Em 2011, a crise financeira explodiu na Europa. A crise da Europa é uma crise de desconfiança na capacidade de governos honrarem as suas dívidas. A dívida dos países europeus já havia aumentado em 2009 porque o setor público teve que “estatizar” a dívida privada do seu sistema financeiro: bancos europeus emprestaram aos bancos americanos envolvidos nas operações subprime e não viram o seu dinheiro de volta.
Ao mesmo tempo, famílias europeias vinham se endividando para alcançar um modelo de consumo assemelhado ao “American way of life”(o modo de vida americano pré-crise, onde felicidade era sinônimo de consumo de bens de última geração). Então, os bancos europeus, desregulados, passaram a financiar casas e automóveis de luxo. A Europa se transformou em Eurolândia, onde “comprar e ter” passaram a ser mais importantes do que “viver e não ter vergonha de ser feliz” (Gonzaguina). Portugueses pobres e negros passaram a valorizar e a usar Nike. Carros Porsche, Audi, Mercedes, BMW e Volvo de alto luxo se tornaram comuns nas ruas da Europa.
Para financiar o consumo da periferia europeia, bancos se endividavam junto a outros bancos. Endividamento que fazia seus lucros aumentarem. E, muitos governos europeus fizeram dívidas dentro da própria Europa para tentar pagar suas contas comerciais com o exterior, devido à elevada importação que faziam. Governos da periferia, por exemplo, se endividaram para comprar produtos bélicos sofisticados da Alemanha e da França. A Alemanha incentivou esse processo onde bancos assumiam uma postura arriscada e pessoas e governos se endividavam. Lógico: 2/3 das suas exportações vão para a região da União Europeia.
A crise se espalhou por toda a Europa. Tudo começou na Grécia; mas, hoje, o mundo já reconhece as dificuldades da Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, França… . Com fama de “bombeiro”, o FMI chegou à Europa e foi recebido pelos anfitriões Banco Central Europeu e a União Europeia. Formaram o bando chamado Troika. A fórmula que a Troika propõe, hoje, aos países europeus já foi adotada, sob as orientações do FMI, em diversos países da América Latina nos anos 1990 – por exemplo, no Equador e Argentina. São dois casos que mereciam ser conhecidos pelos europeus.
Aviso aos navegantes europeus: na América do Sul, o FMI provocou desemprego, miséria e helicóptero (helicóptero???). Aos trabalhadores e pobres, ofereceu o desemprego e a miséria. Aos governantes, ofereceu um helicóptero… (helicóptero???).
O Equador e a Argentina seguiram o receituário do Consenso de Washington imposto pelo FMI. Privatizaram suas empresas públicas, abriram seus mercados aos países industrializados, cortaram gastos sociais, promoveram demissão de funcionários públicos, reduziram direitos dos trabalhadores e deram liberdade a seus mercados financeiros. Mas, mais do que isso foi feito. Avaliavam que países de segunda categoria não tinham condições de ter moeda própria. Eram considerados, por natureza, irresponsáveis. Seria mais adequado que utilizassem a moeda americana, o dólar.
O Equador, no ano de 2000, substituiu a sua moeda, o sucre, pelo dólar. Lá, tudo é comprado ou vendido com dólares americanos. Na Argentina, houve um processo semelhante. A Argentina não extinguiu a sua moeda. Mas, a partir de 1º de janeiro de 1992, somente poderia circular o “peso argentino conversível”, isto é, para cada peso existente na economia deveria existir um dólar em posse do Banco Central da Argentina.
Mais pesos somente poderiam circular na economia se mais dólares estivessem nos cofres do Banco Central argentino. Para dar credibilidade ao chamado “Plano de Conversibilidade”, a taxa de câmbio de 1 peso para 1 dólar americano foi escrita na Constituição do país. Assim, a Argentina se dolarizou plenamente, tal como o Equador. Ambos os países perderam a capacidade, portanto, de emitir suas próprias moedas (qualquer semelhança da Europa, de hoje, com a América do Sul, dos anos 1990 e início dos anos 2000, não é mera coincidência).
O resultado de estabilidade e prosperidade prometido pelo FMI para a Argentina e o Equador não passou de propaganda enganosa. O presidente Carlos Menem governou a Argentina de 1989 a 1999. Era o garoto propaganda da peça publicitária pregada pelo FMI. Contudo, deixou um país em crise, endividado, com o patrimônio público dilapidado e com alto índice de desemprego e pobreza.
Em 1999, assumiu a presidência Fernando de La Rua, que resolveu aplicar o receituário do FMI para solucionar crises: cortar gastos públicos nas áreas sociais, aumentar impostos e promover arrocho salarial ao funcionalismo público. Não obteve sucesso. O povo argentino foi para as ruas com o sentimento de “tolerância zero” às medidas orientadas pelo FMI… e De La Rua foi obrigado a renunciar no dia 20 de dezembro de 2000. Fugiu da sede do governo, a Casa Rosada, de helicóptero.
Todos os acontecimentos argentinos se repetiram no Equador. Em 20 de abril de 2005, o presidente foi destituído. O cenário não era mais a Casa Rosada; mas, sim, o Palácio Carondelet. Até o meio de transporte utilizado para a fuga foi o mesmo. Apenas o nome do passageiro do helicóptero era outro: presidente Lucio Gutiérrez.
A fórmula da Troika é conhecida por países sul-americanos. Assim, um alerta aos navegantes europeus deve ser deixado: depois da sequência de aventuras econômicas e financeiras para reduzir o déficit público, ao povo é oferecido desemprego, miséria e sofrimento.
Em paralelo, as revoltas populares se sucedem de forma incontrolável, até que se transformam em crise política e de governabilidade. Quando a situação se torna insustentável para todos, o FMI oferece “resgate de helicóptero” como prêmio de fidelidade ideológica a governantes desmoralizados.
O artigo é do João Sicsú no site da Carta Capital
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