Com o objetivo de levantar subsídios para discussão a respeito dos meios de comunicação e sua relação com uso de drogas, foram iniciados, no Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas (CEBRID), estudos sobre as informações divulgadas em jornais e revistas de todo o País.
Nos anos de 1998, 2000 e 2003, foi observado um grande número de matérias gerais, sem focar alguma droga em especial, com utilização de termos amplos como “dependência”, “vício”, “tóxicos” e “tráfico”. No entanto, entre as matérias que abordaram drogas específicas, foi observado um evidente predomínio do tabaco, na maioria das vezes, ressaltando os danos decorrentes do uso ou as estratégias para parar de fumar. O número de matérias sobre bebidas alcoólicas, apesar de ter crescido ao longo dos anos, permaneceu aquém do esperado.
Embora não seja possível determinar a freqüência ideal de artigos, ao menos seria esperada uma distribuição mais equilibrada, compatível com os indicadores de saúde pública. As bebidas alcoólicas deveriam ser as mais discutidas, uma vez que representam o maior foco de problemas de saúde, seguidas pelo tabaco. Os solventes e os medicamentos psicotrópicos, amplamente usados de forma abusiva pelos jovens, também merecem maior discussão na imprensa.
No entanto, vale ressaltar que, apesar de ainda estar descompassado com a saúde pública, o jornalismo avançou muito nas últimas décadas.Um estudo realizado por Carlini-Cotrim e colaboradores (1994), sobre
as matérias jornalísticas das décadas de 1970 e 1980, observou um número muito pequeno de matérias sobre tabaco e álcool e, por outro lado, enfoques muito alarmistas para as drogas ilícitas. O fato de, nos anos de 2000 e 2003, ter sido detectado um cenário jornalístico menos tendencioso, sugere um amadurecimento e alinhamento gradativos entre imprensa e saúde pública.
Por outro lado, a utilização de termos pejorativos e a ênfase “emocional” estampada nos artigos jornalísticos é fator que ainda merece atenção, principalmente, por ter sido observada com maior frequência nos textos de “especialistas” (advogados, médicos, dentre outros). Expressões como “Trata-se de um abismo...” e “o flagelo das drogas” são alguns exemplos do quanto o discurso sobre drogas recebe o tom emocional nos mais diferentes setores da nossa sociedade (Noto et al.2003).
As matérias sobre bebidas alcoólicas foram abordadas na mídia, em diferentes perspectivas, com crescente enfoque em políticas públicas. Alguns temas específicos receberam maior destaque como, por exemplo, as questões relativas ao trânsito. Essa abordagem vem acompanhada de uma mobilização social, com a mensagem: se beber não dirija, se dirigir não beba, legitimada pela maior restrição para o álcool no trânsito.
As matérias sobre maconha enfocaram a ilegalidade dessa droga. No ano de 2000, cerca de 2/3 das matérias envolveram questões relacionadas à apreensão de droga e repressão ao tráfico. Possivelmente, como sinal de mudança de visão mundial em relação ao assunto, foram observadas várias matérias sobre uso terapêutico (“Remédio de maconha”) e descriminalização da maconha (“Descriminalização da maconha em debate”). As consequências negativas específicas do uso da maconha foram abordadas em menor proporção do que o observado para tabaco, cocaína e álcool.
A cocaína e o crack são as drogas que mais recebem enfoque de repressão ao tráfico, apreensões, repressão ao cultivo, repressão ao uso e consequências do tráfico. As consequências negativas do uso também foram alvo de várias manchetes. Entre as principais consequências, destacam-se a dependência e os problemas cardiovasculares, com manchetes como “Drogados têm mais chances de infartar”.
O discurso sobre as formas de lidar com a questão
Nos jornais, foi observado também um número considerável de artigos destacando questões relativas ao tráfico e à repressão. Esse tema chegou a superar os demais aspectos relativos ao uso de drogas, como
saúde, educação, políticas públicas e legislação.
Os focos desses artigos ficaram em torno das ocorrências de apreensão, incineração de drogas, erradicação de plantações ou a prisão de pessoas que estavam transportando drogas ilícitas. Essas matérias foram, em
geral, publicadas em artigos relativamente pequenos, basicamente informativos, muitas vezes, sem especificar adequadamente a droga em questão e com abordagem pouco cuidadosa.
Apesar do crescente número de matérias factuais e repressivas para a maconha e a cocaína, entre 2000 e 2003, foi observado, para as bebidas alcoólicas, aumento na frequência de temas relativos a políticas públicas.
Isso significa uma melhora na cobertura jornalística para o álcool nos últimos anos (Mastroianni, 2006).
Paralelamente, apesar do avanço qualitativo observado nas últimas décadas, o jornalismo brasileiro carece de debates mais amplos e amadurecidos na abordagem das intervenções de saúde pública. A diversidade
de opções terapêuticas e a possibilidade de recuperação são temas pouco explorados ou tratados de forma superficial.
As matérias sobre prevenção, embora mais trabalhadas, ainda poderiam oferecer uma visão menos persecutória e mais otimista, valorizando as potencialidades da comunidade, da escola e da família.
Os meios de comunicação, a prevenção e aresponsabilidade social
Apesar de diversos estudos apontarem os limites das intervenções preventivas puramente informativas sobre o uso de drogas, parece ser inegável a importância de seu papel. Como mencionado anteriormente, os meios de comunicação têm prestado auxílio a vários programas de saúde, seja por meio das informações jornalísticas ou por meio das campanhas publicitárias elaboradas, especificamente, com essa finalidade.
No entanto, quando se trata do uso indevido de drogas, os recursos da mídia vêm sendo pouco estudados e explorados como instrumentos de prevenção.
Em uma pesquisa qualitativa sobre a atitude dos jornalistas, Mastroianni (2006) observou que os profissionais consideravam superficial a cobertura sobre drogas em decorrência, principalmente, da “falta de tempo” e da “concorrência” entre os jornais/revistas. Esses dados mostram a necessidade de pesquisas e
de debates que estimulem a qualidade das matérias sobre drogas no País. A responsabilidade social da mídia tem sido apontada, também, como um fator importante a ser considerado.
No setor jornalístico, vale salientar o trabalho da Agência Nacional dos Direitos da Infância (ANDI), que vem divulgando uma série de estudos sobre mídia e mobilização social. Essa iniciativa tem como objetivo instrumentalizar os profissionais de comunicação a praticar um jornalismo socialmente responsável frente as diferentes temáticas relativas à infância e adolescência.
A mídia como aliada
A mídia é um poderoso instrumento nos tempos modernos, em que a informação parece ser a alma do negócio, tanto para o bem quanto para o mal. Quando pensamos em adolescentes e jovens, a força da mídia é ainda mais intensa.
Pare um pouco e reflita: um grande desafio que se coloca para quem trabalha com prevenção ao uso abusivo de álcool e outras drogas é “de que forma é possível utilizar a mídia como aliada?”. Se boa parte da mídia se ocupa em trazer mensagens, informações e conteúdos que estimulam o consumo e a experiência com as drogas, como ganhar espaço para falar de educação e prevenção?
Nas letras de música pop, a maconha é idealizada. Nos filmes, atores fumam com glamour seus cigarros. As propagandas de cerveja, trazendo situações sempre paradisíacas, invadem a casa e o imaginário dos jovens sem interrupção. Os jornais noticiam, com freqüência, apreensões de drogas e prisão de traficantes. Nesse universo, como pensar em um espaço que possa educar e informar?
É interessante notar que, de alguns anos para cá, a questão do álcool, do cigarro e das drogas ilícitas sensibilizou boa parte de quem decide na mídia brasileira. Não há jornalista, editor ou dono de empresa de comunicação que não parou para pensar nessa questão. Alguns percebem que têm um canal e um espaço importante para esclarecer e tentar fazer prevenção com seu público.
Espaços que discutem a questão das drogas têm se tornado mais frequentes na mídia nacional, da mesma forma que a AIDS e o sexo protegido ganharam destaque a partir da década de 80. Uma das grandes vedetes da mídia nacional, as novelas, tem se ocupado, seguidamente, da questão do álcool e de outras drogas. Personagens envolvidos com drogas e álcool, a repercussão da dependência na família e na vida do usuário, tudo isso está lá, quase que diariamente na telinha do brasileiro.
Nem sempre a abordagem em ficção é a melhor em termos de educação e prevenção, mas a discussão do tema, por si só, já é capaz de gerar impacto na população. Além desse exemplo, vale a pena prestar atenção em atitudes de TVs segmentadas e de revistas e jornais para o público jovem que, embora gerem um impacto menor em termos de audiência, têm maior liberdade para ousar mais e arriscar projetos mais efetivos para informação e educação.
A emissora MTV, por exemplo, há anos elabora algumas vinhetas e campanhas que mostram, de forma moderna e atraente, a discussão do impacto e do risco no uso de álcool e outras drogas. As TVs educativas, muitas vezes, trazem discussões sobre o assunto em sua grade de programação. Jornais e revistas também dedicam espaços para que o jovem possa se informar e discutir a questão das drogas. Serviços especializados em saúde, como o Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, que traz a cada semana uma dúvida do público esclarecida por um especialista, além de uma página especial para os mais jovens, também ajudam nesse sentido.
Trabalhos como estes podem, sem dúvida nenhuma, gerar um aumento do nível de informação e da discussão sobre a questão das drogas na população brasileira. Nas últimas duas décadas, viu-se essa discussão acontecer de forma aberta, direta e com grande mobilização dos veículos de comunicação e da população na questão da AIDS.
O tom das abordagens mudou muito nesses 20 anos e a experiência acumulada foi fundamental para que o discurso ficasse mais afinado. Com a questão das drogas, talvez mais plural e complexa do que a questão da sexualidade, a tentativa de se achar a linguagem e o foco adequados está apenas começando. Há um longo caminho a ser percorrido. Esse caminho ficará mais rico e mais diverso se, a exemplo do que aconteceu na discussão sobre a AIDS, todos os setores da sociedade envolverem-se na discussão.
Talvez fique a impressão de que essas atitudes são modestas frente a grande pressão que outros setores da mídia exercem sobre o estímulo ao beber, ao fumar ou ao experimentar drogas. Contudo, é com um olhar atento nessas experiências recentes e na receptividade que elas vão obter junto aos especialistas, autoridades, anunciantes e população que se poderá pensar e planejar estratégias de maior impacto.
Referências:
ANDI (Agência Nacional dos Direitos da Infância). Equilíbrio distante:
tabaco, álcool e adolescência no jornalismo brasileiro. Série Mídia e
Mobilização Social vol 3. São Paulo: Cortez, 2003.
ANDI (Agência Nacional dos Direitos da Infância). Mídia e drogas.
São Paulo: Cortez, 2005.
CARLINI-COTRIM, B; GALDURÓZ, J.C.F.; NOTO, A.R. & PINSKY,
I. A mídia na fabricação do pânico de drogas: um estudo no Brasil. Comunicação
& Política 1(2), 1994, p. 217-230.
GORGULHO, M. “The role of the media in promoting responsible
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MASTROIANNI FC. As drogas psicotrópicas e a imprensa brasileira:
Análise do material publicado e do discurso dos profissionais da
área do jornalismo. Tese. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo;
2006.
NOTO, A.R.; BAPTISTA, M.C.; FARIA, S.; NAPPO, S.A.; GALDURÓZ,
J.C.F. & CARLINI, E.A. Drogas e saúde na imprensa brasileira: uma
análise de artigos publicados em jornais e revistas. Cadernos de Saúde
Pública 19, 2003, p. 69-79.
NOTO, AR; PINSKY, I & MASTROIANNI, F. Drugs in the Brazilian
print media: an exploratory survey of newspaper and magazine stories
in the year 2000. Substance Use and Misuse 41, 2006.
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