segunda-feira, 30 de julho de 2012

O mensalão e o photoshop de um tempo histórico

Quando Serra ataca blogs críticos, classificando-os de 'sujos', ou se refere ao PT como um partido que usa métodos nazistas, e Veja faz do photoshop seu principal argumento 'jornalístico' na demonização de lideranças adversárias -como na capa da edição desta semana, com o ex-ministro José Dirceu - , o objetivo é infantilizar o discernimento da sociedade, quebrar seu senso crítico para inocular valores e legitimar interesses que de outro modo figurariam como controversos, ou mesmo intragáveis, no imaginário social.

A infantilização da política é a tradução 'popularesca' da judicialização, o recurso extremo de um tempo em que projetos e referências históricas do conservadorismo foram tragados pela conflagração entre os seus interesses e as urgências da sociedade humana - entre elas a urgência ambiental e a urgência, a ela associada, de se convergir para formas mais sustentáveis de produção e repartição da riqueza.

Órfãos da crise do Estado mínimo, açoitados diariamente pelo noticiário econômico, soterrados nos escombros das finanças desreguladas --aqui e alhures-- que argumento lhes resta, além do photoshop dos fatos na tentativa, algo derrisória, de ainda vender peixe podre como iguaria inexcedível?

Nos EUA, a extrema direita e seus veículos, a exemplo das respectivas versões tupiniquins, usaram e abusaram do photoshop para implantar chifres demoníacos no perfil essencialmente cool de Obama, ademais de classificá-lo, ora de comunista, ora de nazista, com direito ao bigodinho do Führer. A extrema direita e a direita norte-americana não podem permitir a dissecação política do colapso financeiro - fruto de sua costela - em outro ambiente que não o photosop e a barragem judicial às medidas requeridas pela desordem reinante.

Semi-informação, assim como a semi-cultura do bueiro televisivo, formam o lubificante da infantilização e da impenetrável judicialização da política. O episódio chamado de 'mensalão' cumpre o papel de prato de resistência dessa ração tóxica servida à opinião pública nacional. O tema efetivo do julgamento que se inicia esta semana no STF argüi os alicerces do sistema político brasileiro. O nebuloso financiamento privado das campanhas eleitorais, indissociável da rejeição conservadora ao financiamento público, é a contraparte de um interdito mais amplo à presença do Estado - leia-se, do interesse público - em todas as esferas da vida social e econômica.

A direita nativa - e seu dispositivo midiático - sabe que o cerne da questão refere-se à prática do caixa 2 de campanha, uma degeneração intrínseca à entrega de um bem público, a eleição, à lógica de mercado. O jogo do toma-lá-dá-cá instaurado a partir da indução à busca de recursos privados não poupa direita ou esquerda. Todos os partidos foram e são reféns desse moedor que abastarda projetos e rebaixa a soberania democrática.

O PSDB de Serra, por sinal, desfruta o cume do pódium como pioneiro e virtuose, com o comprovado engate do valerioduto mineiro ao caixa 2 da fracassada tentativa de reeleição do ex-presidente do partido, Eduardo Azeredo, em 1998. Romper esse dínamo implica, na verdade, alargar as fronteiras da democracia, libertando-a não apenas do dinheiro privado, mas também dos limites exauridos do sistema representativo, revitalizando-o com a ampliação de mecanismos de consultas e referendos mais regulares e adequados às demandas de participação da cidadania.

O photoshop da Veja responde a esse divisor histórico desenhando chifrezinhos colegiais em Chávez, por exemplo. Ao reduzir a crise da economia e da sociedade a um tanquinho de areia, a direita brasileira quer garantir o seu recreio nas próximas semanas, fantasiando a hora do lanche à sua conveniência, com a esperada ajuda de alguns bedéis togados. Pode ser que atinja seu objetivo.Mas o fará no efêmero espaço do faz de conta judicial em que pretende circunscrever a história. O mundo real, que o photoshop tenta desesperadamente congelar, esse já ruiu.

Por Saul Leblon na Carta Maior

COIMBRA: CERRA CAÇA “BLOGUEIROS SUJOS”

O que Serra quer mesmo — e não é de hoje – é impedir a manifestação de seus adversários.




Artigo de Marcos Coimbra, extraído do Correio Braziliense e divulgado noViomundo:

MARCOS COIMBRA: SERRA CAÇANDO OS “BLOGUEIROS SUJOS”



por Marcos Coimbra, no Correio Braziliense

Uma das sabedorias antigas dos mineiros ensina que, na política, não existem gestos gratuitos. Todos têm consequência.

E não só para quem os pratica. Muitas vezes, os efeitos de um ato individual atingem correligionários e companheiros.

Podem, por exemplo, afetar de maneira ampla a imagem do partido a que pertencem. Mudam a percepção da sociedade a respeito de seus integrantes. Quando é para o bem, ótimo. Mas pode ser para o mal.

Nesses casos, o ônus é compartilhado. Todos pagam por ele. A decisão da Executiva Nacional do PSDB de recorrer à Justiça contra os “blogueiros sujos” que o criticam é um desses.

O verdadeiro inspirador da ação foi o candidato do partido a prefeito de São Paulo, mas suas consequências negativas não se circunscrevem a ele. O gesto de Serra alcança coletivamente os tucanos.

Em si, é apenas uma reação tola. Que expectativa de sucesso tem o ex-governador? Será que acredita que conduzir o PSDB a uma cruzada contra os responsáveis por blogs que antipatizam com ele redundará em alguma vantagem para sua candidatura?

Movido por sua insistência, o partido representou à Procuradoria-Geral Eleitoral para denunciar o “uso de recursos públicos” no financiamento de “blogs, sites e organizações”  que funcionariam como “verdadeiras centrais de coação e difamação de instituições democráticas”.

Na prática, o que o PSDB pretende é que empresas e bancos estatais sejam proibidos de comprar espaço publicitário em blogs contrários ao partido e às suas lideranças. A argumentação de que é movido pelo zelo de proteger as instituições é fantasiosa. Aliás, sequer cabe aos partidos políticos esse papel.

O que Serra quer mesmo — e não é de hoje –  é impedir a manifestação de seus adversários.

Talvez tenha se acostumado com a convivência que mantém com alguns veículos e comentaristas da nossa indústria de comunicação. De tanto vê-los defendendo seus pontos de vista e acolhendo suas opiniões, convenceu-se que os críticos não mereceriam lugar para se expressar.

O fascinante na argumentação é que não o incomoda (ou a seu partido) que existam “blogs, sites e organizações (?)”  — bem como revistas, jornais e emissoras de televisão e rádio — que recebam investimentos em propaganda do setor público e façam oposição até agressiva ao governo.

Parece que acham isso natural e que tais aplicações se justificariam tecnicamente. Se determinado veículo tem leitores, não haveria porque excluí-lo do plano de mídia de uma campanha de interesse de um órgão ou empresa pública. Fazê-lo equivaleria a puni-lo por um crime de opinião.

Se vale para os órgãos de comunicação hostis ao governo e ao “lulopetismo”, por que não se aplicaria no caso inverso? Seria errado anunciar em blogs com visitação intensa, apenas porque seus responsáveis não simpatizam com os tucanos?

Ou Serra e seu partido aplaudiriam se o governo proibisse que seus órgãos comprassem espaço publicitário na imprensa oposicionista?

A decisão sobre a alocação dessas verbas pode ser questionada com base em critérios objetivos: tem determinada emissora suficiente audiência para cobrar seus preços? Aquele jornal tem a circulação que afirma? O blog ou site em questão tem volume relevante de acessos?

Fora disso, é apenas castigar — ou querer castigar — quem tem opinião diferente.

Engraçado lembrar o destaque que o PSDB e suas figuras de proa, como Fernando Henrique, veem dando à internet na discussão do futuro do partido. Tomara que não pensem como Serra: que na internet só podem ficar os “limpos” — que os que o aplaudem, pois os “sujos” — que o questionam –  devem ser banidos.







sábado, 28 de julho de 2012

Eu não sou pobre, pobre é quem acredita que sou pobre

 
“Yo no soy pobre, pobres son los que creen que yo soy pobre.Tengo pocas cosas, es cierto, las mínimas, pero sólo para poder ser rico".

“Quiero tener tiempo para dedicarlo a las cosas que me motivan. Y si tuviera muchas cosas tendría que oc...uparme de atenderlas y no podría hacer lo que realmente me gusta. Esa es la verdadera libertad, la austeridad, el consumir poco. La casa pequeña, para poder dedicar el tiempo a lo que verdaderamente disfruto. Si no, tendría que tener una empleada y ya tendría una interventora dentro de la casa. Y si tengo muchas cosas me tengo que dedicar a cuidarlas para que no me las lleven. No, con tres piecitas me alcanza. Les pasamos la escoba entre la vieja y yo; y ya, se acabó. Entonces sí tenemos tiempo para lo que realmente nos entusiasma. No somos pobres”.

Pepe Mujica, Presidente de Uruguay
 
O carro que tenho, a casa que moro ou as roupas que uso, não alteram em nada aquilo que penso e o sou, faço política pra melhorar a vida das pessoas que nada tem e não pra melhorar a minha. Tenho o suficiente pra viver com dignidade. Quero isso e luto por isso pra todos e todos os dias.
 

quinta-feira, 26 de julho de 2012

PSDB: O Estado-anunciante e a liberdade suja

A representação do PSDB ao Procurador Geral Eleitoral contra blogs que criticam suas lideranças e agenda partidária, é um pastel revelador. O recheio exala as prendas do quituteiro; a oleosidade da fritura qualifica o estado geral da cozinha. Na primeira mordida fica explícito que a referência de 'bom' jornalismo do PSDB é a revista VEJA, uma ferradura editorial adestrada para escoicear três dimensões da sociedade: agendas progressistas; lideranças que as representem; governos que lhes sejam receptivos.

Curto e grosso, o poder tucano pleiteia a asfixia publicitária - com supressão de publicidade estatal -de qualquer outra forma de imprensa que não se encaixe no tripé que o espelha. A singular concepção de pluralidade afronta boa parte dos sites e blogs alternativos que se reservam o direito de exercer a crítica política da sociedade e do desenvolvimento de uma perspectiva não conservadora. 'São blogs sujos', fuzila a representação tucana, cuja coerência não pode ser subestimada. Há esférica sintonia entre a forma como o PSDB se exprime e o higienismo de uma prática que São Paulo, a 'cidade limpa', tão bem conhece.

O tema da publicidade estatal mereceria um discernimento mais amplo do que o reducionismo estreito do interesse eleitoral tucano. O Estado deve se comunicar com a sociedade. A comunicação deve se pautar pelo interesse público. Campanhas educativas e institucionais não podem ser confundidas com propaganda partidária, nem servir aos seus interesses, sejam eles quais forem. Dito isso, resta o ponto sensível ao PSDB: quem merece veicular tais mensagens de pertinência pública reconhecida?

O tucanato e certos 'especialistas em comunicação' parecem convergir, ainda que por caminhos diversos, a um consenso: a mídia alternativa deve ser alijada dessa tarefa. O 'Estado anunciante', uma corruptela do cacoete neoliberal 'Estado interventor', teria atingido, asseguram, uma hipertrofia perigosa; deslizamos a centímetros do abismo anti-democrático. No país que tem um dispositivo com o poder intromissor da Rede Globo, insinua-se que a principal ameaça à democracia é o Estado impor seu 'monólogo' à sociedade. Afirma-se isso com ares de equidistância acadêmica e engajamento liberal,.

Passemos.

Evitar essa derrocada exigiria um veto cabal a toda e qualquer publicidade oriunda da esfera pública? Em termos. Na verdade, não seria exatamente essa essa a malha do coador tucano. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em artigo esclarecedor no 'Estadão', de 3 de junho último, foi ao ponto: “Será que é democrático", disse ele, "deixar que os governos abusem nas verbas publicitárias ou que as empresas estatais, sub-repticiamente, façam coro à mesma publicidade sob pretexto de estarem concorrendo em mercados que, muitas vezes, são quase monopólicos? (...) O efeito deletério desse tipo de propaganda disfarçada não é tão sentido na grande mídia, pois nesta há sempre a concorrência de mercado que a leva a pesar o interesse e mesmo a voz do consumidor e do cidadão eleitor. Mas nas mídias locais e regionais o pensamento único impera sem contraponto.”

É isso. O grão tucano adiciona nuances na investida contra o Estado anunciante. Nas páginas de 'Veja', e sucedâneos, não haveria risco de influencia editorial. Ali a 'voz do consumidor e a concorrência' preservam a 'isenção do jornalismo'. "Mas nas mídias locais e regionais...' Quais? Sobretudo aquelas que incomodam ao engenho e à arte tucana de governar e fazer política.

'Especialistas em comunicação' com passagem pelo governo Lula - experiência descrita sempre como 'traumática, mas de uso conveniente nos salões conservadores - reivindicam, é bem verdade, uma intolerância mais abrangente contra o 'Estado-anunciante'. No limite, advertem, o uso da máquina publicitária instrumentalizaria um poder de coerção de tal forma desproporcional que ameaçaria a própria alternância no poder. A evocação colegial de um ambiente quase-nazista sob o terceiro Reich petista tem, como se sabe, audiência cativa em certos veículos e tertúlias filosóficas de endinheirados. Mas o libelo anti-totalitário tropeça nos seus próprios termos ao não adotar idêntica ênfase na denúncia de uma oligárquica estrutura de propriedade do sistema de comunicação que, esta sim, instituiu um verdadeiro diretório paralelo no país, arvorado em corregedor das urnas, da economia e da ética.

A hipocrisia que perpassa esse descuido pertence a mesma matriz ideológica que inspirou agora a representação tucana contra os 'blogs sujos'. Contra ela Brecht resolveu cunhar um dia a metáfora de hígida atualidade: 'O que é assaltar um banco, em comparação com fundar um banco?' Leia neste endereço, a íntegra da sugestiva representação do PSDB que pede, especificamente, a investigação dos blogs de Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.

Saul Leblon no Blog das Frases

Leia mais na Carta Maior

domingo, 22 de julho de 2012

Denver! Armas e munições livres pra yanques valentes

Celpa, a privataria tucana. Cadeia pra todo mundo !

Na privataria, o Grupo Rede é acusado de ter transferido R$ 700 milhões de reais da Celpa a outras empresas do grupo.





Saiu no Viomundo:

Cláudio Puty: Celpa, um caso clássico de Privataria Tucana


por Luiz Carlos Azenha

A Celpa, Centrais Elétricas do Pará, está em recuperação judicial.

No popular, faliu.

De acordo com o deputado federal Cláudio Puty (PT-PA), é um caso clássico de Privataria Tucana.

A Celpa foi privatizada em 1997. O presidente da República era Fernando Henrique Cardoso. O ministro encarregado da desestatização era José Serra. E o governador do Pará era Almir Gabriel.

O Grupo Rede comprou a Celpa em 1997 com dinheiro da União. O estado do Pará foi avalista do negócio.

Como a Celpa não pagou o que devia, o Fundo de Participação (FPE) do Pará tem sido descontado mensalmente.

Hoje um dos estados que mais produzem energia elétrica no Brasil, exportador de energia (segundo Lúcio Flávio Pinto) sofre com apagões.

Sim, o Pará da hidrelétrica de Tucuruí sofre com apagões.

O programa Luz Para Todos está paralisado no Pará.

Na privataria, o Grupo Rede é acusado de ter transferido R$ 700 milhões de reais da Celpa a outras empresas do grupo.

Segundo o deputado Puty, “isso fragilizou, de maneira mortal, as Centrais Elétricas do Pará”.

O deputado também denuncia a ação tíbia da ANEEL, a Agência Nacional de Energia Elétrica.

Terceiro escândalo, segundo Cláudio Puty: o interventor judicial da Celpa, indicado pela Justiça do Pará, é o advogado eleitoral do atual governador do Estado, Simão Jatene, que teve papel importante, lá atrás, em 1997, na privatização da empresa.

Trocando em miúdos: o governo tucano do Pará atua nas duas pontas do negócio, como credor e devedor da Celpa.

Cláudio Puty acredita que, agora, o objetivo é obter a re-privatização da Celpa, com o uso de dinheiro público e o aumento das tarifas cobradas dos consumidores de energia paraenses.

Por isso, ele defende que a Celpa seja federalizada.

Quanto ao quarto escândalo, está no fato de que o assunto ‘sumiu’ da imprensa do Pará.

Blogueiros paraenses, inclusive Lúcio Flávio Pinto, atribuem isso a dívidas que empresas de comunicação do estado teriam com a Celpa.

Para quem se interessar pela briga entre o Grupo Maiorana (Globo) e as empresas de comunicação de Jader Barbalho, no Pará, leiam isso.

O fato é que a Privataria Tucana, no caso da Celpa, ficará longe da mídia, a não ser que você nos ajude a difundí-la nas mídias sociais.

Para ouvi a entrevista, clique aqui.

Leia mais no Conversa Afiada

quinta-feira, 19 de julho de 2012

Minha" vó ta" Maluka com vocês Fô-Fô


Hoje "perniando" da Vila Cristal até a Tronco, pedi pro amigo Luiz Avila (fotógrafo da melhor qualidade) registrar o protesto de uma família engajada  no "Chave por Chave" da Vila Cristal. A comunidade se organizou pra não aceitar o "aluguel social" ou "casa de passagem", que o Prefeito Fortunati propõem ao moradores que a prefeitura quer "isolar" pra Copa/2014. Os netos com seus sorrisos espontâneos serão um contra-ponto a ganância da bancada cimenteira da capital guasca.

"Não vão botar nóis na rua". Não passarão.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Sobre os vendilhões de sempre

Nova relação de poder em escala mundial

Entre as coisas que mais incomodam a direita latino-americana estão os processos de integração regional. Um argumento forte que a direita sempre usava e que tende, cada vez mais, a perder força, é o que consideravam caráter inevitável da hegemonia economica norteamericana, o que nos levaria, segundo a direita, a termos que nos submeter a políticas de subordinacao aos EUA, sob o risco de ficarmos para trás nos processos de modernização e desenvolvimento econômico.

A atual crise econômica representa, entre tantas outras coisas, a culminação de um processo de enfraquecimento das economias do centro do capitalismo, depois de décadas de aplicação de políticas de livre comércio e de neoliberalismo. A crise profunda e prolongada em que estão imersas, tem consequências recessivas para o conjunto do sistema econômico mundial, mas não o suficiente para levá-lo, por inteiro à recessão. Seus efeitos políticos têm sido o oposto do que costumavam ser: ao invés de reafirmar o peso e o lugar incontornáveis dos países do centro, tem levado ao seu enfraquecimento. Os países que mais dependem deles são os mais afetados pela crise e pela recessão. Os modelos que eles afirmavam como inevitáveis, os levam à recessão prolongada, enquanto as economias que aplicam modelos distintos, conseguem se defender das ondas recessiva vindas do centro, mantendo níveis de expansão, associados a políticas sociais redistributivas.

A prioridade dos projetos de integração regional ao invés dos Tratados de Livre Comércio com os EUA revelam-se não apenas uma opção política coerente, como produzem efeitos econômicos favoráveis. A opção do México – o primeiro a assinar TLC na America Latina – se revelou frustrada: ao invés de impulsionar seu crescimento e renovação econômica, o condenou a atrelar seu destino ao da economia norteamericana – um dos epicentros da crise econômica internacional -, com mais de 90% do seu comércio exterior com os EUA e praticamente nenhuma comércio com a China e muito pequeno com a América do Sul, duas das principais fontes de crescimento econômico no mundo hoje.

Assim a opção preferencial pelos processos de integração Sul-Sul revelam não apenas uma postura de luta por um mundo multipolar, como mostram sua eficácia econômica, tirando da direita o argumento que não privilegiar relações econômicas com os EUA e a Europa levaria os países ao atraso, ao isolamento e à recessão.

Há uma nova correlação de forças econômicas em nível mundial e ela favorece o Sul do mundo em detrimento dos países do centro do sistema. Não se trata de uma reversão nas relações de poder, promovendo a hegemonia do Sul sobre o Norte, mas sim de uma situação que permite relações distintas às que predominaram desde o surgimento do sistema capitalista, como o colonialismo e o imperialismo que ele promoveu. Além de que o dinamismo econômico já não é monopólio dos países do centro, que podem seguir detendo vantagens do ponto de vista tecnológico, mas não podem aplicar esses elementos sem dinamismo econômico, com que não podem contar.

Do que se trata agora é de construir espaços de integração em nível mundial, conforme a visão e os interesses do Sul do mundo, que permitam superar o sistema institucional internacional que foi criado para consolidar e perpetuar o poder dos países centrais, hoje declinantes em escala mundial.

Emir Sader em seu blog na Carta Maior

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Eleições: torcida e realidade

É possível fazer bons prognósticos a partir de pesquisas de intenção de voto realizadas a três meses da eleição?
Como em quase tudo na vida, a resposta é ambígua: depende.
Depende do tipo de eleição e da situação concreta de cada uma.
Em eleições gerais, nossa experiência de muitos anos mostra que sim. Bem lidas e corretamente interpretadas, essas pesquisas previram todas as eleições presidenciais desde a redemocratização. Em nenhuma, os verdadeiros favoritos do início de julho mudaram.
Em nível menor, as eleições de governador também são assim. Nelas, podem ocorrer "fenômenos de última hora", mas não são comuns. A regra é a vitória de quem lidera desde essa época.
Na última eleição, por exemplo, se pensarmos nos maiores estados, a única "surpresa" aconteceu em Minas Gerais. Alguns poderiam até imaginar o desempenho que Antonio Anastasia (PSDB) acabou tendo, mas, em julho, nenhuma pesquisa o projetava.
Já em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Bahia, Pernambuco e Ceará, terminaram vencendo os que despontavam então.
Nas eleições municipais - especialmente nas capitais e onde há televisão -, no entanto, costuma prevalecer quase que o inverso. Em inúmeros casos, o vitorioso de outubro era um azarão (ou um derrotado) em julho.
Em 2008, isso aconteceu em quase todas as principais metrópoles.
Se os levantamentos do início do período de campanha tivessem sido confirmados, São Paulo seria governada por Marta Suplicy (PT), o Rio de Janeiro por Marcelo Crivella (PRB), Belo Horizonte por Jô Moraes (PCdoB), o Recife por Mendonça Filho (DEM) e Salvador por ACM Neto (DEM). Nada disso, como se sabe, aconteceu.
Pelo contrário. Em algumas, ganhou quem estava em terceiro lugar em julho, como Eduardo Paes (PMDB), no Rio (que era superado por Crivella e Jandira Feghali, do PCdoB), Marcio Lacerda (PSB), em Belo Horizonte (que ficava atrás de Jô e de Leonardo Quintão, do PMDB), e João da Costa (PT), no Recife (que perdia para Mendonça e empatava com Cadoca, do PSC).
Mesmo alguns dos prefeitos que buscavam a reeleição andavam mal naquele momento. Em São Paulo e Salvador, Gilberto Kassab (PSD) e João Henrique (PP) amargavam incômodos terceiros lugares. Em Fortaleza, Luizianne Lins (PT) estava embolada com Moroni Torgan (DEM). Os três contrariaram os resultados de julho e venceram - ela no primeiro turno.
Só em Porto Alegre e Curitiba essas pesquisas já identificavam os vitoriosos. José Fogaça (PMDB) e Beto Richa (PSDB) - ambos disputando a reeleição - foram eleitos, com números até parecidos aos que obtinham.
O que se deduz é óbvio: é preciso cautela com os prognósticos prematuros a respeito das eleições para prefeito. Nelas, é comum que as pesquisas de julho não sejam capazes de antecipar o resultado final - ou até de vislumbrá-lo.
As razões para isso são conhecidas e decorrem das condições de mídia muito peculiares que nelas prevalecem. Em especial, da ocupação maciça da grade de programação das emissoras de televisão pelos comerciais de campanha dos candidatos. Desde que bem feitos e com conteúdo, eles podem fazer com que velhos prognósticos caduquem da noite para o dia.
Quem vai ganhar nas capitais? Os favoritos de hoje resistirão? Não haverá qualquer "surpresa" em 2012 - como tivemos em todas as anteriores?
Ninguém sabe e correm sério risco de errar os que profetizam os resultados de outubro baseados nas pesquisas de agora.
Como os responsáveis pela manchete de um jornal carioca, que - com mal disfarçada alegria - decretava que "o quadro para o PT é sombrio", pois apenas um de seus candidatos está hoje na frente, consideradas as 10 maiores capitais.
Tanto o PT, quanto o PSDB - ou qualquer outro partido - podem sair da eleição maiores ou menores. O que é impossível é afirmá-lo em julho.
No máximo, pode-se desejá-lo.

Por Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Aberta a temporada de caça ao PT

A propaganda eleitoral está liberada desde o dia 7 de julho. Para a fatia majoritária da população, a campanha municipal de 2012 começa agora. Para os partidos e lideranças, a caminhada vem de antes, desde as refregas na escolha dos candidatos, passando pelas disputas e as sinalizações das alianças, à luta pelo tempo no horário eleitoral gratuito a TV. Nenhuma das decisões se esgota em si mesma. A lógica do poder é espiralada, para acima e para baixo. Uma vitória catalisa as forças do passo seguinte; a derrota aleija e descredencia. O dispositivo midiático conservador arma-se com a faca nos dentes. Sem tempo de TV para afrontar o tsunami do jornalismo isento, nada feito.

O poder midiático acaba de reafirmar seu peso nas eleições presidenciais mexicanas, constituindo-se em fator decisivo à volta do PRI ao poder. A ação da Televisa --a Globo local- contra López Obrador foi tão inescrupulosa que gerou a maior surpresa do processo eleitoral: o movimento YoSoy132, uma iniciativa estudantil que combinou a força da rede e a da rua, afrontou o poder da Televisa ao criar canais alternativos de debate.

A disputa pela prefeitura de São Paulo, um dos quatro maiores orçamentos do país, decide o futuro político de José Serra e o de sua ala no PSDB, minguante inclusive em São Paulo: se vencer, o tucano ganha músculos para uma nova tentativa de chegar à Presidência em 2014. Depois de duas derrotas presidenciais para o PT, se perder no próprio ninho, o ex-governador deslizará para uma aposentadoria humilhante, com provável dissolução de sua influencia partidária na própria cidade que pretende usar como trampolim eleitoral pela segunda vez.

Não são poucos os tucanos que torcem por esse fracasso. A votação de Serra na convenção partidária em março foi o sinal eloquente de uma liderança cada vez mais afeita a dividir do que a somar: esperava-se uma consagração com 80% dos votos; o esquálida apoio de 52% dos delegados soou mais como um aviso prévio do que um cheque em branco; o perfil arestoso e desgastado do político cuja principal vitrine é o elitismo e a cizânia não encontra mais braços dispostos a carregá-lo com entusiasmo. É um flanco de partida oneroso.

Para o PT a eleição de São Paulo empilha travessias e simbolismos igualmente desafiadores. O partido decidiu cravar aqui um alicerce de renovação audacioso ao optar pelo lançamento de Fernando Haddad, em detrimento de Marta Suplicy. O novo ciclo foi bancado por Lula que fará de São Paulo a moldura de sua volta à política da rua, dispondo-se a jogar nela o cacife de maior cabo eleitoral de hoje e de 2014. Os números evidenciam o peso que o escrutínio paulista assume na vida dos partidos e da política nacional: a campanha de Serra prevê gastos de até R$ 98 milhões; a de Haddad, R$ 90 milhões. Ambos praticamente se equiparam no tempo do horário eleitoral gratuito: 7mi 46 e 7 mi 34, respectivamente.

Fator decisivo na campanha de um candidato desconhecido, a luta pelos segundos da propaganda gratuita descarregou nos ombros do PT seu ônus de largada: o partido terá que explicar ao eleitor de classe média, justamente o alvo da estratégia de renovação, a aliança com Paulo Maluf, referência de tudo aquilo contra o qual se bateu desde a fundação. O pragmatismo será melhor tolerado se Haddad firmar-se no imaginário da população como o portador de propostas ao mesmo tempo inovadoras e críveis, que devolvam a confiança numa prefeitura realmente disposta a ser o comando de uma cidade a favor da cidadania.E não a mera extensão burocrática do poder do dinheiro como tem sido, com requinte, sob a administração do codomínio Serra/Kassab.

Difícil numa metrópole capitalista como São Paulo? E o que dizer de uma metrópole quase tão grande quanto e ainda por cima vizinha do império americano? A esquerda comanda a Cidade do México desde 1997. E o faz com resultados tão encorajadores que acaba de ser vitoriosa para mais um mandato, com uma vantagem de 44 pontos sobre a direita local. Claro que não será fácil para Haddad e para o PT. Serra não une nem o PSDB, mas sabotar a reeleição de Dilma, em 2014, interessa a todas as facções do conservadorismo que sabem a importância de vencer em São Paulo. A mídia jogará seu peso desequilibrador nesse objetivo com duas alavancas: a cobertura tóxica do julgamento do mensalão e a intriga para estilhaçar a frente progressista, da qual depende a continuidade do governo Dilma, em 2014.

Uma pequena amostra de como a eleição municipal será instrumentalizada para esse fim foi oferecida pela Folha na entrevista deste domingo com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos. O assertivo neto de Miguel Arraes fez duas afirmações de importância jornalística e política incontornáveis: a) disse que nunca mudou de lado e sabe exatamente onde vai estar em 2014; b) afirmou que não é candidato a presidente em 2014 e pretende apoiar a reeleição de Dilma Rousseff. A manchete da Folha foi: 'Eduardo Campos diz que o PT cria mais problema para Dilma do que o PSB'. Pela importância política e pedagógica desse material vale a penar ler os principais trechos da entrevista:

"Campos diz que PT cria mais problema para Dilma do que o PSB"

Folha de São Paulo, 08 de Julho de 2012

Folha - Que crise é essa do PSB com o PT?

Eduardo Campos - Não damos dificuldades para o governo Dilma. Significa que nosso partido vai ser satélite do PT? Não é da nossa história, nem da nossa política.

É essa a raiz da discórdia, não querer ser satélite do PT?

O que tem Fortaleza a ver com Belo Horizonte? São Paulo a ver com Recife? O PSB agora virar inimigo oculto do PT chega a ser ridículo. Ser colocado como inimigo número um e a gente ver históricos adversários virarem amigos de sempre. Está errado.

O senhor está falando de Paulo Maluf [que se aliou ao PT em São Paulo]?

Estou falando de muitos outros, não só do Maluf. Você vê em Curitiba: Gustavo Fruet [ex-tucano e ex-deputado de oposição] virar o melhor amigo do PT, e o PSB virar o inimigo? Nós não vamos fazer o jogo de alguns, que querem afastar de Dilma aqueles que têm mais identidade com o governo dela.

O sr. está falando do ex-ministro José Dirceu?

De todos. Se estiver nisso, falo dele também. A história que nos trouxe até aqui não deve colocar dúvida na cabeça do presidente Lula, nem na minha, nem na da presidente Dilma sobre a qualidade da relação que temos.

Mas chegou perto, né? Ele chegou a ter essa dúvida...

Vamos ter que ter paciência para esperar a história daqui pra frente. Quem viver 2014, verá. Porque eu já vi muita gente ser subserviente, agradável, solidária em meio de mandato e, quando bate a primeira crise, muda imediatamente de lado. Como nunca mudamos de lado, eu sei onde vou estar em 2014.

Onde?

Do lado que sempre estive. Acho que o PSB deve em 2014 apoiar Dilma para se reeleger presidente.

O sr. não será candidato...

E quem disse que eu seria?

Seus correligionários...

Toda vez que fui candidato, eu disse que era candidato. Ser candidato contra Dilma só porque eu quero ser? Ela está na Presidência e tem a prerrogativa da reeleição. Para a reeleição de Dilma, o problema não somos nós.

Qual é o problema?

O próprio partido dela [o PT] cria mais problema para ela do que o PSB. No sentido que vocês noticiam e no sentido de tentar tirar de perto dela quem pode ajudá-la.

Se a economia erodir a popularidade da Dilma e Lula não for candidato, o sr. sai para a Presidência?

Não trabalho com essa hipótese. Temos debates muito mais importantes do que [debater] quem será prefeito dessa ou daquela cidade.

O que está em jogo é o ciclo de expansão econômica com inclusão social. O consumo ainda pode dar algum resultado, mas chegou a hora de fazermos um grande esforço para alavancar investimentos públicos e privados. Essa que é a pauta brasileira, não essa futrica.

O PSB está avançando nos Estados, no Congresso. Vocês pedirão a vice do PT em 2014?

Nunca fizemos isso. Agora mesmo, em São Paulo, o PT escolheu a [deputada Luiza] Erundina [do PSB, para vice do petista Fernando Haddad]. Lula buscou um quadro da minha geração, o Haddad. Se fôssemos o inimigo número um do PT, não teríamos sido os primeiros a apoiá-lo. Colocamos a vice que o PT entendia que era a que mais ajudava, a Erundina.

Ela não ajudou muito...

Quando ela saiu, liberamos Haddad para escolher o nome que quisesse. Foi isso que fizemos com largueza de coração.

Com tanta frustração, o que o segura ao lado do PT?

Não vou sair desse itinerário. Temos uma frente política construída há muitos anos, que ajudou o Brasil a melhorar. Claro que minha relação com o presidente Lula, que eu conheci ainda menino, a ajuda que ele me deu e a meu Estado eu prezo muito.

O PT diz que o senhor é uma espécie de monstro criado por Lula, que o ajudou muito com recursos.

Pago preço do ciúme que muitos têm. Mas Lula sabe também que conta conosco. Em 1989, [o avô de Campos, Miguel] Arraes era governador de Pernambuco, tendo voltado de 16 anos do exílio, e o PT gritava na porta do palácio: "Arraes, caduco, Pinochet de Pernambuco". Mas isso não impediu meu avô de abraçar a primeira eleição de Lula, porque nós não fazemos política tendo como referência a guerra de espaço, de aparelhar, de ter uma garrafa a mais [no governo]. Nossa referência na política é o interesse do povo e do país.

O PT aparelha?

Não. Estou dizendo que somos diferentes, formas diferentes de pensar, ver o mundo. Você não pode imaginar que o Brasil deste tamanho vai ter um partido único, que vai ser dono da verdade, dono do poder, dos 5.000 municípios, dos 27 Estados, do Brasil, por um século. Você não pode imaginar que esse seja o projeto do povo brasileiro. É bom que tenha alternância de poder. É importante ter a perspectiva do contraditório.

Em 2014 serão 12 anos de PT no poder. É muito?

Acho que dá para ter 16. Eu só, não. A sociedade também está achando. Como o PSDB está em São Paulo há 16 anos.

E está bom 16 anos de PSDB em São Paulo?

O povo achou que sim.

Dá para ter 20 anos de PT?

Vinte? Há um ciclo que vai se abrir no Brasil depois de 2014. É um ciclo até geracional, tanto na oposição quanto no campo do governo. Agora, atropelar isso em nome de projeto pessoal não é uma coisa correta. Dilma está presidente da República sem nunca ter pedido para ser candidata.

A base aliada reclama de Dilma. O senhor faz algum reparo ao estilo dela?

Ela tem a base muito ampla. Acho que não há dificuldade insuperável. Vamos ajudá-la a proteger o Brasil da crise. Não podemos permitir que joguem a presidente nesse debate da eleição municipal.

Mas ela entrou na articulação de Belo Horizonte.

Em BH eu compreendo, da mesma forma que ela compreende minha articulação aqui em Recife. Precisamos dar força a ela para o governo ganhar [na economia] o ano de 2012. Dilma não tem por que jogar carga ao mar.

É um pedido para ela não ajudar Humberto Costa [candidato petista de Recife]?

Não. Tem coisas que não se pede, eu sei que ela é justa.

Por Saul Leblon no Blog das Frases

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Os mensalões, um comparativo

Por coincidência, justamente quando o julgamento do mais famoso “mensalão”, que alguns chamam “do PT”, foi marcado, a Procuradoria-Geral da República encaminhou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) sua denúncia contra os acusados de outro, o “mensalão do DEM” do Distrito Federal.
Trata-se mesmo de um acaso, pois a única coisa que os dois compartilham é o nome. Equivocado por completo para caracterizar o primeiro e inadequado para o segundo.

Processos contra os 40 réus do chamado mensalão.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr
Naquele “do PT”, nada foi provado que sugerisse haver “mensalão”, na acepção que a palavra adquiriu em nosso vocabulário político: o pagamento de (gordas, como indica o aumentativo) propinas mensais regulares a parlamentares para votar com o governo. No outro, essa é uma das partes menos importante da história.

Alguns acham legítimo – e até bonito – empregar a expressão como sinônimo genérico de “escândalo” ou “corrupção”, mas isso só distorce o entendimento. O que se ganha ao usar mal o português? No máximo, contundência na guerra ideológica. Chamar alguma coisa de “mensalão” (ou adotar neologismos como “mensaleiro”) tornou-se uma forma de ofender.
Fora o nome errado igual, os dois são diferentes.

Ninguém olha o “mensalão” de Brasília como se tivesse significado especial. É somente, o que não quer dizer que seja pouco, um caso de agentes políticos e funcionários públicos, associados a representantes de empresas privadas, suspeitos de irregularidades.


Por isso, se o STJ acolher a denúncia, o processo terá tramitação normal. Sem cobranças para que ande celeremente. Sem que seja pintado com cores mais fortes que aquelas que já possui. Sem que se crie em seu torno um clima de “julgamento do século” ou sequer do ano.

É provável que aconteça com ele o mesmo que com outro mais antigo, o “mensalão do PSDB”. Esse, que alguns dizem ser o “pai de todos”, veio a público no mesmo período daquele “do PT”, mas avança em câmera lenta. Está ainda na fase de instrução, sem qualquer perspectiva de julgamento.

Por que o que afeta o PT é mais importante?

A resposta é óbvia: porque atinge o PT. Se os “mensalões” da oposição são tratados como secundários e se outros são irrelevantes (como os que a toda hora são noticiados em estados e municípios), deveria existir no do PT algo que justifique tratamento diferente.

Há quem responda com uma frase feita, tão difundida, quanto vaga: seria o “maior escândalo da história política brasileira”. Repetida como um mantra pelos adversários do PT, não é substanciada por nenhuma evidência, mas circula como se fosse verdade comprovada.

“Maior” em que sentido? Os recursos públicos movimentados seriam maiores? Mais gente estaria envolvida?

É difícil para quem lê as alegações finais do Ministério Público Federal (MPF) compreender o montante que em sua opinião teria sido desviado e como. O documento é vago e impreciso em algo tão fundamental.

Essa indefinição pode ser, no entanto, positiva: deixa a imaginação livre. Qualquer um pode inventar o valor que quiser.

O “mensalão do DEM”, ao contrário, tem tamanho especificado: 110 milhões de reais. Nele, o MPF não se confundiu com as contas.
S

e o critério para considerar maior o petista for a quantidade de envolvidos, temos um curioso empate: dos 40 acusados originais, número buscado pelo MPF apenas por seu simbolismo, restam 37, tantos quanto os denunciados no escândalo de Brasília.

E há diferenças notáveis. No “mensalão do DEM”, os agentes públicos foram citados por desviar dinheiro para enriquecimento pessoal, o que, em linguagem popular, significa roubar. No “do PT”, nenhum.

De um lado, valores certos, acusados em número real, motivações inaceitáveis. Do outro, o oposto.
Quando o procurador-geral declarou que “a instrução comprovou que foi engendrado um plano criminoso para a compra de votos dentro do Congresso Nacional”, esqueceu que nem sequer uma linha de suas alegações o demonstrou. Arrolou 12 deputados (quatro do PT), que equivalem a 2% da Câmara, número insuficiente para sequer presumir que houvesse “um esquema de cooptação de apoio político”, a menos que inteiramente inepto.

No caso de Brasília, nada está fantasiado, é tudo visível, o que não significa que tenha sido provado de forma juridicamente correta.

No fundo, essa é a questão e a grande diferença entre os dois. Quando a hora chegar, o “mensalão do DEM” deverá, ao que tudo indica, ser analisado de maneira técnica. Se o “do PT” o fosse, pouco da acusação se sustentaria.
Tomara que os ministros do STF consigam independência para julgá-lo de maneira isenta, livres das pressões dos que exigem veredictos condenatórios.


O artigo é do Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi. Também é colunista do Correio Braziliense. Originalmente na Carta Maior

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Congresso Internacional de Trânsito traz a Porto Alegre a CEO da agência de prevenção de acidentes, a australiana responsável pelo vídeo “Everybody Hurts”, mega sucesso nas redes sociais




Este vídeo postado em dezembro de 2009, no site “You Tube”, se espalhou pelas redes sociais e hoje contabiliza mais de 14 milhões e 700 milvisualizações. O anúncio intitulado “Everybody Hurts”, por ter como trilha sonora a música de mesmo nome da banda americana REM, traz uma compilação dos filmes publicitários produzidos nos últimos 20 anos pela TAC (Transport Accident Comission), o órgão governamental de prevenção de acidentes e educação no trânsito do estado de Vitória, na Austrália. A TAC é uma organização governamental que atua ainda na indenização das vítimas de acidentes de trânsito, similar ao DPVAT no Brasil.

Filmado de forma hiper realista, o anúncio mostra sem eufemismos as conseqüências da direção perigosa que resulta em acidentes gravesnas vidas dos envolvidos. A peça impactou o mundo ao se espalhar pelo Facebook e Twitter, entre outras redes sociais, e mudou paradigmas da propaganda educativa de trânsito. 

O Congresso Internacional de Trânsito, que se realiza entre 17 e 19 de julho de 2012,no Centro de Convenções do Barra Shopping Sul, em Porto Alegre, terá a CEO da TAC, Janet Dore, como uma das suas palestrantes internacionais. Dore vai proferir conferência às 16hs do dia19 de julho, sob o tema: “Conte a verdade, mostre a realidade” – 20 anos de campanhas públicas de segurança”. 
Janet vai abordar como as campanhas contribuíram para reduzir pelametade os acidentes de trânsito em Vitória nos últimos 12 anos. Vitória é o segundo Estado mais populoso da Austrália, e o mais densamente povoado, com cerca de 75% de sua população vivendo na capital Melbourne.

Dore atuou no Tribunal de Planejamento de Recursos de Vitória mantendoao mesmo tempo compromissos acadêmicos no (então) RMIT e FIT. Foi a primeira CEO da recém constituída Cidade de Ballarat. CEO do Conselho da Cidade deNewcastle e Chief Claims Officer da TAC. É Diretora do Instituto de Pesquis apara Segurança, Compensação e Recuperação (ISCRR), o Comitê de Geelong, e foi nomeada membro do Painel Consultivo de Peritos sobre o Plano Nacional de Seguros e Deficiência (NDIS) em 2012. Possui MBA da Universidade Deakin e é membro do Instituto Australiano de Gestão e do Instituto Australiano de Diretores de Companhias. Atua como CEO da Victoria’s Transport Accident Commission (TAC) desde outubro de 2008.

A conferência de Dore terá a mediação do publicitário e sócio-diretor da Agência Escala, Alfredo Fedrizzi. "Sempre acreditei que usar a emoção é o que funciona em comunicação de massa. E essa campanha da TAC é um marco, pois choca. Depois que assisti na primeira vez, inclusive, saí de carro andando muito mais devagar do que sempre. No Brasil algumas pessoas pensavam que em temas como esse a comunicação deve ser"comportada". Felizmente, estão repensando, pois os resultados são maiores em campanhas mais "reais". Adoro essa campanha e acho que ela contribuiu para melhorar muito o nível das campanhas públicas no mundo", avalia Fedrizzi.
Janet Dore chegará a PortoAlegre no domingo, dia 15 de julho, e estará à disposição para entrevistas para os órgãos de mídia impressa, eletrônica e de internet. Os agendamentos devem ser feitos através da assessoria de comunicação do Congresso Internacional deTrânsito.

O Congresso Internacional de Transito é uma realização do Detran-RS, em comemoração pelos 15 anos de atuação do órgão. Em três dias de atividades, o evento vai reunir especialistas, estudiosos, formuladores e agentes efetivos das políticas de educação no trânsito e prevenção de acidentes para uma vasta troca de experiências e idéias. As inscrições para o evento são gratuitas e estão abertas ao público em geral no hot site do evento, em www.congressodetransito.rs.gov.br.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

A "Frente Paraguaia" mostra os dentes

Bastou um golpe de Estado para catalisar a orfandade conservadora, que amargava indócil ostracismo no ambiente democrático e progressista que predomina no Brasil e na América do Sul. Veio do sofrido Paraguai - onde 2,5% da população detém 80% das terras - a senha para replicar cepas e esporões remanescentes de ditaduras e negócios contrariados ao longo desse processo.

O 'golpe democrático' contra Fernando Lugo aconteceu numa sexta-feira (22-06); rito expresso, cumprido em 33 horas. As bactérias conservadoras se alvoroçaram; mas ainda aguardariam o fim de semana para medir a espaço de adesão. Avaliado o risco, começaram a proliferar-se. A frente paraguaia pró-golpe manifestar-se-ia, primeiro, no Congresso.

Expoentes tucanos e emissários do agronegócio brasileiro, que anexou extensões escandalosas de terras do país vizinho em prejuízo dos camponeses locais, desfraldariam o lobby. Queriam o 'reconhecimento do novo governo amigável' por parte da Presidenta Dilma. Rechaçados, seria a vez da cavalaria midiática colocar-se a campo. A Folha, em editorial no dia 26, sugestivamente intitulado 'Paraguai soberano' esbravejava antecipadamente contra a reunião do Mercosul que ocorreria em Mendoza, três dias depois, e recomendava, ou melhor, ordenava: 'o melhor que o Itamaraty tem a fazer é calar-se e respeitar a soberania do vizinho'.

Como os presidentes do Brasil, Argentina e Uruguai não leram o editorial e, ademais de suspenderem o Paraguai golpista, incorporaram a Venezuela progressista ao bloco, as cepas e esporões passaram a reproduzir-se com furor lacerdista. Colunistas prestativos lixaram o verniz liberal e espanaram o pó de uma biografia de bons serviços prestados à ditadura brasileira, como editores de recados semanais nas revistas de sempre.

Aqui e ali espumaram sua essência intacta contra o que classificariam como sendo 'uma truculenta intervenção nos assuntos internos do Paraguai'.

Nesta 3ª feira, coube ao 'Estadão' editorializar o desejo implícito na esponjosa reação em cadeia de valores liberais que costumeiramente unem o cofre agrário ao bolso da subserviência geopolítica. O jornalão que patrocinou o golpe de 64, e esperneou quando foi excluído do butim, deixou de lado a liturgia do espaço editorial e aconselhou aos golpistas paraguaios 'mandar às favas essa união aduaneira fracassada e buscar negociações relevantes para seu país'. Leia-se, buscar o regaço largo dos EUA, implodindo uma união regional que nem a crise conseguiu arranhar --e que corre o risco de se fortalecer se o colapso financeiro dos ricos for exorcizado pela retomada do ativismo estatal na região.

A frente paraguaia, portanto, pôs-se a campo, tem objetivos claros e agora explícitos: apoiar o golpe; através dele, criar um contencioso capaz implodir a espiral soberana e progressista em curso na América Latina. Leia  a oporrtuna  entrevista do assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia sobre o assunto clicando aqui

Por Saul Leblon na Carta Maior

terça-feira, 3 de julho de 2012

“Não vai falar, vagabunda?”, dizia o torturador


Policiais torturam para forçar confissões, agentes penitenciários torturam para castigar os presos. Há centenas de denúncias todos os anos mas poucos agentes do Estado são punidos.

“Zero Um” é o mais nervoso dos quatro policiais militares que revistam a casa de Marlene. Depois de encontrar um cigarro de maconha, além de um relógio, munição e um computador roubados, os PMs a levam para o quarto algemada, fazem com que ajoelhe e desferem uma rodada de tapas no seu rosto, coronhadas na cabeça e chutes pelo corpo. É de “Zero Um” a ideia de pegar um saco plástico:
“Não vai falar, vagabunda?”. Ele coloca o saco preto ao redor da cabeça de Marlene. Ela desmaia.
O nome da vítima foi trocado, para preservar sua identidade, mas o apelido “Zero Um” é verídico, escolhido pelos PMs entre os codinomes usados pelos personagens de Tropa de Elite – filme que retrata a ação do grupo de elite da polícia militar do Rio de Janeiro.
Eram dez horas da noite do primeiro dia de 2012 quando a camareira de 28 anos autorizou a entrada dos policiais em sua casa, que fica em um bairro pobre de Manaus. Ela estava grávida de 5 meses, perdeu a criança dois dias depois. A “técnica” do saco no rosto para extrair informação também aparece nas cenas de Tropa de Elite.
Na vida real, era o início de uma sessão de mais de duas horas de tortura – relatados por Marlene à reportagem da Pública que a visitou na Cadeia Pública Feminina “Desembargador Raimundo Vidal Pessoa”, onde está presa desde então por posse de objetos roubados.
Marlene acordou do desmaio provocado pela falta de ar dentro do saco preto com um jato de spray de pimenta no rosto e foi arrastada para a cozinha. Mais uma vez, foi de “Zero Um” a ideia: esquentar objetos metálicos no fogão. Os policiais usaram suas próprias ferramentas de trabalho para queimá-la: primeiro, a algema, pressionada em brasa contra sua perna esquerda com a ajuda de um alicate. Depois, a ponta do cano do revólver, dentro da pele queimada pela algema – formando dois círculos circunscritos.
As marcas deixadas pela polícia no corpo da camareira são inconfundíveis. São a prova de que eles não temiam punição. Embora amplamente conhecida pela população, a tortura cometida por agentes da lei é um tabu para a Justiça.
Raramente condena-se um policial ou um agente carcerário pelo crime.
Uma enraizada cultura de resistência da própria corporação dificulta o julgamento, a investigação e produção de provas. Isso quando a vítima consegue registrar a denúncia, vencendo outra série de obstáculos antes da abertura do inquérito. O silêncio realimenta o crime ao dar a segurança da impunidade aos policiais violentos.

Comissão da verdade: tortura ontem e hoje


A recente criação da Comissão da Verdade, em maio desse ano, foi considerada um passo importante para quebrar o ciclo histórico da violência praticada por agentes do Estado no país. A cerimônia de lançamento do grupo, que deve trazer à tona os relatos sobre tortura e homicídio cometidos pelo regime militar, contou com um discurso emocionado da presidenta Dilma Rousseff, ela mesmo uma vítima da tortura em 1970. O mesmo governo que lança luz sobre os crimes do passado, porém, faz pouco sobre a tortura que acontece no presente.
É isso que diz um duro relatório da Organização das Nações Unidas (ONU), que o governo manteve sob sigilo por quatro meses. Quando o documento foi divulgado, em 15 de junho, não foi difícil entender o porquê: o documento aponta diversas brechas e falhas no combate ao crime dentro das instituições brasileiras.
Com base em visitas a presídios e entrevistas no Brasil, o Subcomitê de Prevenção à Tortura (SPT) faz recomendações concretas sobre como os governos podem – e devem – combater o crime. E destaca que pouco mudou desde a última visita do grupo, em 2001. “O SPT recorda que muitas das recomendações feitas no presente relatório não estão sendo apresentadas ao Brasil pela primeira vez”, diz o documento. “Infelizmente, o SPT detectou muitos problemas semelhantes aos identificados nas visitas anteriores”.
Um dos compromissos mais simples assumidos pelo governo brasileiro com a ONU era o de criar, até 2008, um mecanismo nacional para combater a tortura, que teria um comitê responsável por organizar os dados estatísticos, promover medidas de prevenção ao crime e fazer visitas sistemáticas a presídios e delegacias.
Nem isso foi feito. O Projeto de Lei que criava o mecanismo só foi enviado ao Congresso em setembro de 2011, o mesmo mês em que o subcomitê voltava a visitar o país. Hoje, aguarda votação.

Caixa preta


É difícil ter uma dimensão da prática da tortura no Brasil, pois não há um órgão que centralize as denúncias contra policiais civis e militares e agentes carcerários. Cada polícia estadual tem sua ouvidoria (civil) e corregedoria (militar), e o sistema penitenciário tem sua própria corregedoria. A Pública solicitou os dados de denúncia de violência em cada uma dessas instituições, em todos os estados. Foram 57 ouvidorias contatadas (em alguns estados, a ouvidoria da polícia é unificada) e 18 responderam. Ou seja, menos de um terço dos órgãos em que a informação foi solicitada.
Embora restritos, os dados dão uma ideia da dimensão do crime. Foram 1.356 denúncias de tortura, agressão física e lesão corporal praticadas por policiais e agentes penitenciários em 14 estados entre 2010 e 2011.
A Lei de Acesso à Informação, aprovada junto com a instituição da Comissão da Verdade, diz que os órgãos do Estado têm o dever de passar informações públicas quando solicitados. “Por essa lei, os dados de direitos humanos nunca mais poderão ser reservados, secretos ou ultra secretos”, disse Dilma no discurso que saudou a aprovação da lei.
Na prática, os órgãos públicos ainda encontram avariadas maneiras de negar o acesso à informação. Dados solicitados com até 3 semanas de antecedência não foram fornecidos a pretexto de “falta de tempo”, e algumas ouvidorias simplesmente se recusaram a prestar a informação. “Não passo porque o tratamento que o jornalista dá é de servir essa máquina do capitalismo, é para vender”, disse o coronel Lourival Camargo, corregedor da polícia militar de Goiás.
A falta de preparo das instituições para entender a função dos órgãos em que atuam também ficou evidente diversas vezes. Um exemplo: questionado sobre denúncias de violência contra agentes penitenciários, o funcionário de uma ouvidoria do sistema penitenciário (que tem como principal função receber denúncias contra os agentes do sistema), não escondeu seu estranhamento: “Agressão ao preso? Você não quer dizer ao agente? Você quer saber quantos presos bateram nos agentes, né?”.

Submarino e microondas


Segundo levantamento da Pastoral Carcerária em 2010, organização que visita presídios em todos os estados, a prática de tortura por parte de agentes públicos foi documentada em 20 dos 26 estados acompanhados. Os relatos coletados entre as vítimas vão de espancamentos pela polícia civil e militar no momento da prisão a agressões dentro das unidades de detenção (veja alguns relatos no vídeo acima). As mais comuns são feitas com porrete, cano da arma e com o uso das mãos e botas.
José Dias de Jesus Filho, assessor jurídico da pastoral, que acompanha todos os casos que passam pela entidade, descreve outras “técnicas” relatadas: “Além do saco plástico, tem o microondas, que é quando deixa o preso por horas dentro do carro no sol, ou quando coloca ele algemado no camburão e corre, fazendo ziguezague”, ele explica. “O submarino é quando enfia a cabeça da pessoa na água. E tem muito choque nos testículos com o teaser”. Há ainda as técnicas específicas para as mulheres, que são variações da violência sexual. “Eles passam a mão no corpo, deixam a mulher nua na frente do batalhão ou levam para um lugar ermo onde ela acha que vai ser violentada”.
Marcia Honorato, colaboradora do Comitê para Prevenção à Tortura no Rio de Janeiro, acrescenta: a violência não é só contra pessoas que estão presas. Em contato com mais de 15 comunidades carentes do Rio, ela recebe relatos de violência sistemática de policiais contra os moradores dos morros cariocas, inclusive aqueles que foram “pacificados”.
“Eles espancam e torturam sob a justificativa do desacato. Qualquer coisa é desacato, uma festa com som mais alto, uma resposta que eles não gostam”, afirma. “A pessoa fica arrebentada e ainda vira réu”. Segundo ela, as agressões mais comuns são com escopeta na cabeça, socos no rosto e chute na boca do estômago e nas costas. “Isso é o que as pessoas veem a céu aberto e nos contam. Outras violências, que acontecem dentro das casas, nós nem ficamos sabendo”.

Por que se tortura


E por que se tortura? Com base nas denúncias que colheram nos presídios de 1997 a 2009, a Pastoral concluiu no Relatório Sobre Tortura de 2010 que a Polícia Civil tortura para obter informação ou forçar a confissão de um crime; a PM tem o castigo como primeiro motivo e, em segundo lugar, obter uma confissão; e os agentes penitenciários agridem para castigar.
O relatório da entidade também aponta a relutância das autoridades responsáveis por receber e apurar as denúncias como o principal motivo para a impunidade, ou seja, as ouvidorias ou corregedorias.
Luiz Gonzaga Dantas, ouvidor da polícia do estado de São Paulo, reconhece que as corregedorias e ouvidorias ainda não têm a autonomia necessária para exercer o papel de fiscalização que deveriam desempenhar. E defende uma das recomendações feitas pelo relatório da ONU: um plano de carreira independente para os funcionários desses órgãos. “Ocorre de policiais que trabalham na ouvidoria irem trabalhar com as equipes que puniram. E aí, como ele fica?”, questiona Dantas.
Os corregedores lidam com outra limitação grave: depois de receber a denúncia contra um policial, eles entram com um procedimento inicial e pedem a abertura de um inquérito. Esse inquérito volta para a polícia, que é quem conduz a investigação. No caso de denúncia contra policiais civis, por exemplo, o responsável pelo inquérito que vai investigar crimes cometidos pelos colegas é da mesma corporação.
Quando tentam quebrar o ciclo de silêncio, mentira e impunidade, presos e seus familiares chegam a ser ameaçados pelos agentes, como aconteceu com a Associação de Amigos e Familiares de Presos, a Amparar, que trabalha com mães de adolescentes internados na Fundação Casa, em São Paulo, para incentivar as denúncias de tortura. “Famílias que denunciam são humilhadas e expostas. Eles chamam a mãe numa sala com vários funcionários e perguntam por que ela tomou aquela atitude. Se sabe que isso pode fazer com que seu filho fique lá ainda mais tempo”, diz o representante da Amparar que pede para não ser identificado por temer – ele próprio – retaliações.
Ele conta que, na segunda semana de junho, diversos pais procuraram a Amparar para relatar violências cometidas contra seus filhos na unidade Raposo Tavares da Fundação Casa. Os agentes foram especialmente cruéis com os internos: “Um dos adolescentes estava com a mão machucada, os agentes bateram sistematicamente nessa mesma mão. Outro estava ferido na cabeça, ele tinha apanhado com o cassetete até rasgar. De novo bateram na cabeça dele”, afirma. “É importante ressaltar que essas não são violências isoladas, isso acontece com frequência. É a pedagogia do cassetete”.

Morte na Polinter e a manipulação de perícias



A história de Indaiá Mendes Moreira mostra a gravidade e a urgência de se obter controle sobre as forças policiais. Em menos de dois meses, seu filho foi preso por tentativa de assalto, torturado e morto dentro da carceragem da Polinter de São Gonçalo, Rio de Janeiro.
Em fevereiro de 2009, ao receber a notícia sobre a prisão de Vinícius Moreira, então com 20 anos, Indaiá foi a duas carceragens verificar onde ele estava. Mas os agentes se recusaram a dar informação. Ela teve que ameaçar chamar a imprensa para ter a confirmação de onde o filho estava preso. Depois de um mês de visitas, Indaiá já estava assustada com as histórias que ouvia na fila: casos de detentos sendo agredidos, extorquidos e ameaçados pelos policiais. “Teve um dia que um agente falou bem alto pra uma mãe na fila: “A senhora quer seu filho? Vai procurar no IML [Instituto Médico Legal]’”.
Ela lembrou da frase ao acordar com um mau pressentimento na manhã de visita e ligou para o advogado para que a acompanhasse até a carceragem. Lá, foi informada que seu filho estava doente e tinha saído há poucas horas para o hospital. Correu para lá e os médicos disseram que Vinícius havia sido levado para o hospital na noite anterior, mas nem chegou a sair do carro da Polícia Civil. “Na porta já mandamos levar ao IML”, ela ouviu do médico.
No IML, a família notou diversas marcas de agressão no corpo de Vinicius, que não estavam no laudo entregue pelo instituto. Proibidos de fotografar o corpo, os familiares tiveram que despi-lo no dia seguinte, pouco antes do enterro, para registrar os machucados.
Mesmo com a repercussão na imprensa, o inquérito foi arquivado em abril desse ano. Um dos argumentos do promotor é que não seria possível determinar quem matou Vinícius.

Peritos coniventes com a tortura


Como a ouvidoria, a perícia médica também padece do vício de ser ligada à corporação policial. “Há muitos estados em que a perícia é diretamente subordinada à administração da polícia civil, como o Rio de Janeiro e Minas Gerais”, afirma a médica legista Débora Vargas, membro do Grupo de Peritos Independentes para a Prevenção da Tortura e da Violência Institucional, ligado à Secretaria dos Direitos Humanos. “Nossa visão é aproximar a perícia de um serviço técnico, distanciar dos órgão de repressão”. Ela cita o exemplo de Portugal, onde os grupos de perícia são ligados às universidades.
A autonomia da perícia é outra recomendação feita pelo relatório da ONU, e sua importância já foi aferida na prática pela Pastoral Carcerária: muitos detentos agredidos no momento da prisão, portanto, antes do exame médico obrigatório ao ingressar no presídio, não têm as marcas das sevícias registradas nos laudos.
Segundo algumas denúncias feitas à entidade, alguns policiais esperam de 15 a 20 dias para levar o preso ao médico – período em que as marcas cicatrizam. Também é muito comum que o mesmo policial que comete a agressão leve o preso ao médico e, em muitos casos, acompanha o exame. “Isso acontece no Brasil inteiro”, afirma Débora. “Temos dificuldade de fazer com que PM e polícia civil aceitem que o preso deve ficar na sala sozinho com o médico legista”, diz.
Há casos extremos em que os médicos nem olham para as vítimas, como ocorreu segundo denúncia na cidade de Tefé (650 quilômetros de Manaus), feita por quatro detentos à equipe da Pastoral. Suspeitos de tráfico de drogas, eles contam que ficaram quatro dias amarrados dentro de um barco antes de serem conduzidos à prisão: “Presos em correntes, esmurrados e sufocados com o saco plástico na cabeça. Ameaçados com armas de fogo apontadas para suas cabeças,” descreve o relatório da Pastoral.
Ao final desses dias, os quatros presos foram levados para o exame de corpo de delito. “Ao chegarem na clínica, permaneceram na viatura e o comandante trouxe o laudo já assinado pelo médico”, descreve o relatório. Segundo testemunha que viu o exame, mas prefere não se identificar, o único registro no documento é de marca da algema.
O relatório cita nominalmente um major da Polícia Militar como autor das diversas torturas relatadas por esse e outros presos da cidade. O documento foi encaminhado à Defensoria e Ministério Público.

A tortura psicológica e a carta de suicídio


Se sociedade e governo não reagirem, a violência policial, especialmente contra os detentos, ela tende a se agravar com a superlotação dos presídios, alerta o padre Valdir João Silveira, coordenador nacional da Pastoral Carcerária. Entre 2005 e 2011, o número de presos cresceu 42%, aponta o padre. Só em São Paulo, que tem a maior população carcerária do país, 2011 terminou com 9.417 presos a mais que 2010 – o que dá uma média de 25 presos novos por dia no estado. Para o padre Valdir, a necessidade de contenção aumenta com a superlotação, gerando mais violência.
“A tortura acontece como castigo para que os presos não se amotinem, não reivindiquem, não peçam para ser lembrados de que estão vivos”, afirma Luciano Mariz Maia, Procurador da República em Recife e membro do Comitê Nacional Contra a Tortura.
Nem sempre a violência cruel que define a tortura se expressa em pancadas e sufocamentos. Nos relatos colhidos pela pastoral, há casos de presos que dormem no chão sujo da cela e até no chão do banheiro, presos que disputam espaço com ratos durante a noite, celas que ficam constantemente molhadas devido a vazamentos e presos que têm constantes infecções alimentares e alergias na pele devido à comida inadequada.Tudo isso, segundo o procurador, é tortura.
José Carlos Brasileiro, presidente e fundador do Instituto Nelson Mandela, organização civil que nasceu dentro do sistema carcerário, alerta para a tortura psicológica que essas situações provocam: “A força do terror psicológico é dos maiores: ele condiciona a pessoa à inferioridade, humilhação, ao medo constante. A pessoa vai pro isolamento, leva porrada, fica com a mão para trás e cabeça curvada. Imagina quais são as consequências desse tratamento no longo prazo?”
Foi esse cenário que levou o detento Célio Rodrigues a pensar em suicídio e manifestar essa intenção em uma carta manuscrita em junho do ano passado. A carta foi entregue à Pastoral Carcerária por um colega de cela depois que Célio morreu, após deixar a prisão de São Gabriel da Cachoeira, Amazonas. Preso há “6 longos anos”, Célio escreveu: “Já passei por tantas humilhações nesse lugar principalmente agressões verbais e agora físicas também. Tô sofrendo muito e pra completar, (…) dois cabos entraram na cela e tiraram os materiais de uso pessoal e higiênico (…) ainda me agrediram fisicamente”. E continua: “Por eu ser o detento mais antigo, sei de muitas coisas, coisas que eles fazem de errado aqui nesse lugar, (…) como a entrada de celulares, entorpecentes e algumas outras facilitações, e também agressões da parte deles com outros detentos e isso acontece sempre. Eles sabem que eu sei de tudo isso, tenho muito medo deles fazerem alguma coisa comigo, é por isso e outras coisas, abandono da família, que tento me matar. Embora eu saiba que quando sair daqui eles vão querer me matar”.

Vexame e tortura também entre familiares dos presos


“Existe um preconceito arraigado entre os que operam no sistema de Justiça de que a pessoa com uma condenação – ou suspeita de um crime – está desprovida de um atributo inerente ao ser humano: a dignidade”, afirma Kenarik Boujikian, desembargadora do Tribunal de Justiça de São Paulo e co-fundadora da associação Juízes para a Democracia.
Em muitos casos, essa visão se estende à família dos presos, ela observa, principalmente em relação às mulheres que vão visitar seus maridos ou parentes na cadeia. O procedimento padrão de revista em muitas penitenciárias do país é fazer a mulher tirar toda a roupa e abaixar seis vezes (três de frente, três de costas) na frente da agente penitenciária.
Um procedimento que pode ser considerado tortura pela imposição de sofrimento psicológico contínuo como explica Cristina Rauter, psicóloga da Universidade Federal Fluminense e membro da equipe clínica do Grupo Tortura Nunca Mais. “É uma situação delicada que conjuga estereótipos da sexualidade, proibições e vergonhas. Você ser obrigado a se desnudar na frente dos outros e mostrar as partes sexuais já mexe com muitos tabus, proibições, valores. Fazer isso associado à suspeita de um crime é muito cruel. Eles sabem que o familiar já tem vergonha por estar ali e exploram isso”.
A costureira Patrícia Okorie, que entre 2010 e 2011 visitava mensalmente o marido na penitenciária Franco da Rocha 2, na grande São Paulo, já estava acostumada com esse procedimento. “Eu só não gostava quando mandavam abrir a vagina com as mãos”, lembra. “Mas a gente evita reclamar”.
Os largos limites de sua tolerância foram testados numa manhã de setembro de 2011. Patrícia chegou cedo, era a quarta da fila. Quando abaixou pela primeira vez na sala de revista, a agente colocou as mãos em seus joelhos, forçando para que ela abrisse as pernas. “Eu disse que não permitia aquilo, ela se irritou e chamou uma PM”. Enquanto esperava, Patrícia era humilhada pela agente, que insistia que ela escondia drogas na vagina. Ao final da segunda revista (dessa vez segurando a respiração enquanto abaixava na frente de duas agentes e da PM), Patrícia chorou e desabafou: “Você me acusou injustamente, vou procurar os meus direitos”.
Por mencionar seus “direitos”, Patrícia foi acusada de desacato à autoridade com suspensão de direito de visita por 30 dias, e obrigada a ir a um hospital fazer uma revista “ginecológica” – exame feito por um ginecologista para buscar drogas dentro da vagina. “Tive que assinar um papel dizendo que estava indo de livre e espontânea vontade. Eu disse que não era verdade e me mandaram calar a boca”.
No hospital, Patrícia conta que esperou a médica, que estava em cirurgia, por horas. Quando entrou no consultório, a médica pediu que ela deitasse na maca com os pés para o alto. “Achei que iam fazer ultrassom, quando vi que era exame com as mãos fiquei com muito medo”. A médica introduziu então um “aparelho que girava”, provavelmente um espéculo vaginal, ferramenta que abre o canal vaginal em direção ao útero, utilizada em exames de rotina. Assustada e sem entender o que ia acontecer, ela contraiu os músculos abdominais, fazendo força para resistir ao movimento do espéculo. “A cada vez que ela rodava aquela máquina por baixo, doía. Teve uma hora que ouvi um estalo e senti muita dor, segurei o braço da médica e pedi pra ela parar”, afirma. “No final do exame, fiquei em pé e vi um fio de sangue escorrer pela minha perna”.
A médica não encontrou nenhum substância ilícita no interior do corpo de Patrícia.
Atormentada pela humilhação, sem conseguir dormir, Patrícia pesquisou seus direitos na Internet e achou a Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT), que dá assistência psicológica e jurídica às vítimas. Resolveu entrar com um processo de tortura contra a agente, mas conta que foi chamada pela direção do presídio e recebeu uma ameaça: se continuasse, o marido seria transferido “para bem longe”.
Logo depois de ser chamada pelo diretor, ela foi visitar o marido. “Eles foram bem educados, nunca fui tão bem tratada ali dentro”, ela lembra. “Foi tudo direitinho: três de frente, três de costas”.
Só quando o marido saiu da cadeia, Patrícia pode entrar com uma ação contra as agentes do presídio.

Impunidade


Mesmo quando conseguem denunciar os crimes de tortura e entrar com ações judiciais, ainda é preciso conseguir um julgamento justo, o que é bastante difícil. Os problemas começam com a própria lei contra tortura, de 1997, que estabelece que o crime pode ser praticado por qualquer pessoa – não apenas agentes do Estado. Isso significa que a mesma lei que enquadra as violências praticadas por “Zero Um”, de Manaus, também vale para babás que batem em crianças. “A lei é genérica, deixa frouxa a interpretação para os tribunais, quase não tem sido utilizada para reprimir”, afirma o procurador Luciano Maia, do Comitê Nacional Contra a Tortura.
“O principal propósito da criação dessa lei é evitar que policiais, agentes penitenciários ou autoridades públicas deliberadamente inflijam violência física e mental a pessoas submetidas a sua autoridade”, argumenta. “Mas quase não tem sido utilizada para isso”.
A tendência da Justiça é condenar mais civis do que agentes do estado por tortura revela uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo, que analisou o desfecho de 57 julgamentos de acusados de tortura que passaram pelo Tribunal de Justiça de São Paulo entre 2000 e 2008. A pesquisadora Maria Gorete Marques mapeou os resultados em primeira instância que envolviam 203 réus, dos quais 181 eram policiais ou agentes penitenciários e 22 eram civis. A pesquisadora chegou à conclusão que a proporção que se inverte na hora da condenação: apenas 18% dos agentes julgados foram condenados por tortura, contra 59% dos civis. Ou seja, a taxa de condenação dos agentes do estado foi três vezes inferior à condenação de civis.
O procurador Luciano, que em sua tese de doutorado analisou sentenças de casos de tortura praticada por agentes do Estado diz que o policial já entra em vantagem no sistema que vai julgá-los: “O sistema jurídico evoca o tempo todo a credibilidade do cargo, a presunção de que ele aja corretamente”, diz.
Em uma sentença de Brasília, Luciano encontrou a seguinte afirmação: “A polícia não tem necessidade de recorrer a qualquer espécie de constrangimento para apurar a autoria do delito”. Já em São Paulo, o mesmo desembargador usou o mesmo argumento em oito casos diferentes:“ [os policiais] Jamais iriam correr o risco de responder pelo crime de abuso de autoridade ou de denunciação caluniosa para incriminar alguém que sequer conheciam e com quem não tiveram qualquer desentendimento”.
Todos os policiais dos casos citados foram absolvidos, prolongando o sofrimento das vítimas. Como observa a psicóloga Cristina Hauter, que atende vítimas de tortura da ditadura militar e atuais, a impunidade atrapalha o processo de recuperação, especialmente quando a fala da vítima não é considerada como prova e o processo é arquivado: “Vem um sentimento de desacreditar na justiça, no Estado. As relações de confiança são quebradas e eles se sentem profundamente injustiçados. Esse é o quadro mais complicado de trabalhar”, explica.

Dilma e o legado da ditadura


A visão distorcida da justiça para os casos de tortura policial está ancorada na opinião de um grupo crescente da população – atualmente, quase a metade dos brasileiros. De acordo com pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência, feita em 12 capitais, apenas 52% das pessoas ouvidas em 2010 “discordavam totalmente” da ideia de que os tribunais devem aceitar provas obtidas através de tortura. Porcentagem bem menor daquela de 1999, quando respondendo à mesma pergunta, 71% dos entrevistados declararam “discordar totalmente” da prática.
Ainda é difícil prever qual será a influência da Comissão da Verdade no combate à tortura de hoje ao trazer de volta os crimes cometidos no passado. Também é difícil determinar quanto da “tradição” do período militar é responsável pelas práticas policiais dos dias de hoje. Para a desembargadora Kenarik, porém, esse legado de violência foi incorporado à cultura das instituições. “Naqueles anos, havia certos grupos tidos como ‘inimigos do estado’, eles podiam ser torturados. Hoje, apenas mudou o ‘inimigo’”, ela diz.
Tim Cahill, pesquisador da Anistia Internacional para o Brasil, que também faz visitas aos presídios, considera evidente a ligação entre o crime nos dias de hoje e os cometidos no passado, mas ressalta que isso não torna mais difícil enfrentá-lo. “Algumas pessoas dizem que o problema de tortura no Brasil é cultural, como se fosse uma herança inevitável, mas não é verdade”, afirma. “Cada ato é um crime e ele só persiste porque não há uma ação do estado para coibir”.
Cahill se recorda do estrago causado pela fala da presidenta Dilma, ela mesma vítima de torturas durante a ditadura, sobre o tema na Universidade de Harvard em abril desse ano. Depois de palestra, a presidenta foi indagada por um aluno sobre o caso de uma prisioneira política na Venezuela. Em sua resposta, ao justificar porque não se meteria na política do outro país, Dilma mandou uma mensagem perigosa: “Eu sei o que acontece, não tenho como impedir que em todas as delegacias do Brasil de haver tortura”.
Em resposta, 15 organizações que trabalham com o combate à tortura no Brasil, entre elas a Conectas, a ACAT e a Pastoral, soltaram uma nota de repúdio: “É muito grave que a autoridade máxima do País se declare incapaz de coibir o crime de tortura nas delegacias. E é ainda mais grave que tenha escolhido um momento de enorme visibilidade para fazer tal declaração”.
Por Ana Aranha, com colaboração de Jessica Mota no Pública
AGÊNCIA DE REPORTAGEM E JORNALISMO INVESTIGATIVO