segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

"Nós precisamos aprender a valorizar a democracia", afirma Lula 30 anos ...




Ex-presidente afirma ainda que se sente muito feliz de ter vivido e participado de todo o movimento pela democratização

Há 30 anos, dia 25 de janeiro de 1984, acontecia o que foi chamado de maior comício pelas Diretas Já, na histórica Praça da Sé e no dia do aniversário de São Paulo. Milhares de pessoas se juntaram ao ex-presidente Lula e a diversas personalidades da política e da classe artística para entoar o grito pelo direito ao voto.
Neste vídeo, o ex-presidente rememora este dia e também os outros comícios que marcaram época no que ele chama de “o maior movimento cívico na história dos 500 anos do Brasil”. Lula lembra também que mesmo com a derrota no Congresso Nacional, o movimento das Diretas Já foi o que conseguiu acabar com o regime militar que comandava o país.

Lula afirma ainda que se sente muito feliz de ter vivido e participado de todo o movimento das Diretas Já e ressalta que “nós precisamos aprender a valorizar a democracia”.


Assista a íntegra do vídeo:


(Instituto Lula)

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

O governo invisível não quer Dilma



Desde o início da crise, em seis anos de colapso neoliberal, o Brasil criou cerca de 14 milhões de empregos - sendo 1,1 milhão no ano passado.


A expressão ‘siga o dinheiro’, comum em filmes policiais, ilustra a percepção correta, adiantada por Adam Smith, de que a moeda desenha estradas invisíveis na sociedade.

Rastreando-as é possível desvendar aquilo que não se oferece imediatamente à vista.

Pelos caminhos do dinheiro circulam desde carregamentos lícitos, como safras, a armamentos, sonegações fiscais, drogas, favores políticos e outras miunças.

Os bancos são o entreposto de serviços desse trânsito.

Ademais de concederem abrigo seguro e rentável ao fluxo –eventualmente lavá-lo das marcas do caminho-- tem o poder de gerar e direcionar novos volumes de tráfego, em emissões de crédito desdobradas da carga ociosa em seus depósitos.

Esse notável replicador conecta-se a outros entroncamentos por onde o dinheiro graúdo viaja em primeiro classe, engordando sua existência (às vezes acometida de emagrecimentos súbitos causados pela gula tóxica).

O conjunto forma o que se chama de sistema financeiro.

Pelo calibre dos interesses que reúne, a abrangência da ramificação e o poder de influencia que exerce , constitui uma espécie de governo invisível da sociedade.

O governo invisível não quer a reeleição de Dilma.

Pesquisa feita com duas dezenas de expressivos dirigentes dessa constelação, ao abrigo do anonimato, como manda o ofício, constata que o ‘Setor financeiro quer mudança no Planalto’, informa o jornal Valor Econômico desta 3ª feira.

As relações entre o governo invisível e o visível (qualquer que seja ele) desenvolvem-se em um amplo gradiente.

Oscilam da extrema cordialidade a variados graus de inevitáveis fricções, em se tratando de duas ordens distintas se representação do mosaico social.

O governo invisível acha que o governo Dilma atrapalha o seu sistema viário - ainda que longe de comprometer o valor corrigido e real da frota, como atestam as taxas de juros do país, entre as três mais altas do mundo.

Prefere-se, indica o Valor, que o Estado seja gerido por centuriões de integral confiança, a exemplo daqueles que assessoram Aécio Neves, como o ex-presidente do BC tucano, Armínio Fraga; ou o economista Gianetti Fonseca, ligado a Marina Silva e Campos.

Em síntese, gente que aplique como se deve a regra do tripé, a saber:

inflação na meta (leia-se, juros altos); câmbio livre (leia-se, nenhum controle sobre o fluxo volátil de capitais) e equilíbrio fiscal (leia-se, arrocho para garantir os juros dos rentistas).

A esse conjunto, o naipe liberal credita a chave da ‘estabilidade econômica’.

A quebra especulativa do sistema financeiro mundial sugere que o sagrado tridente com o qual o governo invisível pretende tanger o visível não entrega necessariamente o que promete.

O problema da instabilidade do capitalismo mostrou-se mais uma vez inerente ao próprio sucesso do sistema que encoraja ditos agentes racionais e alçarem voos cada vez mais cego, altos e inseguros.

A ausência de regulação disciplinadora levou-os na crise recente de volta às correntezas de vento exploradas originalmente pelo charlatão italiano Charles Ponzi.

Imigrante pobre nos EUA dos anos 20, Ponzi descobriu que podia fazer uma espécie de arbitragem com a diferença de preços dos selos, mais caros nos EUA que na Europa.

Nasceria assim o bisavô do atual carry trade ( aplicação financeira que consiste em tomar dinheiro a uma taxa de juros em um país e aplicá-lo em outro, de taxas maiores).

Ponzi captava dinheiro nos EUA para comprar selos na Europa e revendê-los no mercado americano.

A diferença era embolsada pelo investidor com a promessa de rendimentos trimestrais que oscilavam de 50% a até 100%.

O negócio floresceu rapidamente gerando filas na porta de Ponzi, que contratou dezenas de agentes captadores movidos promessas de bônus milionários.

A roda da bicicleta passou a girar como se imagina.

De uma captação inicial da ordem de US$ 6 mil, em fevereiro de 1920, saltaria para a faixa dos US$ 400 mil em maio.

Dois meses depois transitava na casa dos seis zeros.

Ponzi descobriu que ganharia mais sem desperdiçar recursos com os selos.

Abaixo os intermediários: pagava a fila de ontem com os recursos captados hoje.

No final de 1920, o negócio foi desmascarado, levou milhares à ruína e Ponzi à cadeia, como charlatão financeiro. 

Poucos se deram conta de que estava ali também um filho típico daqueles tempos de sucesso inebriante dos mercados financeiros sem lei.

O sentido ficou mais claro nove anos mais tarde quando a Bolsa de Nova Iorque quebrou deflagrando uma crise mundial da qual o capitalismo só se livrou com a Segunda Guerra.

A memória seletiva dos rapazes do mercado e dos vulgarizadores da superior eficiência dos livres mercados ajuda a entender como depois quase um século, a bicicleta girou em falso novamente, dando um tombo global no mercado em 2007/2008.

Sucessores avulsos de Ponzi ,como Bernard Maddoff, estavam presentes. Mas, sobretudo, uma miríade institucional.

O que são, afinal, os derivativos a não ser fundos indexados a outros fundos, cujo lastro efetivo repousa sobre material de qualidade tão sofrível quanto os selos- fantasia de Ponzi? Ou o recheio das sub-primes do boom imobiliário norte-americano?

A banca brasileira –e seus p0rta-interesses na mídia e na política-- considera que a intervenção disciplinadora do Estado nos mercados compromete a eficiência e corrói a estabilidade do sistema.

Prefere Dilma fora e a lubrificação do país por gente do ramo.

A Depressão norte-americana de 1929 esfarelou a indústria e despejou metade da mão de obra na rua.

Seis anos após o colapso de 2008 da ordem neoliberal, a OIT informa que existe um estoque de 202 milhões de desempregados no mundo (62 milhões adicionados pela crise); 839 milhões de trabalhadores vivem com menos de US$ 2/dia e 48% do emprego atual é precário.

Vai piorar: espera-se um acréscimo de mais 13 milhões de demitidos à legião disponível até 2018.

O Brasil criou cerca de 14 milhões de empregos desde o início da crise mundial (sendo 1,1 milhão no ano passado, saldo carimbado como um fracasso pelo jornalismo isento).

Os bancos preferem o modelo de estabilidade espanhol: 26% de taxa de desemprego.

Jornais, a exemplo da Folha, já cogitaram seriamente Ruanda (45% de taxa de pobreza) como referência de país ‘top reformer’ –um dos mais receptivos a mudanças amigáveis ao ambiente dos negócios. 

A saúde dos mercados e a deriva da sociedade, como se vê, não soam contraditórias a certa concepção de estabilidade.

Antes, exprimem uma tendência mais geral de um capitalismo que deixado à própria sorte, mais que nunca vai operar em condições de baixa demanda efetiva, elevado desemprego e especulação solta na esfera financeira.

Ademais dos candidatos sabidos, a disputa de outubro coloca em confronto essas duas concepções de governo: a visível e a invisível.


Por Saul Leblon na Carta Maior

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Simplesito, sem hipocrisia. Uma letra, um canto. Uma vida



Vine a cantar, compañeros,
porque era mi obligación
no negarme a la canción.
Pero debo ser sincero,
y para mí lo primero
es que era un acto del "Frente".

Con el corazón caliente
y con la cabeza fría,
canté como suponía
que ustedes quieren que cante;
pero soy un militante
y mis canciones no son mías.

Por diferentes razones,
durante casi diez años,
he cantado desengaños,
rebeldías e ilusiones;
ésas fueron mis canciones
durante todo ese tiempo;
a algunas las llevó el viento
y otras dejaron memoria,
pero el tiempo no es la Historia
ni la vida es pensamiento.

Como muchos, he soñado
con el Frente, mucho antes
de que saliera adelante
como un sueño realizado.
Pero también he pecado
de ser individualista,
juramentado "anarquista"
frente a mi sola conciencia,
sin hacer más experiencia
que la de ser un artista.
Hoy siento que soy muy poco
como cantor y poeta.
Si nunca apliqué recetas
a mis canciones, tampoco,
ni más cuerdo ni más loco
que cualquier hombre prudente,
más de una vez fui inconsciente,
al ver que se me aplaudía,
de que en cada aplauso ardían
las manos de mucha gente.

Es riesgo del que realiza
su vida en un escenario,
sentir que es extraordinario
el horizonte que divisa.
Pero aquél que catequiza
apoyado en las bordonas,
si cantando no razona
como cualquier proletario,
deja de ser necesario
cuando el Pueblo lo abandona.

Yo no canté para ustedes
la canción que más quisiera.
Si por un milagro fuera
capaz de inventarla ahora,
sepan que sin más demora
que la de extender la mano,
hablaría de mis hermanos,
los muertos, los torturados,
los presos, los explotados,
de milico y de paisano.

Yo no he cantado las duras
consignas ( ) *
que se riman al reparo
de este Pueblo vigilante,
ni canté el verso rampante
del poeta consagrado.
Pero más que nada, aclaro
que mi canción más madura,
será la que cante puras
razones, que ya son muchas,
del compañero que lucha
sin pistola en la cintura.

Porque este Pueblo es "bagual"
y va a encontrar el camino;
el cantor es peregrino
sonido de este caudal.
Si algo soy, soy oriental
y ése es mi mayor orgullo;
más que flor quiero ser yuyo
de mi tierra, bien prendido,
del Pueblo sólo un latido,
de su andar sólo el murmullo.

Y sé que el triunfo es seguro
mientras estemos Unidos.
Con cantores aplaudidos
no se edifica el futuro.
Siento el deber, y lo juro,
de no cantar sino aquella
canción que como una estrella
alumbre, pero tan lejos,
que no cieguen sus reflejos
al que anda oliendo la huella.

Hasta siempre compañeros!
Sepan que tenía más ganas
de decir estas "macanas"
que de cantar. Lo primero,
para mí, es el Pueblo entero,
verdadero soberano,
de milico y de paisano,
cantando para sí mismo,
que marcha hacia el socialismo
y me lleva de la mano.

Tanta coisa mudou, mudamos a conjuntura latino americana. Temos muito pra comemorar e temos a consciência de que precisamos avançar mais. Entretanto, o que fizemos não é coisa menor. Não permitamos que desqualifiquem os avanços, conquistas e lutas. É bom ouvir a auto critica como poesia, melhor ainda é recitar pra nós mesmos. Todos os dias, em cada instante.


Não vou deixar ninguém com vontades. Cliquem no link e escutem a música poesia. Gracias Don Alfredo, crea-me-lo, no te fuiste;




http://www.youtube.com/watch?v=owJSNGiTYSU

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

Quem vai fazer o serviço?


A sedimentação da agenda conservadora para 2014 envolve a adesão de um pedaço da esquerda e o silencio desfrutável de outro. O padrão é o cerco ao IPTU em SP.

por: Saul Leblon 



Quem vai fazer o serviço?

A sedimentação da agenda conservadora para 2014 envolve a adesão de um pedaço da esquerda e o silencio desfrutável de outro.

O padrão foi testado e bem sucedido no cerco ao reajuste do IPTU em São Paulo. 

Os interesses atingidos só tiveram sucesso em sabotar a medida graças à omissão dos que sabiam o que estava em jogo, mas preferiram silenciar.

É essa capacitação ao exercício da cumplicidade que a emissão conservadora opera de forma explícita nos dias que correm.

Colunistas e editores espetam sinais para ordenar o fluxo na direção almejada: a seringa do piquete onde se conta o rebanho.

Quantas cabeças teremos para oferecer aos mercados?

Nas manchetes e fotos, mais que nos textos, espetam-se os ferros com as iniciais do dono.

O ponto de encontro tem data e local definidos: 12 de junho de 2014, 17 hs, estádio do Itaquerão, onde o Brasil abre a Copa do Mundo diante da Croácia.

Durante um mês, até 13 de julho, novas oportunidades se abrem: há jogos distribuídos nas principais capitais do país.

Alguém duvida que a tabela será explorada na emissão conservadora como ponto de encontro de gente ansiosa para mostrar o seu valor a fotógrafos e cinegrafistas generosos?

Textos gordurosos como os autores, tortuosos como seus valores, arregimentam as adversativas do léxico para assegurar o verniz ‘jornalístico’ à panfletagem.

Não importa o tema da coluna.

O objetivo predefinido é dar suporte a logos, títulos e manchetes que disseminem ordem unida.

‘Em 2014, vem prá rua você também’, convocava-se na Folha no dia de Natal; ou o soberbo, ‘Não vai ter Copa’, abraçado neste domingo por um vulgarizador do mercadismo no mesmo veículo.

À falta de projeto defensável à luz do dia – arrochar 70% do país para lubrificar 30% só rende votos em saraus elegantes-- escava-se o vazio em busca de chão firme.

De joelhos e com as unhas, se preciso for para satisfazer os sinais vindos das direções de redação.

O tesouro cobiçado é tanger multidões à frente única em curso para enfrentar Dilma em outubro próximo. 

Procura-se, em suma, alguém que faça o serviço que os cabedais do conservadorismo, sozinhos, são incapazes de entregar.

É esse vazio adicionado de urgência que reduz colunistas à função rastaquera de insuflar a indignação sem explicar a fórmula do elixir que vai contemplá-la.

Se quiser, o público alvo –as organizações com capacidade de mobilização - tem elementos para confrontar o aceno dos charlatães com os ingredientes da gororoba historicamente despejada por eles na goela do país – não raro com funil e camisa e força. 

A sedimentação golpista de uma parte da opinião pública brasileira não ocorreu por acaso nos últimos anos.

Trata-se de obra deliberada de gente bem paga --e eficiente, diga-se, na arte de popularizar generais redentores, santificar consensos neoliberais, incensar janios, collors, demóstenes , carlinhos cachoeira, joaquins, serras e assemelhados.

O florescimento desse acervo não prosperaria sem o trabalho prestimoso dos que esculpem o seu busto em bronze de credibilidade e veneração.

É um equívoco dissolver essa assinatura numa edulcorada predisposição da sociedade ou de parte dela para ser canalha ou 'egoísta'.

Ainda que exista a receptividade estrutural em certas camadas, é indispensável o fermento que transforme o instinto em história.

Incensar os joaquins e Demóstenes; satanizar os lulas e respectivas agendas é uma parte do bicarbonato requerido na receita. 

Sem ele a massa não cresce.

Antecedentes referenciais testemunham o notável desempenho da emissão conservadora na tarefa de sovar a massa.

Escondidas até agora nos arquivos da Unicamp, para onde foram exiladas pelo próprio Ibope, pesquisas de opinião feitas às vésperas do golpe de 1964 mostram, todavia, que o labor midiático sozinho não leva a receita ao ponto.

Os dados dissecadas em entrevista recente do pesquisador Luiz Antônio Dias à revista Carta Capital, transcrita no blog de Luis Nassif , detalham o paradoxo:

- em junho de 1963, Jango tinha 66% de aprovação em SP;

- em março de 1964, caso fosse candidato no ano seguinte, ele teria mais da metade das intenções de voto na maioria das capitais;

- o apoio à reforma agrária, então satanizada pelas elites, era superior a 70% em algumas capitais;

- na semana anterior ao golpe, as pesquisas mostravam que Jango tinha 72% de aprovação popular –entre os mais pobres, o índice chegava a 86%.

O mesmo conservadorismo que hoje torce por protestos na Copa colocaria então milhares de pessoas nas ruas de São Paulo, em 19 de março de 1964, na Marcha da Família Com Deus pela Liberdade.

O movimento ecoado na mídia como a evidência cabal do isolamento (inexistente) do governo não saltou espontaneamente das páginas da imprensa para o asfalto.

Foi preciso organizá-lo meticulosamente.

A mídia cumpriu a sua parte, como o faz hoje, legitimando a ‘revolta da sociedade e da família contra o desgverno’.

Mas coube a Igreja e às ligas de senhoras católicas, com forte participação de esposas de empresários, botar a mão na massa.

Senhoras da elite usaram sua ascendência para intimar famílias operárias, sobretudo as mulheres, a integrarem e divulgar o movimento.

Quase 50 anos depois, a regressão conservadora não dispõe mais da estrutura capilar de mobilização de que lançou mão às vésperas do golpe de Estado que prendeu, torturou, matou, decretou a censura à imprensa e às artes e colocou os partidos e sindicatos na ilegalidade.

Escribas do jornalismo isento sugerem que podem superar as mais dilatadas expectativas no esforço para reeditar o mutirão cinquentenário na presente intersecção entre a Copa do Mundo e as eleições presidenciais de outubro.

Para que ele signifique alguma coisa de equivalente ao papel legitimador desempenhado pela Marcha da Família, quando Jango tinha mais da metade das intenções de votos –como Dilma as tem-- alguém terá que puxar o cordão.

A coalizão conservadora espera que cada um cumpra o seu dever.

Ou seja, que um pedaço dos setores progressistas insatisfeitos com o governo acenda o forno a 180º e reforce a levedura na massa.

Uma vez pronto o bolo, vá para casa, e deixe a coisa com quem entende de comer o Brasil.

A ver.

Leia mais na Carta Maior

sábado, 4 de janeiro de 2014

O racismo em números




A esmagadora maioria dos beneficiários do Brasil Sem Miséria é de negros, comprova levantamento do governo federal.


Quando publicou Casa-Grande & Senzala em 1933, Gilberto Freyre não tinha a seu dispor um grande volume de dados sociológicos sobre a população brasileira. O IBGE foi criado um ano depois e o Ipea apenas na década de 1960. Se tivesse acesso a pesquisas que comprovassem a relação intrínseca entre pobreza e cor de pele no Brasil, hoje abundantes, talvez sua teoria da democracia racial brasileira fosse um pouco diferente. Ao ser confrontado com as estatísticas, o racismo brasileiro, sustentado em três séculos de escravidão, desvela-se como uma verdade factual.

A conexão entre a miséria e a origem racial é tão definitiva no País que programas de transferência de renda destinados a eliminar a extrema pobreza só poderiam fazê-lo ao beneficiar os negros, mesmo sem adotarem políticas afirmativas de raça. Na quinta-feira 19, a ministra do Desenvolvimento Social, Tereza Campello, divulgou um trabalho de decomposição dos beneficiários do Brasil Sem Miséria, que inclui o Bolsa Família, o Brasil Carinhoso e o Pronatec, entre outros. Cerca de três quartos dos beneficiados, mostra o levantamento, são negros.

No início do Brasil Sem Miséria, em 2011, criado para alcançar a parcela da população apta a receber benefícios mas ainda não registrada no Cadastro Único, o ministério almejava incluir cerca de 16 milhões de brasileiros em situação de extrema pobreza. Segundo o IBGE, 71% eram pretos ou pardos à época. Natural, portanto, a pesquisa de 2013 revelar que os maiores beneficiados pelas políticas de transferência de renda têm a pele escura. De acordo com os dados divulgados por Tereza Campello, 73% dos cadastrados no Bolsa Família são pretos ou pardos autodeclarados. Em relação a outros benefícios, a proporção é ainda maior.

Segundo a ministra, os dados são consequência da desigualdade racial no Brasil. “Embora não exerçamos uma política afirmativa de convocar os negros, eles acabam mais favorecidos por serem os mais vulneráveis”, comenta. “Estamos em uma luta aberta contra a discriminação dos pobres. Assim como alguns chamavam os escravos no Brasil de preguiçosos, muitos falam o mesmo de quem recebe benefícios do governo. Ao lutar contra o preconceito em relação aos pobres, construímos uma trajetória de cidadania para a população mais necessitada, de maioria negra.”

Embora o Bolsa Família não se paute por uma política de afirmação racial, há outros fatores que estimulam um número maior de negros atendidos. O estudo Vozes da Nova Classe Média, realizado pelo Ipea neste ano, indicou que, ao declarar-se preto, as chances de um candidato obter o benefício aumentam em 10%. Segundo a ministra, trata-se quase de um “preconceito invertido”. “Quando alguém vai fazer seu cadastro no Bolsa Família, a rede de assistência social tenta aferir o máximo possível de informações sobre a renda de um candidato. Se uma pessoa toda produzida, loira e de olho azul for pedir o benefício, a chance de levantar suspeição é maior. É mais crível quando um negro pede o benefício, pois quem analisa realmente acredita no grau de vulnerabilidade.”
Um dado bastante comemorado pelo ministério é a parcela de 65% de negros entre os matriculados no Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego. O fim da exigência de nível médio para alguns cursos profissionalizantes, ressalta a ministra, e uma melhora na divulgação foram responsáveis pelo alto número de negros contemplados. “Boa parte das vagas era ofertada no Sebrae, Senai e Sesc, que chegavam mais no trabalhador formal. Agora oferecemos os cursos do Pronatec nos centros de referência de assistência social, localizados em geral em bairros e vilas populares.”

Quanto mais específico é o programa social, maior o número de negros beneficiados. Em relação ao Brasil Carinhoso, que atende famílias com filhos de até 15 anos de idade, a proporção de pretos ou pardos chega a 77%. O número pode ser explicado pela taxa de fecundidade. Segundo um estudo do Ipea de 2011, enquanto entre os negros a média de filhos por mulher é de 2,1, na população branca é de 1,6.

Nos programas direcionados à população rural, a proporção de negros atendidos é ainda mais alta, consequência de sua maior concentração no campo. Nas cidades, 48% da população é negra, e no meio rural, 61%. Os programas Água para Todos e o Fomento às Atividades Produtivas têm entre seus beneficiados quase 80% de negros. No caso do Bolsa Verde, que complementa a renda de quem adota práticas sustentáveis, chega a 92%.

A iniciativa de estender o Bolsa Família às comunidades quilombolas é o que mais se aproxima de uma política afirmativa no Brasil Sem Miséria. Segundo o ministério, há 2.197 comunidades quilombolas reconhecidas, com uma população estimada de 1,17 milhão de indivíduos.

Símbolo da resistência contra as senzalas, os quilombos perderam sua condição original de esconderijos de escravos fugidos do cativeiro. Mas a miséria e o alto nível de desnutrição infantil expõem os efeitos duradouros da escravidão. Por causa da distância e do isolamento, o governo tem desenvolvido formas alternativas de atuação. “Nas versões antigas do Cadastro Único, não eram feitas perguntas sobre públicos diferenciados. Agora conseguimos beneficiar ciganos e quilombolas mesmo sem endereço fixo”, diz Tereza Campello. Hoje são 261,5 mil quilombolas autodeclarados inscritos no Bolsa Família.

Texto do Miguel Martins na Carta Capital

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A desigualdade nos EUA



Aumento da disparidade de renda fez mais que a recessão para deprimir os ganhos da classe média







Demorou um tempo incrivelmente longo, mas a desigualdade finalmente está surgindo como uma questão unificadora significativa para os progressistas nos Estados Unidos – incluindo o presidente. E também há, inevitavelmente, uma reação, ou na verdade algumas reações.
Uma delas vem de grupos como a organização Terceira Via. Josh Marshall, editor de Talking Points Memo, caracterizou essa posição em um artigo recente: “Ela capta muito do que se trata a ‘Terceira Via’: uma espécie de retrocesso fossilizado a um período do fim do século XX em que havia um mercado para grupos que tentavam puxar os democratas ‘de volta para o centro e para longe do extremismo ideológico’, em uma era em que os democratas são o partido, razoavelmente, não ideológico e têm um histórico bastante decente de ganhar eleições nas quais a maioria das pessoas vota”.

Mas também há uma reação intelectual, com pessoas como o colunista Ezra Klein do Washington Post afirmando que a desigualdade, embora seja uma questão importante, não pode ser descrita como “o desafio definidor de nosso tempo”. Isso, por sua vez, enfurece outros comentaristas.

Bem, eu não estou furioso, mas argumentaria que Klein entendeu errado.

A tese de que a desigualdade é um desafio importante e realmente definidor – e algo que deveria estar no centro das preo-
cupações progressistas – repousa em diversos pilares. Vistas juntas, as razões para se concentrar na desigualdade são extremamente convincentes, mesmo que você seja cético sobre determinados argumentos.

Deixe-me defender quatro pontos.

- Primeiro, em puros termos quantitativos, o aumento da desigualdade é o que o vice-presidente Joe Biden chamaria de Grande Alguma Coisa. Os dados referentes à distribuição de renda mostram que a parcela dos 90% na camada inferior de renda, excluindo ganhos de capital, caiu de 54,7%, em 2000, para 50,4%, em 2012. Isso significa que a renda dos 90% na camada inferior é cerca de 8% menor do que teria sido se a desigualdade tivesse se mantido estável. Enquanto isso, as estimativas da lacuna
de produção – à medida que nossa economia está operando abaixo da capacidade – geralmente são inferiores a 6%. Assim, em puros termos numéricos, o aumento da desigualdade fez mais que a recessão para deprimir as rendas da classe média.


Alguém poderia argumentar que os danos causados pelo desemprego são maiores que a simples perda de renda, e eu concordaria. Mas é difícil olhar para esse tipo de cálculo e relegar a desigualdade a uma questão secundária.


- Em segundo lugar, existe uma tese razoável para se atribuir pelo menos parcialmente a culpa pela crise econômica ao aumento da desigualdade. A melhor história envolve algo como isso: havia uma poupança elevada do 1% da população, com a demanda sustentada apenas pelo rápido aumento da dívida mais abaixo na escala – e, como esse empréstimo era conduzido parcialmente pela desigualdade, levou a uma cascata de gastos e assim por diante. É um caso dramático? Não – mas é sério, e reforça o resto do argumento.


- Em terceiro, existe o aspecto da economia política, em que se pode argumentar que os fracassos políticos, tanto antes como, talvez de modo ainda mais crucial, depois da crise, foram distorcidos pelo aumento da desigualdade e o correspondente aumento do poder político do 1%. Antes da crise, havia um consenso da elite a favor da desregulamentação e da financialização que nunca foi justificado por evidências, mas se alinhava estreitamente aos interesses de uma pequena e muito rica minoria. Depois da crise, houve o súbito afastamento da geração de empregos para a obsessão pelo déficit; pesquisas sugerem que isso não era absolutamente o que o eleitor médio queria, mas que refletia as prioridades dos ricos. E a insistência na importância de cortar benefícios é avassaladoramente uma coisa do 1%.


- Finalmente, e muito ligada a isso, está a questão do que os grupos de pensadores progressistas deveriam pesquisar. Klein sugeriu recentemente que “como combater o desemprego” deveria ser um tópico mais central que “como reduzir a desigualdade”. Mas há aquela coisa: sabemos como combater o desemprego – não perfeitamente, mas a boa e velha macroeconomia básica funcionou muito bem desde 2008. Não há mistério na economia de nossa lenta recuperação – é isso que o acontece quando endurecemos a política fiscal, apesar da desalavancagem privada, e a política monetária é restrita pelo limite inferior a zero. A questão é por que nosso sistema político ignorou tudo o que a macroeconomia aprendeu, e a resposta para essa pergunta, como já sugeri, tem muito a ver com a desigualdade.


por Paul Krugman, do The New York Times — publicado 01/01/2014 10:14