segunda-feira, 4 de maio de 2009

A linguagem, as coisas e seus nomes

Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública. O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado. O imperialismo se chama globalização. As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões. O oportunismo se chama pragmatismo. A traição se chama realismo. Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.

Na era vitoriana era proibido fazer menção às calças na presença de uma senhorita. Hoje em dia, não fica bem dizer certas coisas perante a opinião pública:
O capitalismo exibe o nome artístico de economia de mercado;
O imperialismo se chama globalização;
As vítimas do imperialismo se chamam países em via de desenvolvimento, que é como chamar de meninos aos anões;
O
oportunismo se chama pragmatismo;
A traição se chama realismo;
Os pobres se chamam carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos;
A expulsão dos meninos pobres do sistema educativo é conhecida pelo nome de deserção escolar;
O direito do patrão de despedir sem indenização nem explicação se chama flexibilização laboral;
A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria;em lugar de ditadura militar, se diz processo.
As torturas são chamadas de constrangimentos ilegais ou também pressões físicas e psicológicas;
Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões, são cleoptomaníacos;
O saque dos fundos públicos pelos políticos corruptos atende ao nome deenriquecimento ilícito;
Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos motoristas de automóveis;
Em vez de cego, se diz deficiente visual;Um negro é um homem de cor;
Onde se diz longa e penosa enfermidade, deve-se ler câncer ou AIDS;
Mal súbito significa infarto;
Nunca se diz morte, mas desaparecimento físico;
Tampouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares: os mortos em batalha são baixas e os civis, que nada têm a ver com o peixe e sempre pagam o pato, danos colaterais;
Em 1995, quando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: “Não gosto da palavra bomba. Não são bombas. São artefatos que explodem”;
Chama-se Conviver alguns dos bandos assassinos da Colômbia, que agem sob proteção militar;
Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade o maior presídio da ditadura uruguaia;
Chama-se Paz e Justiça o grupo militar que, em 1997, matou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, que rezavam numa igreja do povoado de Acteal, em Chiapas.
(Do livro De pernas pro ar, editora L&PM)
Eduardo Galeano

2 comentários:

  1. Gilmar... Não é hora de se aposentar, e bem vindo o crítico. Ganhei da Vane um belo livro: "Espelhos - uma história quase universal" de Eduardo Galeano. Esse "Duda" uruguaio, diz o que gostamos de ouvir, o que eles não querem ouvir e não podem negar. Por isso reinventam, mascaram a realidade e tentam nos passar como nova... E continua nos visitando, como amigo e como crítico.

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  2. Alô, Gilmar... Ainda não é hora de se aposentar e bem vindo o crítico... Ganhei um belo livra da minha companheira Vane: "Espelhos - uma história quase universal" de Eduardo Galeano. Desde "As veias abertas da America Latina", "Dias e noites de amor e de guerra", livros que tenho na minha estante, entre vários textos publicados em jornais, revistas e blogs que acompanho o escritor. Esse "Duda" uruguaio diz aquilo que gostamos de ler, que eles não gostam de ouvir e não podem negar. Por isso reinventam, mascaram a realidade ao seus gostos e tentam nos dizer "verdadeiros". Verdades existem tantas, mas até a verdade deles é mentirosa, Galeano nos prova isso... Pois é, Gilmar, segue nos visitando, como amigo e como crítico.

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