segunda-feira, 8 de agosto de 2011

Credibilidade, cara de pau e dívida

A carinha (de pau)  bonita da ultra-direita 

Paul Krugman

Para compreender o furor quanto à decisão da agência de classificação de crédito Standard&Poor's de rebaixar a classificação dos títulos de dívida pública federais americanos, é preciso ter em mente duas ideias aparentemente (mas não de fato) contraditórias.

A primeira é que os Estados Unidos já não são o país estável e confiável que um dia foram. A segunda é que a S&P tem credibilidade ainda menor do que o país; e é o último lugar que uma pessoa deveria procurar em busca de opinião abalizada sobre nossas perspectivas.

Vamos começar pela falta de credibilidade da S&P. Se existe uma palavra que pode ser usada para descrever a decisão da empresa de rebaixar os títulos americanos, é cara de pau --tradicionalmente definida com a história do jovem que, depois de assassinar os pais, pede clemência porque é órfão.

O grande deficit orçamentário americano, afinal, é em larga medida resultado da desaceleração econômica que se seguiu à crise financeira de 2008. E a S&P, em companhia das demais agências do ramo, desempenhou papel importante no surgimento da crise, ao oferecer classificação AAA, a mais positiva, a ativos lastreados por hipotecas que posteriormente provaram ser não mais que lixo tóxico.

E a ineficiência nas avaliações não parou por ali. A S&P é notória por ter conferido ao banco Lehman Brothers, cujo colapso criou pânico mundial, classificação A até o mês anterior à sua quebra. E como a agência de classificação reagiu depois da falência de uma empresa à qual dava a classificação A? Divulgando um relatório no qual negava ter cometido qualquer erro.

São essas as pessoas que estão se pronunciando quanto à posição de crédito dos Estados Unidos.

Mas espere, porque a coisa fica ainda melhor. Antes de rebaixar a classificação americana, a S&P enviou um rascunho de seu comunicado ao Tesouro americano. Funcionários federais logo descobriram um erro de US$ 2 trilhões nos cálculos da companhia.

E o erro era do tipo que qualquer especialista em assuntos orçamentários teria detectado na hora. Depois de uma discussão, a S&P admitiu que estava errada --mas rebaixou a classificação dos Estados Unidos mesmo assim, depois de remover trechos de análise econômica de seu relatório.

Como explicarei logo abaixo, essas estimativas orçamentárias não deveriam ser tratadas com muita seriedade, de qualquer modo. Mas o episódio dificilmente serve para causar confiança quanto ao juízo da S&P.

Em termos mais amplos, as agências de classificação de crédito jamais nos deram motivos para levar a sério suas avaliações de solvência nacional. É verdade que os países que terminaram dando calotes foram rebaixados antes que isso acontecesse, em geral. Mas nesses casos as agências estavam apenas seguindo os mercados, que já haviam feito dessas nações devedores em crise.

E nos raros casos em que as agências rebaixaram países que, como os Estados Unidos hoje, ainda contam com a confiança dos investidores, estiveram sempre erradas. Considere, especialmente, o caso do Japão, rebaixado pela S&P em 2002. Passados nove anos, o Japão continua capaz de captar recursos livremente e a baixo preço. Na sexta-feira, de fato, a taxa de juros sobre o título japonês de 10 anos era de apenas 1%.

Portanto, não há motivo para levar a sério o rebaixamento dos Estados Unidos na sexta-feira. As agências de classificação de crédito são as últimas pessoas que deveriam merecer nossa confiança.

Mas ainda assim os Estados Unidos têm grandes problemas.

Os problemas têm pouco a ver com aritmética orçamentária de curto ou mesmo médio prazo. O governo dos Estados Unidos não vem encontrando problemas para captar recursos e cobrir seu atual deficit. É verdade que estamos acumulando dívidas, sobre as quais teremos de pagar juros no futuro.

Mas se você fizer mesmo as contas, em lugar de enunciar grandes números com voz malévola, descobrirá que mesmo que haja grandes deficit nos próximos anos, o impacto sobre a sustentabilidade fiscal dos Estados Unidos será notavelmente baixo.

O que faz com que o país pareça pouco confiável não é a matemática orçamentária, mas a política. E, por favor, evitemos as declarações usuais de que os dois lados são culpados. Nossos problemas são quase totalmente unilaterais --especificamente, foram causados pela ascensão de uma direita extremista disposta a criar crises repetidas de preferência a ceder quanto a qualquer de suas exigências.

A verdade é que, em termos estritamente econômicos, os problemas fiscais de longo prazo dos Estados Unidos não são difíceis de resolver. É fato que a população envelhecida e a alta nos custos de saúde vão elevar mais os gastos que a arrecadação, se mantidas as políticas atuais. Mas os Estados Unidos têm custos de saúde muito mais altos que os demais países desenvolvidos, e impostos muito baixos pelos padrões internacionais.

Se avançarmos nem que parcialmente rumo à média internacional, nessas duas frentes, nossos problemas orçamentários estarão resolvidos.

Por que não o fazemos? Porque temos um movimento político poderoso no país que protestou violentamente até mesmo diante de esforços modestos para usar de forma mais efetiva as verbas do programa federal de saúde Medicare, e preferiu causar o risco de uma catástrofe financeira a concordar com nem que um centavo a mais de arrecadação.

A verdadeira questão que os Estados Unidos enfrentam, mesmo em termos puramente fiscais, não é cortar um US$ 1 trilhão do orçamento aqui ou ali; mas determinar se os extremistas que bloqueiam a adoção de qualquer política responsável poderão ser derrotados e marginalizados.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Paul Krugman, 57, é prêmio Nobel de Economia (2008), colunista do "The New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Um dos mais renomados economistas da atualidade, é autor ou editor de 20 livros e tem mais de 200 artigos científicos publicados em jornais especializados.






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