sexta-feira, 30 de abril de 2010

O Mercosul, o BRIC e o planeta

Um candidato a presidente do Brasil que tem possibilidades de ser eleito deveria ao menos estar bem informado. Por exemplo, deveria conhecer os altíssimos índices de crescimento que o comércio exterior de seu país vem tendo durante os últimos dois anos, em que o Mercosul existiu notoriamente. Este foi um dos principais fatores do crescimento e do enorme superávit de seu país. Haveria uma boa quantidade de dados, cifras e percetuais para demonstrar a Serra que suas opiniões nao têm por certo um fundamento muito sólido e sobretudo sereno. E essas são virtudes que se reclama de qualquer governante. O artigo é de Esteban Valenti, diretor da agência UyPress.


Esteban Valenti (*)

Em declarações recentes na Federação das Indústrias de Minas Gerais, o pré-candidato a Presidência da República do Brasil pelo partido centrista PSDB, José Serra qualificou o Mercosul como uma “farsa” e como “uma barreira para que o Brasil possa fazer acordos comerciais”.

Depois, em outras declarações à imprensa ele flexibilizou suas definiçãos mais taxativas. Como em todos os casos, devemos partir da realidade. Um candidato a presidente do Brasil que tem possibilidades de ser eleito deveria ao menos estar bem informado. Por exemplo, deveria conhecer os altíssimos índices de crescimento que o comércio exterior de seu país vem tendo durante os últimos dois anos, em que o Mercosul existiu notoriamente. Este foi um dos principais fatores do crescimento e do enorme superavit fiscal de seu país.

Durante a crise mundial que devastou setores inteiros do comércio internacional, inclusive, os países do Mercosul estão entre os menos afetados, tanto em termos de crescimento como em seu comércio internacional. Assim o informa o último relatório do Fundo Monetário Internacional, que prevê para a região um crescimento de 4,3% neste ano.

Haveria uma boa quantidade de dados, cifras e percetuais para demonstrar a Serra que suas opiniões nao têm por certo um fundamento muito sólido e sobretudo sereno. E essas são virtudes que se reclama de qualquer governante. Muito mais em se tratando de um potência emergente como hoje é o Brasil.

Se, por exemplo, analisa-se as afirmações de Serra desde os outros países integrantes do bloco, por exemplo Argentina e Uruguai e se considera o avanço impetuoso das grandes empresas brasileiras em setores como o cimento, a cerveja, os grãos, a terra, os frigoríficos, a energia, a construção e muitos outros setores, quem deveria se alarmar – caso tivéssemos uma visão míope e desconfiada – seríamos nós, os sócios do Mercosul. A menos que Serra considere que este avanço impetuoso dos grupos empresariais do Brasil nada tenha a ver com o Mercosul.

Seria bom que ele respondesse a uma simples pergunta: em que outra região do planeta o Brasil concentra tantos investimentos e tal predominância em setores inteiros da indústria e do comércio?

O que alarma, porém, é a absoluta falta de uma visão política, de uma mirada estratégica sobre o papel do Brasil na região e no mundo. Se algo paradoxicamente caracterizou o Brasil durante muitas décadas foi ter uma das melhores chancelarias do mundo, o Itamaraty, e a falta de uma estratégia global. Na realidade, nao era um problema profissional, era político, o que faltava era um Projeto Nacional.

O maior aporte que Luis Inácio “Lula” da Silva realizou não foi a luta contra a pobreza, mas inscrever essa luta num projeto nacional de desenvolvimento que tinha obrigatoriamente uma estratégia regional e internacional.

Quem poderia se queixar de certas lacunas e injustiças nessa estratégia seriam, por exemplo, os uruguaios, que no marco do Mercosul nao receberam nem apoio nem atenção por parte do Brasil, no vasto conflito com a Argentina no caso da construção da fábrica de celulose BOTNIA (atual UPM) e da não construção de uma ponte entre os dois países, violando um claro pronunciamento e as normas estabelecidas pelo próprio Mercosul. Não o fizemos com muita estridência porque privilegiamos a estratégia, o oolhar de médio e longo prazo.

E é esse olhar que falta a Serra em suas afirmações e inclusive em suas retificações posteriores. Sem a credibilidade que o Brasil ganhou no Mercosul, em seu aporte aos fundos estruturais e na comunidade dessa política na UNASUR, o Brasil não seria o mesmo, não teria o papel que hoje tem no BRIC e no mundo.

Um país que, por simples conveniência comercial de curto prazo liquida tantos anos de esforços e de negociações com seus vizinhos, sepultando-os com alguns adjetivos sem fundamento, não é um país sério e confiável. Nao é uma potência emergente.

Essa condição, esse papel em termos de mundo globalizado, essa capacidade de intelocução mundial, nas Nações Unidas e em todos os foros, nao se ganha só e principalmente com o tamanho, mas com seriedade, solidez e com uma mirada profunda em suas estratégias. O Brasil fez nos últimos anos grandes esforços para ganhar essas posições.

Se mirássemos o mundo através de uma fechadura, nós, Uruguaios – que somos pequenos e quase anões ao lado do gigante –, que temos deixado de ser chorões e passamos a assumir nosso papel e a defender nossos direitos, possivelmente sairíamos a gritar que o Mercosul limita nossos acordos comerciais. Alguns compatriotas o fazem, no entanto, nem o governo anterior, de Tabaré Vázquez, nem o de José Mujica tiveram essa postura. Muito pelo contrário, trataremos de aproveitar juntos uma oportunidade única.

O nível atual de desenvolvimento do mundo, o crescimento do consumo – ainda que em meio à fome de que grandes setores padecem – implica uma demanda crescente de alimentos, em especial de grãos. O Mercosul em seu conjunto é potencialmente o maior exportador de alimentos do planeta. Se esta possibilidade – que já está se expressando – for aproveitada por nós no marco de projetos de desenvolvimento, de investimentos adequados em tecnologia, na indústria, em logística, na educação, na cultura e na saúde, quer dizer, se concedermos sustentabilidade social ao crescimento, este momento é único e irrepetível para todos.

Como é óbvio, o Brasil tem um papel fundamental neste processo.



(*) Jornalista, escritor e diretor da agência UyPress. Uruguay.

Tradução: Katarina Peixoto
No site Carta Maior

Nenhum comentário:

Postar um comentário