sábado, 16 de outubro de 2010

Eleições 2010 – pastores, ovelhas e cofrinhos


Deus e a vontade de Deus continuam sendo usados como cabos-eleitorais, para santificar candidatos ou demonizar outros. Com a editora Paulus, publiquei o livro Cristianismo, humanismo e democracia (São Paulo, 2005). Título do primeiro capítulo: “Da soberania dos pastores à soberania das ovelhas”. Tal artigo foi motivado pelo relato de um ex-aluno, vereador, segundo o qual quando um pastor evangélico prometia 500 votos numa comunidade (em troca do quê?), ele sabia que a promessa se realizava, com pouca margem de erro. “Os pastores mandam e as dóceis ovelhas obedecem, votam em quem eles mandam”, resumiu. Manipulação política da parábola do bom pastor.

Há comunidades evangélicas que usam a palavra ministro, e não pastor, para designar suas lideranças, justamente para evitar ambiguidades graves do ponto de vista político-religioso. Pela manipulação política da figura do bom pastor, os demais membros da comunidade cristã são reduzidos ao estado deplorável de “ovelhas” submissas, acríticas, passivas. Na verdade, pelo batismo, todos os cristãos são sacerdotes, profetas e pastores. E não somente alguns. Depois, por razões de serviço à comunidade, há tarefas diferentes, serviços diferentes.

Todos os batizados têm uma consciência, onde Deus fala. Todos são, ao mesmo tempo, docentes e discentes. Nos concílios, as diversas opiniões são debatidas por diversas consciências, representativas da comunidade dos cristãos.

Nas eleições de 2010, o oportunismo sorridente e melodramático, em forma de falso pastoralismo, manifestou-se com força total, sobretudo, na internet. Em voga, como matéria de manipulação eleitoral, os temas de bioética (disciplina acadêmica onde está situada a discussão sobre o aborto).

O principal desafio bioético, no Brasil, é o da superação da mistanásia, ou eutanásia social, a morte de milhares por razões de miséria. Sou contra o aborto. Sou a favor da pesquisa, também com células tronco, desde que não seja feita com embriões (sou contra o uso nazista da ciência). Mas também sou contra a mistanásia, cuja hipocrisia puritana nem sabe o que é. Nos EUA, um presidente foi processado por ter mantido relações sexuais com uma estagiária. Outro presidente promoveu a morte de milhares de seres humanos na invasão do Iraque, mas os puritanos hipócritas nem deram bola para isso.

No Brasil, cada um de nós, segundo a sua consciência, vai votar em quem julgar melhor, Dilma ou Serra, mas a partir de critérios racionais, levando em conta que quem decide sobre aborto é o legislativo. Sobre mistanásia, quem decide é, sobretudo, o executivo, por meio de políticas sociais.

Quem quiser votar no Serra ou na Dilma, que o faça, com responsabilidade, superando as armadilhas oportunistas dos pastores profissionais, melodramáticos, hábeis na conquista de ovelhas dóceis e bonitinhas como cofrinhos de escrivaninha.

Artigo do Sociólogo e teólogo Fábio Régio Bento
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