quinta-feira, 14 de junho de 2012

Palmo e meio e o ultimo ditador guasca


Primeiro editorial CORREIO DO POVO  06/02/1983

Palmo e meio

Tenho estado a escrever sobre fatos e pessoas de minha vida. Quem já viveu tantos anos reúne acervo considerável de lembranças. Meus temas, até aqui, pelo seu fundo nostálgico foram o que se poderia chamar de remembranças. Hoje, vou relatar uma lembrança. Uma pequena história. Mas, nem por isto, menos verdadeira. Afinal, o que é pequeno também existe, e, às vezes, as circunstâncias põem o que é intrinsecamente insignificante em posição de causar transtornos e até desastres. O argueiro no olho, o famoso grão de areia no sapato, o urubu que é sugado pela turbina do jumbo – seriam exemplos do cotidiano e não despiciendas.
Algum tempo antes de terminar o tempo do senhor Sinval Guazelli na governança de nossa pobre província do Rio Grande, fui convidado pelo ilustre então comandante do III Exército para um almoço no seu quartel general. O general Fernando Belfort Bethlen desejava, com sua oficialidade de alto escalão, conversar um pouco sobre temas da atualidade e do interesse geral. Ali compareci, levado pelo portador do convite, que era o jornalista encarregado do setor militar no Correio do Povo. Foi para mim oportunidade de convívio muito amável e extremamente proveitoso com pelo menos seis generais e outros oficiais de elevada hierarquia. Falou-se de tudo: desde história do Brasil, nas suas diferentes fases, até a segunda guerra mundial, passando pela Transamazônica, Carajás, Democracia, reservas minerais, guerra atômica, etc.
Terminado o almoço, já de pé, na hora do cafezinho, o general Bethlen manteve comigo o seguinte diálogo:
- Desejamos conhecer sua opinião sobre o vice- governador Amaral de Souza para suceder o sr. Sinval Guazelli no próximo período.
- Como assim? Minha opinião? Não conheço essa pessoa o suficiente para dar uma opinião, isto é, para emitir um conceito. Não tenho opinião. Poderia, quando muito, dar uma impressão.
- E qual seria essa impressão?
- Sinceramente, a de que lhe falta um palmo e meio.
- Como? Em que sentido?
- Em todos os sentidos. Para ser honesto, é o que eu posso dizer.
E a conversa terminou por aí. O resto foram as despedidas com as amabilidades de preceito.
Como personagem em causa não foi submetido ao teste de uma eleição direta, mediante a qual existisse a possibilidade de consenso amplo, não sei se minha impressão, que depois se tornou opinião consistente seria, ou não, aprovada pelo grande número. Não sei. Para mim, o que se viu não deixa dúvidas.

Breno Caldas


Segundo editorial CORREIO DO POVO  - 11/02/1983

Palmo e meio

O ilustre senhor governador não gostou da nota "Palmo e meio" que aqui publiquei no domingo último. Pois eu gostei. E muita gente também. Tanto assim que recebi inúmeras manifestações de aprovação e apoio, vindas de todas as áreas.
Fui informado que S. Exa., na segunda-feira, reuniu luzido grupo de assessores e companheiros para com eles deliberar sobre o que deveria ser feito “face à insólita coluna publicada sob o título ‘Palmo e meio’”.
Depois de longa e laboriosa deliberação, o augusto Plenário resolveu que o Governo do Estado interpelasse “judicialmente o signatário da referida coluna a fim de, esclarecida o exato significado da mesma, constatar se com substancia simples deselegância do signatário, alguma insinuação ou declaração pela qual tenha de responder judicialmente, caso em que serão tomadas as medidas cabíveis.
Desculpem a xaropada da transcrição, ainda que parcial. Não me animei a reproduzir a íntegra do pífio documento, que sei partejado com muito esforço e esmero literário e jurídico. Não atino com o que ali seja pior: se o fundo ou a forma. De qualquer maneira, a peça é bem reveladora do fraco teor de seus autores. Que, afinal – vejam bem – são quem nos governa.
Desgraçadamente.
Em juízo, voltarei ao assunto, quando convocado.
Não foram revelados detalhes da histórica reunião realizada no Piratini. Mas vazou que, lá pelas tantas, após o episódio relatado a seguir, o senhor governador proclamou resoluto:
- Eu assumo a responsabilidade! Eu mandei agir contra a Caldas Junior!
Alguém versado em história e nas sutilezas do idioma francês – um professor, possivelmente – teria sentenciado com sabedoria irretorquível: “Le petit caporal est devenu le grand Napoleon. Nous avons ici notre propre Napoleon!” Com ar triunfante, olhos postos no semblante levemente enrubescido do amo, traduziu, logo, para entendimento daqueles que foram apanhados de surpresa, ou não tinham bem avaliado a profundeza do conceito. Babou de gozo.
Lisonjeado, mas discreto, o condestável fechou os olhos mansamente. E nos seus ouvidos chegaram apenas insinuados os acordes viris da Marselhesa sob cujo estímulo rememorou num ápice, as gloriosas campanhas recentes, no Japão, na China, na Gália, a batalha de Paris, e, por fim, a luta ingente pelo fuso horário nas praias desoladas do Hawaí.
Então, despertou num frêmito: Formez vous batallions! Marchons! Marchons!

Breno Caldas

Um comentário: