A reação de parte da imprensa às informações sobre a composição do governo Dilma é curiosa. Em alguns veículos, chega a ser cômica.
Outro dia, um dos jornais de São Paulo estampou em manchete que Dilma estava "montando o núcleo de seu ministério com lulistas". O que será que o editor imaginava? Que ela fosse recrutar "serristas" para os postos-chave de sua administração?
Como ensinam os manuais do jornalismo, essa não é uma notícia. Ou será que algo tão óbvio merece destaque? "Cachorro come linguiça" não é um título para a primeira página. No dia em que a linguiça comer o cachorro, aí sim a teremos uma notícia (que, aliás, deverá ser impressa em letras garrafais).
Na mesma linha, um jornal carioca achou que era necessário alertar os leitores para o fato de que "Lula está indicando várias pessoas para o governo Dilma". Em meio a estatísticas sobre quantos nomes já havia emplacado, a matéria era de franca desaprovação.
Na verdade, tanto nessa, quanto na manchete do jornal paulista, estava implícita quase uma denúncia, como se um duplo mal-feito estivesse sendo cometido. Por Lula, ao "se meter" na formação do novo governo, ao "tentar interferir" onde, aparentemente, não deveria ter voz. Por Dilma, ao não reagir à intromissão e o deixar livre para apontar nomes.
Quem publica coisas assim dá mostras de não ter entendido a eleição que acabamos de fazer. Não entendeu como Lula, seu principal arquiteto, a concebeu, como Dilma encarnou a proposta, e como a grande maioria do eleitorado a assimilou.
Tudo mundo sabe que, quando Lula formulou o projeto da candidatura Dilma, a ideia central era de continuidade: do governo, de suas prioridades, de seu estilo. Ele nunca disse o contrário e insistiu no uso de imagens que caracterizavam, com clareza, o que ela representava. Para que ninguém tivesse dúvidas, chegou a afirmar que votar em Dilma era a mesma coisa que votar nele. Foi explícito nos palanques, nas declarações, na televisão.
Dilma sempre falou a mesma coisa. Mostrou-se à vontade como representante de Lula e do governo, seja por sua lealdade para com o presidente, seja pela boa razão de que o governo era dela também. Apresentar-se ao país como candidata de continuidade nunca a deixou desconfortável, pois significava defender aquilo a que havia se dedicado nos últimos oito anos.
Isso foi bem entendido pelos eleitores. Desde o primeiro momento e até o fim da eleição, as pessoas olharam para Dilma sabendo qual era a natureza de sua candidatura. Muitas descobriram suas qualidades pessoais, mas o núcleo da decisão de votar em seu nome foi outro, como mostraram as pesquisas.
Ninguém votou em Dilma para que o "dilmismo" vencesse o "serrismo". Só quem quis que a eleição fosse essa foi o próprio Serra, que sabia que perderia se o foco da escolha se alargasse, se os eleitores olhassem para o que cada candidato representava e não se limitassem a fazer a velha comparação de biografias.
Agora, quando Dilma escuta Lula na montagem do governo, ela apenas cumpre a promessa fundamental de sua candidatura, a razão principal (para alguns eleitores, a única) dela ter sido votada. Quando dá mostras de que manterá ministros e dirigentes, faz apenas o natural. Se, por exemplo, se comprometeu durante a campanha com a preservação de determinada política, porque razão não seria adequado que o responsável permanecesse?
O governo que está sendo organizado terá a cara da continuidade, política e administrativa. Terá a cara de Lula, do PT e das outras forças partidárias que venceram a eleição. Terá a cara da atual administração, que é aprovada pela maioria da sociedade. Terá a cara de Dilma, pois é ela que o chefiará.
É isso que foi combinado com o país
Por Marcos Coimbra, sociólogo e presidente do Instituto Vox Populi
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