauta-jogral do dispositivo midiático reestruturado para esse fim.

Instalou-se um "termidor" nas redações nesse período de acirramento programático. A fratura acalentada originariamente pelo PT, entre o baixo clero feito de jornalistas solidários e as direções conservadoras, foi cicatrizada a ferro e fogo com depurações e rupturas.

Profissionais íntegros e isentos não faltam nas redações. Mas os sistemas de controle, a pauta e o torniquete da edição, sob comando de robespierres que compartilham do diretório demotucano, esmagaram o espaço da isenção, sem a qual não há contraditório.

A grande mídia como ambiente democrático permissivo à formação da consciência crítica e progressista da sociedade brasileira não está em vigor no país. Pouca dúvida pode haver de que isso ameaça a democracia e a equidistância das instituições, do legislativo ao judiciário.

A percepção dessa ruptura, e os desdobramentos políticos que ela acarreta, cristalizou-se no linchamento midiático que subordinou as togas à cenoura dos holofotes, no julgamento da Ação Penal 470.

A tradição acomodatícia do PT em relação à chamada grande imprensa - seu descuido histórico com iniciativas para contrapor a pluralidade ao monólogo - tornou-se perigosamente anacrônica.

Quando a Presidenta Dilma diz que prefere o excesso de uma mídia ruidosa ao silêncio das ditadura não está dizendo nada de novo para a história do PT. Mas a frase soa insuficiente para as circunstâncias que se modificaram.

O PT sempre perfilou entre os partidos pluralistas, antagônicos à voz única, ao poder absoluto e à intolerância política, ideológica ou religiosa.

O que se discute agora é outra coisa.

Como fazer prosperar a democracia, o senso crítico e a pluralidade num ambiente em que um poder não eleito e sem rival à altura em sua abrangência e decibéis, dá voz de comando até mesmo à Suprema Corte --diz quem deve ou não ser julgado, como, com que precedência, as penas a cumprir e onde?

Condenado Dirceu, o poder pantagruélico não saciará.

São previsíveis os seu alvos, ele não os dissimula. Como contrapor a esse ruído despótico um contrapeso equivalente de vozes democráticas?

Essa é a pergunta que a mídia jamais fará à Presidenta Dilma. Nem por isso a história a exime de responder.

O monólogo conservador quer permanecer na privilegiada condição de árbitro acima de qualquer sentença ou regulação. E, sobretudo, blindado de qualquer contraponto crítico.

Não por acaso, a nova campanha macartista em curso tem como meta consagrar o interdito da publicidade federal aos sites e blogs progressistas, aqueles que semeiam a referência de um ponto de vista alternativo ao círculo de ferro conservador.

Por certo, a Presidenta não convalida em sua concepção de ruído a narrativa de uma nota só evocada por aqueles que sobrepõem a liberdade de empresa à liberdade de expressão.

As lideranças progressistas, e a Presidenta Dilma se inclui entre elas, não podem mais declinar de dar às causas as suas consequências.

As causas da crispação autoritária que lateja na vida política do país decorrem em grande parte do desequilíbrio avassalador cristalizado no seu sistema de mídia e comunicação. Os 50 dias de julgamento da Ação 470 tornaram isso autoreferente. Não enxergar é pagar o crediário do suicídio político.

Um governo democrático, que pretende fazer do Brasil um país de classe média - supõem-se que não simplesmente de consumidores de tablets, não pode mais lutar a batalha do dia anterior.

A disjuntiva que se coloca não é mais entre ditadura ou monólogo conservador. Não estamos nos anos 60 ou 70. Estamos diante de um aparato claustrofóbico de difusão que se avoca o direito de enclausurar a formação da opinião pública brasileira em pleno século XXI.

Não se constrói um país de classe média esclarecida sem as condições efetivas ao esclarecimento e à formação da consciência crítica. Não basta o crédito à aquisição de tablets. É obrigação de governo, também, assegurar espaço para que seu conteúdo seja plural e democrático.
 
Por Saul Leblon na Carta Maior

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Presidente da ALERGS, a mídia guasca e os cubanos

Na matéria da Rosane de Oliveira no último domingo em Zero Hora, o presidente da AL, Alexandre Postal, disse que ficou "chocado" ao ver cortiços na parte histórica de Habana Vieja. A velha cantilena dos opositores do regime e da mídia comercial e conservadora de bombachas. Creio que "chocado" e indignado ficaria o povo cubano ao saber que um deputado como Postal ganha mais de 30 mil reais mensais (salário de deputado mais 50% do cargo de presidência), viaja com assessores (segundo site Coletiva.net foram com ele Celso Bender e Paulo César Giroldi), gastando diárias em dólares (só ele
embolsou 4.457,20 reais), com tudo pago pelo povo e ainda ofende seus anfitriões. Olvida-se que é presidente de um poder e  julga as mazelas do país que lhe recebe, que é referência em educação e saúde para o mundo, onde médicos e outros profissionais ganham pouco e em desvalorizado peso cubano. Talvez o que a comitiva turistica em Cuba tenha gastado em diárias o equivalente a folha de todos os funcionários públicos cubanos. Veja gráficos abaixo:
Coletiva.net
Acompanham a viagem pela comitiva do Legislativo Celso Bender, diretor de Jornalismo da Assembleia Legislativa do Estado, e Paulo César Giroldi, da assessoria de imprensa do Parlamento gaúcho
 
No gráfico das diárias 2012, clique na imagem pra ampliar;
Requisição (Movimentos)
Nº RequisiçãoDestinoIdaVoltaSolicitante Qtde de DiáriasValor
65767HAVANA - CUBA01/11/201206/11/2012 ALEXANDRE POSTAL5,5 R$ 4.457,20

 

A hora de rever os incentivos aos automóveis

É hora de rever a política de incentivos à indústria automobilística. Não se pode continuar andando pelo mar dos incentivos sem uma bússola para se orientar.
 
O Ministério da Fazenda está se baseando em uma análise superficial sobre os ganhos para a economia com a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para automóveis. Compara-se a venda esperada com a nova venda, estimulada, e considera-se o diferencial como ganho.
 
Não é assim.
 
***
Entenda, primeiro, o que se considera engano na avaliação das perdas fiscais com a isenção.
 
Muitos analistas calculam a perda fiscal total como produto do total de veículos vendidos pelo imposto que deveria ter sido recolhido. Técnico do governo sustentam que a conta é incorreta porque, não fosse a isenção, seria muito menor a quantidade de veículos vendida.
 
***
Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar.
 
A redução temporária do IPI tem efeito apenas de antecipação pontual de compra de veículos. No momento seguinte ao do fim da isenção, há uma queda nas vendas justamente devido ao efeito-antecipação.
No máximo, o ganho líquido estimado seria o da redução do prazo de troca do veículo. Ou seja, em vez de esperar 4 anos para trocar o veículo, o consumidor troca em 3 anos. Mas esse ganho ocorre apenas uma vez – durante o período de isenção. Depois não se repete mais, a não ser por outros fatores – como a melhoria de renda – que nada tem a ver com a isenção fiscal.
 
***
Não apenas isso.
 
No orçamento dos consumidores o automóvel compete com grande variedade de itens, de bens de consumo durável ao lazer. O dinheiro despendido em um automóvel novo foi desviado da compra de uma geladeira, de um computador, de uma moto, da renovação do guarda-roupas, bens de consumo que recolhem impostos.
Privilegiando exclusivamente o setor automobilístico, a Fazenda compromete a isonomia fiscal, ampliando as vendas de um setor em detrimento de todos os demais.
 
***
Nos anos 90, o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo apresentou sugestões muito mais criativas, de estímulos à troca de veículos antigos por novos (reduzindo a poluição), de programas para a renovação de frotas etc.
 
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No modelo atual, sem maiores contrapartidas, não estão claros os ganhos da economia.
 
Pode-se alegar que, ao estimular a venda de automóveis, o governo movimentou a cadeia produtiva, impedindo uma queda maior do PIB e, consequentemente, uma queda maior na arrecadação.
Mas não há dados comprovando esses ganhos, seja pelo efeito-substituição no próprio setor, seja pela competição com a venda de outros produtos.
 
***
Há que se repensar também o novo acordo automotivo.
 
O governo condicionou benefícios fiscais a um conjunto de exigências, um PPB (Processo Produtivo Básico) mais consistente – isto é, com mais etapas de produção no país -, o aumento das compras internas de autopeças e ganhos de eficiência.
É bom, mas é pouco, especialmente levando-se em conta o potencial do mercado brasileiro, em um mundoem crise. Oque o Brasil pretende ser no futuro? Qual o nicho de mercado que pretende ocupar?
 
Como tornar as inovações desenvolvidas por aqui ativos nacionais e não apenas das montadoras?
 
Está faltando um choque de capitalismo chinês no governo.
 
Luis Nassif na Carta Capital

terça-feira, 13 de novembro de 2012

De virgens e putas

São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, abriga a maior população indígena do Brasil, com 22 etnias. Lá, é possível comprar a virgindade de uma indiazinha de 10, 12 anos por uma caixa de bombons. Como nas aldeias ninguém tem biotipo europeu, acesso à internet ou valor de mercado, o assunto não vai invadir redes sociais como o caso da jovem catarinense que decidiu leiloar a própria virgindade.
“Película dérmica presente na entrada da vagina. Impermeável, normalmente possui uma abertura anelar, por onde são eliminadas secreções e a menstruação. Em certos casos, a abertura é muito estreita ou pode não existir, requerendo intervenção cirúrgica para evitar a retenção de líquidos”. Eis aí, com rigor acadêmico, a descrição do hímen. Tão excitante quanto as ilustrações de um livro que matou a curiosidade sexual de muitos adolescentes da minha geração: Nossa vida sexual, de Fritz Kahn. Eram uns desenhos grosseiros, moralistas, tão eróticos quanto as entranhas dos ratos de laboratório. À falta dos manuais do Carlos Zéfiro, o Magnífico, aos quais só uns poucos privilegiados tinham acesso (eram, principalmente, os amigos dos jornaleiros; doce clandestinidade), íamos de Kahn. Mas não só dele. Existiam, de fato, currais de iniciação sexual. Prostitutas e empregadas domésticas cumpriam a função sócio-sexual de aliviar o dilúvio hormonal que inundava sonhos e delírios de adolescentes. No Peru (sem duplo sentido), acompanhada de altas doses de preconceito e brutalidade, a meninada de classe média usava uma expressão para declarar vitória no quarto dos fundos: “Tirarse a la chola” (em bom português: traçar a empregada). Pouca informação na família e hipocrisia completavam o quadro.

O hímen atravessou a história como instrumento de poder. Sua ruptura foi, não raro, um símbolo de status. O jus primae noctis, o Direito à Primeira Noite, dava ao senhor feudal o direito de violentar as noivas dos servos na noite de núpcias. Era um recado: neste terreiro, o galo sou eu. Segundo alguns historiadores, esta instituição medieval durou até o século XIX em certas áreas do sul da Itália. Mesmo que não consagrado em textos legais, existem fortes evidências de que os senhores de engenho do Brasil faziam o mesmo com as escravas. Claro que, em numerosos casos, nem esperavam o casamento para consumar a violência.

Ainda na Itália, havia lugares onde uma espécie de código de honra exigia que se pendurasse na janela o lençol manchado de sangue logo após a noite de núpcias. Mais importante do que destacar esses fatos é a pergunta: por que a virgindade sempre foi tão valorizada ? Sem pretensão de avançar numa psicologia de botequim, completo: por que o prazer foi tão dura e longamente censurado ?

Essas reflexões vadias surgem na esteira de uma notícia intensamente circulada nas redes virtuais de comunicação. Mereceu matérias em jornais, suscitou debates na televisão, bombou nas redes sociais. Uma jovem catarinense de 20 anos colocou em leilão sua “película dérmica”. Depois de uma disputa acirrada, um japonês arrematou o minifúndio de poucos milímetros quadrados por R$ 1,5 milhão. As regras para consumação do negócio parecem roteiro de uma cirurgia: uma hora de duração, intimidade limitada (beijo, nem pensar), pagamento combinado com antecedência. A mocinha, que se diz leitora de Shakespeare (como as misses de antigamente diziam, invariavelmente, que liam O pequeno príncipe e apreciavam Somerseth Maugham ...), planejou fazer no ar o que outras prostitutas, a preços mais acessíveis, fazem há séculos em terra. Depois de receber o michê milionário, talvez descole um convite da Playboy ou se candidate ao próximo BBB. Está tendo seus minutinhos de fama, na gloriosa companhia de popozudas desfrutáveis. Se quiser aumentar o lucro, pode fazer uma cirurgia de reconstrução do hímen, vendendo depois uma nova intimidade biônica.

É curioso que isso aconteça em plena era da socialização dos métodos contraceptivos e da liberalização dos costumes. É comum namorados dormirem nas casas dos pais. A descoberta do sexo saiu da clandestinidade. Carlos Zéfiro ficou démodé, atropelado por sites de sexo explícito. Talvez tenha sobrado a velha curiosidade pelo mistério das profissionais. Que tipo de talento erótico, qual habilidade rara teriam as prostitutas ? Será possível transformar uma relação comercial num encontro amoroso ? A verdade é que houve uma sofisticação do negócio e os bordéis cercados por tapumes entraram em declínio.

Não é de hoje que a prostituição, condenada pelos eternos “defensores da família”, é tolerada. A Igreja Católica, por exemplo, a considerava, segundo Nickie Roberts (As prostitutas na História, editora Rosa dos Tempos), “uma espécie de dreno, existindo para eliminar o efluente sexual que impedia os homens de elevar-se ao patamar do seu Deus”.

Aprendemos, dolorosamente, que os religiosos tinham seus próprios métodos para “drenar” o desejo e as fantasias que nem a autoflagelação conseguia eliminar. Voyeurismo, pedofilia, amores secretos, famílias não assumidas.

São Gabriel da Cachoeira, na região do Alto Rio Negro, abriga a maior população indígena do Brasil, com 22 etnias. Lá, é possível comprar a virgindade de uma indiazinha de 10, 12 anos por uma caixa de bombons, um celular velho ou uma nota de R$ 20. Entre os acusados por esse comércio abjeto, há comerciantes locais, um ex-vereador, dois militares do Exército e um motorista, segundo reportagem da Folha de S. Paulo. Todos brancos, parte da elite daquela região miserável. Praticamente não há investigação policial e as meninas não têm qualquer tipo de apoio médico ou psicológico. Depois de ouvir dez meninas, a promotora local disse que “é uma coisa animalesca e triste”. As vítimas são ameaçadas de morte se denunciarem os criminosos. Coisas do Brasil profundo. Como nas aldeias ninguém tem biotipo europeu, acesso à internet ou valor de mercado, o assunto não vai invadir redes sociais, nem criar a expectativa da ruptura do hímen da jovem prostituta catarinense. Pobreza não vende.
(*) Engenheiro químico, é militante internacionalista da esquerda judaica no Rio de Janeiro.
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segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Senhores do STF: onde estavam na ditadura?

O STF faz o Brasil se sentir constrangido pelo seu Judiciário, pela não observância da Lei Penal e da Jurisprudência consolidada da Corte, pelo exibicionismodos juízes que o compõem.

Um país em que ainda sobrevivem tantos vestígios da ditadura – o período mais brutal da sua história – deveria ter um STF cujos membros deveriam ter tido notável atuação na luta contra a ditadura, que tivesse tido a coragem de jogar sua vida na luta pela democracia

Nada disso acontece. Os brasileiros não tem conhecimento de onde estavam esses senhores quando os melhores brasileiros jogavam o melhor que tinham contra a ditadura e pela democracia.

Esses senhores acham que, se por acaso José Dirceu e Genoino quisessem fugir, teriam necessidade de passaporte? Esses senhores que envergonham o Brasil confirma que não tem ideia do que é a luta clandestina contra a ditadura. Certamente viviam suas vidas, enquanto outros se jogavam contra o arbítrio, contra o Estado de terror que prendia,torturava, assassinava a tantos brasileiros.

Podem ficar com os passaportes, senhores juízes do STF, o que nao podem tirar é a dignidade de quem lutou contra a ditadura enquanto os senhores gozavam das suas vidas nos seus trabalhos profissionais, no recôndito das suas famílias, do seu conforto familiar, guardando a dignidade que tivessem nos cofres bancários.

Podem tomar lições dos que lutaram contra a ditadura com a Presidenta Dilma, basta rever a resposta dela para o prócer da ditadura, Agripino Maia, no Congresso. Aí poderão aprender um pouco o que é dignidade, aprender como não é com passaportes que se defende a democracia, que se luta contra os que foram coniventes com a ditadura, por ação ou por omissão.

Fiquem com os passaportes. A dignidade dos que lutaram contra a ditadura, ninguém tira nem tirará jamais.
 
Emir Sader na Carta Maior

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

As raízes do golpismo da direita brasileira

 
Até 1930 a direita brasileira dispunha a seu bel prazer do Estado, colocava-o totalmente a serviço dos interesses primário-exportadores, desconhecendo as necessidades das classes populares. Getúlio fez a brusca transição de um presidente – Washington Luiz, carioca adotado pela elite paulista, como FHC – que afirmava que “Questão social é questão de polícia”, para o reconhecimento dos direitos dos trabalhadores pelo Estado.

Com o surgimento da primeira grande corrente de caráter popular, a direita passou a ficar acuada. A democratização econômica e social foi seguida da democratização politica, com o processo eleitoral consagrando as candidaturas com apoio popular, Sucessivamente, em 1945, 1950, 1955, a direita foi derrotada e acostumou-se a bater na porta dos quarteis, pedindo golpe militar.

Sentido-se esmagada pelas derrotas, a direita chegou a pregar o voto qualitativo, em que, segundo eles, o voto de um médico ou de um engenheiro valeria 10, enquanto o de um trabalhador (“marmiteiro”, diziam eles, zombando dos trabalhadores que levavam marmitas pro trabalho) devia valer 1. Só assim poderiam ganhar.

A efêmera vitória de 1960, com a renúncia do Jânio, foi sucedida pela nova tentativa e golpe militar de 1961 e, logo depois, pelo golpe efetivamente realizado em 1964. Só pela força e pelo regime de terror a direita conseguiu triunfar e colocou em prática sua revanche contra o povo, pela repressão e pela expropriação dos direitos da grande maioria.

Foi no final da ditadura, com uma votação indireta, pelo Colégio Eleitoral, passando pela morte de Tancredo, que a direita deu continuidade a seus governos, agora com um híbrido de ditadura e de democracia, mas que favoreceu a eleição de Collor, outra versão da direita. Tal como Jânio, teve presidência efêmera.

O governo FHC foi a melhor expressão da direita, renovada, reciclada para a era neoliberal. Naqueles 8 anos a direita brasileira pode realizar seu programa, que terminou numa profunda e prolongada recessão e a derrota sucessiva da direita, por três vezes.

A direita repete, na Era Lula, os mesmos mecanismos da Era Getúlio. Enquanto os governos desenvolvem políticas econômicas e sociais que favorecem à grande maioria, recebem dela o apoio majoritário e derrotam sistematicamente a direita, resta a esta atividades golpistas. Se antes batiam às portas dos quartéis (eram chamadas de “vivandeiras de quartel”), agora usam a mídia para bater às portas do Judiciário.

São partidos e mídias cada vez mais minoritários, derrotados em 2002, em 2006, em 2010, voltaram a ser derrotadas agora em 2012. São governos que os derrotam com o apoio das grandes maiorias beneficiárias das suas políticas sociais. Quem não tem povo, apela para métodos golpistas, ontem com os militares e a mídia, hoje com a mídia e o Judiciário.
 
Por Emir Sader na Carta Maior